sexta-feira, dezembro 29, 2006

Telling The Truth

Tenho respeito por jornalistas, são as antenas de nossa sociedade. Investigando, denunciando, cobrindo o que acontece no mundo tornam-se, de certa forma, garantia de que o escuso perderá, ou pelo menos não vingará por muito tempo. Com eles, sob essa ótica, temos existência segura. Haverá sempre mídia salvadora capaz de deter abusos. Considero, portanto, fundamental que exerçam absoluta liberdade de expressão. Prefiro vê-los dizendo besteira a calados.
Isenção é o instrumento de credibilidade mais adeqüado ao profissional da notícia. Não há como acreditar por muito tempo em quem tende sempre para o mesmo lado. Até porque, na minha opinião, o olhar de quem relata deveria ser o mais afastado possível dos fatos, nunca interferindo. O exemplo clássico, e mais discutido, refere-se ao caso Watergate. Teriam os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, funcionários do Washington Post, atuado de maneira correta? Até que ponto, ao participarem dos acontecimentos, tornaram-se parte deles? É óbvio que houve aí mistura pouco recomendada. No afã de pesquisar os rapazes dirigiram os acontecimentos de maneira tal, que tornaram-se parte do embrulho.
Não gosto de jornalistas que marcam território, vestem camisas, têm idéia fixa. O esporte é pródigo desses senhores. Como ler ou ouvir os cometários dos corintianos Chico Lang e Juca Kfouri (a quem respeito), ou do santista Mílton Neves, sem ficar com um pé atrás? Tenho sempre a impressão de que por trás dos relatos, ou conclusões, está o torcedor defendendo os interesses do clube. O terreno da política também inspira cuidados. Já ouviram Carlos Chagas? Tentem. Não demorarão muito a perceber a obsessão do analista por Fernando Henrique. Dará sempre um jeitinho de passar pelo ex-presidente, esculhambando-o.
Talvez tudo seja bem mais simples do que tenha tentado dizer. O compromisso do jornalismo de qualidade deveria ser com a verdade.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Harry Potter

Os leitores mais assíduos desse blog já devem ter percebido minha admiração por Harry Potter. Estendo o sentimento a J. K. Rowling, a bruxa que o criou. Só mesmo a magia imaginativa da escritora, que não é muggle, seria capaz de nos presentear com leitura tão fantástica.
Vem aí o sétimo e último volume, parece até que já tem título: "Harry Potter and The Deathly Hallows". E como tudo que se relaciona ao universo da série, antes mesmo de ser editado, o livro provoca discussões. Especula-se que o jovem mago será morto. Daniel Radcliffe, o ator que cresceu representando o amigo de Hermione e Ron, já emitiu sua opinião aos tablóides inglêses. Por ele o final seria mesmo esse, já que detesta histórias com finais sentimentais e piegas. O que me pergunto é se ele já leu alguma coisa na vida.
Vivemos época difícil, em um mundo onde o mal impera. A violência, espécie de Lord Voldemord de saias, aparece soberana sobre os mais diversos disfarces: guerras, disputas religiosas, lutas de classes e crimes. Diariamente contabilizamos as mortes provocadas por homens bombas, tráfico de drogas, diferenças sociais, as mais variadas desgraças. Até a natureza, vingativa, volta-se contra as feridas que lhes proporcionamos retaliando com: inundações, maremotos, terremotos, tsunamis, furacões, secas prolongadas, nevascas, sangrentas intempéries com requintes de perversidade.
Sei, por experiência própria, que muitas vezes as personagens têm vida própria, dominando seus criadores. Mas será que não poderíamos suportar, nem que fosse só em ficção, o bem vencedor? No meu tempo de criança histórias infantis tinham final feliz. Por mim Harry Potter aniqüilava o malévolo, arranjava uma namorada e vivia feliz para sempre com sua varinha de condão. Qualquer outra solução seria vitória do mal, que já vem ganhando tudo e sempre. Muito injusto e previsível.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Burning Hot Weather

Quem é que agüenta uma temperatura dessas? Varo as noites despido, o ventilador zunindo, e acordo grudado de suor. Pela manhã, mal saio do banho, sinto-me encharcado antes mesmo de vestir o terno. São Paulo já foi a terra da garoa. Era fresquinho por aqui, clima ameno, podia-se trabalhar engravatado sem maiores problemas. Agora é esse inferno, essa África, verdadeiro deserto de concreto. A impressão que tenho é que piora a cada ano. Um grau aqui, outro ali, caminhamos para o derretimento total. Na próxima década, do jeito que vamos, estaremos todos liqüefeitos.
Eu quero a minha camada de ozônio intacta de volta! Andar sentindo o vento frio no rosto. Subir os ombros e aquecer as orelhas no cachecol. Tomar um chá fumegando e me perceber aquecido, reconfortado. Dormir abraçado com a patroa, parar de me esgueirar na cama horrorizado ao menor contato febril, corpos em fogo. Morro por um mundo de sombras e água fresca, longe desse sol que me persegue, se intromete, inunda tudo dessa claridade morna, pegajosa, espécie de mau hálito em três dimensões. Desejo a compostura de um dia de inverno. Roupas sóbrias e pesadas. Poder tirar os óculos escuros sem franzir a testa. Calor não é comigo. O tempo, como tudo nesse mundo, enloqueceu.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Boxing Day

Diferentemente do velho Noel, não tenho mais saco para o Natal. Felizmente chegamos ao dia vinte e seis. Ultrapassamos as aborrecidas festas de todo o ano com uma chateação adicional: não há aqui o Boxing Day. Estivéssemos em UK e teríamos mais um feriado. Algumas teorias explicam a existência dessa data celebrada em alguns países da comunidade britânica. A que mais me convence diz que nos tempos feudais os lords presenteavam seus súditos, depois das festas natalinas, com uma caixa (daí o box) com: roupas, grãos e ferramentas. Como tinham trabalhado no dia anterior, servindo os seus senhores, recebiam o dia para estar com as famílias.
Uma sobrinha declara, sorridente e feliz, ser a festa que mais espera no ano. Não sabe bem a razão. Talvez os inúmeros presentes, quem sabe os deliciosos pratos, fica dividida na hora de escolher. Agradeço pela parte que me toca. Imaginava, tolamente, que pudesse ser o fato de estar com os tios.
As televisões forçam a barra. Mostram uma cabelereira emocionada. Para ela, um dia especial. Em um hospital maternidade faz gratuitamente o cabelo de algumas jovens mães pobres. É recompensador vê-las com seus bebês e bonitas, explica. Voluntários levam brinquedos para as crianças de uma favela. Impressionante a volúpia com que se atiram às caixas coloridas, estapeando-se, depois de aguardar horas em uma fila. Tudo emocionante e adequado.
Músicas, corais, árvores enfeitadas, luzinhas piscando, comerciais vendendo de tudo por conta do bom velhinho, exploração barata dos sentimentos, estaremos livres disso até o próximo ano. Perdoem-me os que gostam de ser piegas.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Playing With Words

Cara do pato.
Pata se cala.
Canela.

Pata do pato.
Pata se pela.
Panela.

Filha do pato.
Pata da vila.
Fivela.

Mata do pato.
Pata na sola.
Mazela.

Time do pato.
Pata da mula.
Tijela.

On The Threshold Of This Year

O ano está no bico do corvo. Mais uma semaninha e escafedeu-se. Hora de fazer o balanço final, olhar para trás e ver o que sobrou, se é que sobrou alguma coisa. Entre mortos e feridos sobrevivi chamuscado, mas inteiro. Dois mil e seis foi difícil.
Diabo de período cruel! Muitas vezes me desanimei, senti o coração apertar infeliz. A inércia e o espírito de sobrevivência, puro instintos, me empurraram para frente.
Aprendi que as idiotices que repetem nos cursos de auto-ajuda podem fazer sentido. Entendam-me, pelo amor de Deus! Não pretendo recomendar livros de embromação. Antiético usar a força desse blog para fazer marketing de literatura supérflua. Percebi, porém, que a atitude que temos frente as coisas pode influenciar os resultados. Somente quando me posicionei melhor, de forma mais positiva, consegui caminhar sem dor. E prosseguindo assim, erecto, abrandei-me. O ódio que sentia pela situação em que me encontrava dissipou-se. A insegurança desapareceu, consegui trabalhar melhor e mais contente. Agora tanto faz a empresa que me paga o salário. Quero mais é fazer o serviço bem feito, com energia, estimulado. Já não grito contra o outsourcing.
E assim termina a jornada. O Santos não foi campeão, perdemos a copa do mundo, o Lula foi reeleito, pequenas grandes derrotas. Que dois mil e sete seja melhor. Estou botando fé.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Phrases

Algumas frases me provocam inveja. Gostaria de tê-las dito. Percebe-se direitinho a genialidade de quem as proferiu. Têm sabedoria e humor misturados em dose certa.
Costumo, sempre que vejo alguém esbravejando, espalhando grosseria por todos os lados, lembrar do que disse certa vez o Barão de Itararé: "O tambor faz muito barulho mas é vazio por dentro". Quando me entusiasmo com o que escrevo, celebrando internamente meus pequenos achados, dou razão a Oscar Wilder: "Os grandes acontecimentos do mundo têm lugar no cérebro". E se vou ao cinema, uma de minhas paixões, lembro Fellini: "O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus". E não e podia faltar Millor Fernandes. Ninguém sintetiza como ele: "O dedo do destino não deixa impressão digital".
Meu pai, o escritor Ricardo Ramos, também disse algumas coisas inteligentes. Conversando outro dia com amigos comuns, em uma reunião da UBE, da qual ele foi presidente, relembramos algumas de suas pérolas.
Ao governador Paulo Egídeo, quando visitando a recém inaugurada biblioteca do presídio Carandiru, instado a revelar a impressão que a iniciativa lhe causava, não deixou por menos: "É bom que tenhamos leitores cativos".
Percebendo preconceito com relação a alguns membros da organização que presidia, considerados escritores de pior qualidade, disse: "UBE é união brasileira de escritores, não união brasileira de bons escritores".
Um dia não se conteve. Um escritor havia cometido a proeza de escrever um livro sem a letra " a". Mais tarde, superando-se, escreveu um outro sem a letra "u". Aborrecido ante o silêncio da UBE, escreveu uma carta desaforada, cobrando um posicionamento. Recebeu a resposta: "Vai tomar no có!".

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Sidney Miller

Sidney Álvaro Miller Filho nasceu em 18 de abril de 1945 e morreu em 1980, por vontade própria, aos trinta e cinco anos de idade. Foi dos maiores compositores que tivemos. Não tem a fama que merece. Alguma de suas músicas deveriam ser festejadas, estudadas e revisitadas periodicamente.
Lembrei de Sidney Miller por uma questão de justiça. Em tempos de muita quantidade e qualidades raras, faço questão de manter, pelo menos aqui nesse blog, um certo padrão de bom gosto.
A maioria das canções do poeta carioca tem letras extensas e bem elaboradas. Quando eu era rapaz ouvia tanto, tanto... Fiz sucesso em minha juventude por cantá-las sem esquecer os versos. Conhecia de cor: A Estrada e o Violeiro; Pois É, Pra Quê?; O Circo e Meu Violão. Ainda hoje me arrepio quando ouço qualquer uma delas, seja com o MPB4, com a Nara Leão, ou com o Caetano.
Presto minha homenagem ao grande artista, quem souber que leia cantando:

Pois é, Pra Quê?
Sidney Miller

O automóvel corre, a lembrança morre
O suor escorre e molha a calçada
Há verdade na rua, há verdade no povo
A mulher toda nua, mais nada de novo
A revolta latente que ninguém vê
E nem sabe se sente, pois é, pra quê?

O imposto, a conta, o bazar barato
O relógio aponta o momento exato
da morte incerta, a gravata enforca
o sapato aperta, o país exporta
E na minha porta, ninguém quer ver
Uma sombra morta, pois é, pra quê?

Que rapaz é esse, que estranho canto
Seu rosto é santo, seu canto é tudo
Saiu do nada, da dor fingida
desceu a estrada, subiu na vida
A menina aflita ele não quer ver
A guitarra excita, pois é, pra quê?

A fome, a doença, o esporte, a gincana
A praia compensa o trabalho, a semana
O chope, o cinema, o amor que atenua
O tiro no peito, o sangue na rua
A fome a doença, não sei mais porque
Que noite, que lua, meu bem, prá quê?

O patrão sustenta o café, o almoço
O jornal comenta, um rapaz tão moço
O calor aumenta, a família cresce
O cientista inventa uma flor que parece
A razão mais segura pra ninguém saber
De outra flor que tortura, pois é prá quê?

No fim do mundo há um tesouro
Quem for primeiro carrega o ouro
A vida passa no meu cigarro
Quem tem mais pressa que arranje um carro
Prá andar ligeiro, sem ter porque
Sem ter prá onde, pois é, prá quê?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ill-Mannered

Uma das coisas que observo no comportamento humano é a estreita relação que há entre falta de educação e sensibilidade. A grosseria, geralmente, parte de quem é insensível, pouco atento às nuances do bem conviver. Uma regra simples é freqüentemente esquecida: há que se repeitar para ser respeitado.
Nos vestiários masculinos a nudez revela-se além dos corpos. É quando marmanjos tornam-se moleques pelados. Riem, tripudiam sobre os outros, dizem piadas, brincam, mostram-se. Muitas vezes, porém, perde-se o limite. Há quem ultrapasse, lamentavelmente, a fronteira imaginária que separa o que é aceitável do torpe. A palavra perde então a compostura e a agressão, travestida de pilhéria, insinua-se covarde, sem razão aparente. Os risos agora, fluindo por inércia, descontextualizam-se.
Rudes detestam diversidade. Mais cedo ou mais tarde insurgem-se contra ela. Têm no preconceito a forma mais primitiva de expressão.
Banho tomado, sentado no banco de madeira enxugando os pés, percebi que o ar ao redor se adensava. Aporrinhavam o pobre do faxineiro gay. Injuriado, digno, ele recusava peremptoriamente o convite que lhe faziam. Não tinha interesse na balada, sair com duas meninas, terminar a noite na cama com elas. Declarava, com a voz feminina de sempre, que já tinha encontrado seu amor. O outro insistia, falava sobre as delícias do programa, entrava em detalhes íntimos da anatomia do sexo oposto. Retirou-se rindo, falando alto, prometendo que voltava à noite para levar o rapaz para a farra.
Continuei sentado, acabrunhado, cabeça baixa, olhando para um unha doente que tenho.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Acts of Violence

O assunto não é de minha preferência. Ando assustado, porém, com a fúria assassina que se espalha pela humanidade. Matar parece ter virado obsessão. Vidas são assopradas, diariamente, como se fossem velas. Apagam-se existências sem o menor titubeio. Nada mais banal do que gente. Homens e mulheres, idosos ou crianças, são atacados, dilacerados, explodidos, queimados, violentados, torturados, de forma sistemática e cotidiana. Estamos doentes.
A violência que se lê nas manchetes não nos abala. A dor é de quem tem. Seguimos afastados e distraidamente imunes. Até quando? Confiamos demais na sorte.
Quando pensamos ter visto de tudo a violência, renovada e criativa, nos tira do torpor. No meu caso traz horror e, principalmente, vergonha. Como encarar o que aconteceu em Mogi das Cruzes? A família presa em um carro, e queimada viva, é mais do que posso suportar.
Seguiremos nos endurecendo. O novo Jack inglês matando em série prostitutas, carros-bomba diários no Iraque, balas perdidas, testes nucleares, atentados de toda sorte. Um dia a gente se acostuma totalmente. Falta pouco.

terça-feira, dezembro 12, 2006

The Childreen Of Men

Quando li o livro fiquei tocado pelo tema. P.D. James, uma de minhas autoras preferidas de policiais, aventurava-se por terreno diferente, o da ficção científica. A história começava em 2027. Em um mundo cheio de conflitos, dominado pela questão dos imigrantes ilegais, perseguidos e isolados em campos de concentração, dirigidos por governos autoritários, a humanidade perdera a capacidade de procriar. A poluição em todos os níveis afetara inapelavelmente os genes. Há quase dezenove anos não se registravam partos. Maternidades fechadas. Famílias criando animais de estimação como se fossem filhos. A indústria de bonecas progredindo fantasticamente. Mulheres comprando réplicas idênticas de bebês, passeando com suas crias adqüiridas pelas ruas, exibindo-as. Tudo muito sombrio. O povo envelhecido, envelhecendo, morrendo, acabando. E então alguém engravida. Era preciso salvá-la, colocá-la em mãos responsáveis. Exitia uma sociedade idônea que se preocupava em salvar a vida na Terra. Os heróis teriam que levar a mocinha prenhe para lá.
Tentei, na época, imaginar a vida sem crianças. Como seria viver sem histórias infantis? No meu caso teria que parar de escrever, já que é para elas que trabalho a imaginação. Meu texto melhor elaborado é para os pequenos. Não imagino público alvo melhor. A inteligência diferente dos meninos e meninas me estimula.
Surpreendi-me quando soube que haviam filmado o livro. Enchi-me de expectativas. Teriam conseguido recriar na tela grande todo aquele clima angustiante? Atores ótimos. O inglês, nascido em Keresley, Clive Owen, ótimo em Sin City e King Arthur, Julianne Moore e o maravilhoso Michael Keane, vivendo um velho sábio rebelde.
Para variar frustrei-me. Conto nos dedos os livros que deram bons filmes. Como separar o joio do trigo? Talvez seja essa a resposta. Difícil condensar em um roteiro tanta qualidade. Sempre ficam coisas importantes de fora.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Gracias A La Vida

Viver é bom. O tempo arrastando-se mais ou menos rápido oferece-nos, conforme a distância do olhar, reparo. Acabou Pinochet. Tenho o hábito de celebrar internamente as mortes que desejava. Não faço alarde. Sujeito pacífico, incapaz de matar, consolo-me sabendo que verei alguns trastes partirem. Quando são mais velhos apoio-me, esperançoso, na probabilidade de que isso aconteça. Sendo a morte a maior das desgraças, sinto-me de alguma forma vingado. Não me venham dizer que o ditador terminou velho, locupletado pelo dinheiro que roubou, rodeado pela família em leito quente. Morreu, não existe castigo pior. Eu lhe sobrevivi.
Desde 11 de setembro de 1973, quando começou uma das mais sangrentas ditaduras que já existiu, mergulhando o Chile em horror, comecei a alimentar antipatia por esse generalzinho. Cresci ouvindo Violeta Parra, Joan Baez e Mercedes Sosa. Quando volvo a los diecisiet, idade aproximada que tinha na época, na verdade dois anos a mais, relembro o clima do período. As ditaduras têm um dom curioso, o de enriquecer as músicas. Cantávamos em espanhol o nosso repúdio à violência dos militares. Comentávamos assustados o que acontecia no Estádio Nacional do Chile. Éramos locos por ti America. Foi quando prenderam Víctor Jara, um dos mais famosos cantores e compositores chilenos. Esmagaram-lhe as mãos a golpe de coronhadas para que não tocasse, mataram-no calando sua voz. Um dos 3000 mortos, 30.000 torturados desse período negro.
Pronto. Pinochet, já era! Gracias a la vida. Enquanto isso recordarei quem não pode ser esquecido:

Te Recuerdo Amanda
Texto y música de Víctor Jara

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada,
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

La sonrisa ancha,
la lluvia en el pelo,
no importaba nada,
ibas a encontarte con él.

Con él, con él, con él, con él.
Son cinco minutos. La vida es eterna en cinco minutos.
Suena la sirena. De vuelta al trabajo
y tœ caminando lo iluminas todo,
los cinco minutos te hacen florecer.

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

La sonrisa ancha,
la lluvia en el pelo,
no importaba nada
ibas a encontrarte con él.

Con él, con él, con él, con él.
Que partió a la sierra,
que nunca hizo daño. Que partió a la sierra,
y en cinco minutos quedó destrozado.
Suena la sirena, de vuelta al trabajo
muchos no volvieron, tampoco Manuel.

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada,
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Nothing To Kill Or Die For

Outro dia falava sobre música com amigos. Cada um revelou suas preferências e gostos pessoais. Pipocaram cantores e cantoras, bandas, estilos, nacionais e estrangeiros. Percebi, de forma bastante evidente, certa ansiedade em mostrarem-se atualizados. Todos, sem excessão, pareciam querer revelar que acompanhavam, muito atentamente, as novidades. Citaram gente e grupos para mim completamente desconhecidos. Não que eu me desinteresse do que surge no cenário mais ou menos recente, mas não sou fixado nessa idéia.
Da mesma forma que tenho necessidade de reler alguns livros com freqüência, não abandono os velhos sons conhecidos. Lerei Proust a vida inteira, ouvirei Beatles for ever. O cedê está no meu carro, gravado por mim, seleção que se impõe ao meu cotidiano, beatlemaníaco que sou.
Não poderia, portanto, esquecer a data de hoje. Lembro que se aproximava o Natal. Minha casa estava cheia de parentes vindos de fora. O clima era de alegria. Reviveríamos as festas de minha infância. A família unida como há tempos não víamos. E então ouvi a notícia no rádio. Um maluco chamado Mark David Chapman atirara cinco vezes em John Lennon, matando-o. Chorei muito. A data? Era um 8 de dezembro como o de hoje, em 1980.
Pois é, faz vinte e seis anos que perdemos o mais rebelde dos Beatles, aquele que eu mais admirava. Em Imagine ele cantou um mundo melhor, ideal, onde não houvesse nada pelo que se matar ou morrer. Ainda estamos muito longe, mas a melhor homenagem que podemos prestar ao autor é imaginar.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Breakdown

A crise que começou com o acidente envolvendo o avião da Gol e o Legacy aparentemente não terá mais fim. Quase que diariamente ouvimos notícias de confusões nos aeroportos. Filas, atrasos, cancelamentos de vôos, gente desesperada querendo voltar para casa, dormindo sobre as malas, falta de informação, desrespeito, toda sorte (ou azar) de mazelas.
Todos que visitam esse blog sabem da antipatia que nutro pelo nosso presidente, mas não é fácil governar esse país. O sistema vigente, dependente de alianças políticas que viabilizem o mandato, obriga escolhas nem sempre baseadas na competência. Nunca ouvi dizer que o ministro Waldir Pires entendesse do que tem tratado. Não que ele seja douto em muita coisa, já que a fama que tem na Bahia é de ser um pouco, digamos, lento. Parece-me, porém, que essa questão difícil e enrolada, precisaria de um acompanhamento no mínimo técnico, além de boa capacidade de gestão.
A gente por aqui tem uma dificuldade incrível em lidar com problemas. Há sempre uma grande esperança de que o tempo resolva as coisas. Nada se faz, apenas se aguarda que alguma bênção caia dos céus e arranje o que está errado. Sem o foco necessário, vontade de solucionar adeqüadamente o impasse, aparando as arestas, continuaremos a viver essa vergonha.
Fatos muito relevantes começam a pipocar. Ontem uma criança de um ano perdeu a oportunidade de ter o fígado transplantado. O órgão não chegou em tempo, ficou preso aguardando o embarque. Uma noiva desesperada, o vestido branco na mala, perdeu o próprio casamento em Recife. E eu, finalmente, não recebi a encomenda do livro de Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento, responsável por momentos agradabilíssimos de leitura, encomendado para presentear um amigo. Só havia encontrado na livraria Cultura de Brasília e o malote, até agora, aguarda a boa vontade dos controladores de vôo. Assim não dá!

terça-feira, dezembro 05, 2006

Dictators

Quando eu era jovem preguei na parede de meu quarto um poster muito bonito. Nele havia a clássica figura de Carlitos e estava impresso o discurso final do Grande Ditador. Vivíamos sangrenta ditadura no país. As palavras escritas emocionavam-me sempre. Lembro de tê-las lido várias vezes com respeito, admiração, aprendendo em cada parágrafo os muitos significados possíveis, revivendo periodicamente a revolta que os ditadores provocavam. Tomei conhecimento de muitos. Faço questão de enumerá-los: Hitler; Benito Mussolini; Idi Amim Dada; Generalíssimo Franco; Salazar; Jorge Rafael Videla; Joseph Stalin; Pinochet; Getúlio Vargas; Kadhafi; Saddam Hussein; Emílio Garastazu Médici, Ernesto Gaisel; Presidente Figueiredo; Castelo Branco; Papa-Doc ; Baby-Doc e Fidel Castro. Todos responsáveis por um número incrível de mortes, torturas, maus tratos aos seus semelhantes.
A Venezuela acaba de reeleger Hugo Chávez. Incrível o perfil desse senhor: controlador, autoritário, intolerante e vingativo. Características de todos os citados anteriormente. Ganha mais um mandato pensando no futuro, outros seis anos, adoraria perpetuar-se no poder. Um pequeno grande ditador em gestação.
Para que não esqueçamos nunca de Chaplin, vai um pouco do que disse:
... Aos que podem me ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A Good Year

Não sou crítico de cinema mas gosto do assunto. Sou obsessivo compulsivo com relação a filmes. A idéia que tenho do paraíso é a de um grande telão. Por mim emendava uma sessão na outra. Exageros à parte vejo muita coisa, seria o que chamam de cinéfilo. Tudo isso para falar de Sir Ridley Scott, um de meus cineastas favoritos.
Britânico como o lord que vos fala, nascido em 1937 em South Shields, estudante do Royall College of Art, é dono de uma filmografia de encher os olhos. Bastava Blade Runner, sempre o primeiro de minha lista, mas fez muito mais: Thelma e Louise; Black Rain; Legend; Alien; Hannibal e Gladiator, só para falar de alguns. Naturalmente sou exigente quando se tratata do nobre diretor, tenho grande e constante expectativa com relação ao que faz.
Saí um pouco desapontado de A Good Year. Seria injusto se dissesse que o filme é ruim. Longe disso. Só que esperava mais. O roteiro me pareceu um pouco confuso, menos bem amarrado do que deveria. As tomadas lembram demais os planos dos comerciais de televisão. Certo que falamos de alguém que veio do meio publicitário, mas as referências ficam explícitas demais. E clichês, alguns chavões são óbvios.
Talvez o problema que mais tenha me chamado a atenção foi com relação à emoção. Há todo um universo que poderia ser explorado pelo qual se passa ao largo. As reminiscências do adulto, lembranças da infância, me pareceram frias, simples relatos. Não consegui ver o amor do sobrinho pelo tio. Muito contido, very British.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Merry Christmas!

Feliz Natal! Perdoem-me a pressa. Tenho medo de esquecer de enviar meus votos. Dezembro começou trazendo o desatino de fim de ano. Correria muita. Trânsito pesado, comércio ensandecido, um frenesi que não se explica. Todos querendo encontrar o melhor presente mais barato, exercício prático popular da relação custo-benefício. Graças aos malefícios que infrigimos à mãe natureza temos, pelo menos esse ano, uma folguinha no calor. O clima tem estado ameno, chovendo como nunca choveu nessa época, o meio ambiente completamente descontrolado. Que bom!
Acho que já deu para perceber que não sou muito fã de Papai Noel. Tenho um sentimento ambíguo com relação às festas natalinas. Se estou fora do país, longe da família, consigo até emocionar-me. Principalmente se me encontro em lugar frio. O ar sombrio do inverno, emoldurado pelas luzes coloridas dos enfeites tradicionais, tem para mim charme especial. Gosto de caminhar pelas calçadas sentindo o vento gelado no rosto, bem agasalhado, observando a maneira toda particular e diferente da nossa com que o europeu, por exemplo, se comporta nessa época. Tornam-se crianças, fantasiam-se de bons velhinhos ingenuamente excitados, alegres, incorparando coletivamente o espirito da paz. Aqui e ali se agrupam em pequenos corais e cantam bem ensaiados. As músicas, por sinal, nos lembrando que é tempo de fraternidade.
Por aqui é diferente. O povo quer mais é trocar presentes e se empanturrar. Nada mais desagradável que a noite do dia vinte e quatro. Vestiremos roupas novas e partiremos para o sacrifício. Ano após ano participamos desse jogo com regras tão bem estabelecidas. Na casa do parente da vez chegaremos carregados de presentes. As crianças estarão muito mais barulhentas que o razoável, de olho nos embrulhos sob a árvore. O ar estará carregado de odores fortes, salgados e doces, já que uma profusão enorme de pratos estará sendo preparada. E então, sorrisos tatuados no rosto, conversaremos. Quando estivermos cansados de conversar, com fome, loucos para comer as delícias que a fartura de cheiros anuncia, conversaremos mais um pouco, aguardando os retardatários. Haverá sempre aquele que precisou passar na casa de alguém antes. A fome, com certeza, ficará cozinhando. Quando estivermos prestes a atacar o pé da mesa, chegará a hora mais esperada: amigo secreto. Horas ouvindo explicações estúpidas sobre como nos vêem. Ganharemos o que não queremos e daremos o que gostaríamos que quisessem. Chegará enfim o momento da ceia, e o que mais sentiremos é sono e vontade de ir embora. Será que faltou alguma coisa? Acho que não. Então, mais uma vez: Feliz Natal!

quinta-feira, novembro 30, 2006

Working Hard

Tenho trabalhado demais. Corrido atrás do rabo feito cachorro louco. Acabo sentindo falta de vir aqui escrever, por para fora as coisas que me chamam a atenção. Sinto falta desse exercício diário, o de dirijr o pensamento com alguma antecedência ao objeto de meu post cotidiano, organizando as idéias, planejando o texto. Sabendo que terei, com certeza, um momento de paz em que o fruto da observação será colocado em palavras. Arranjado segundo critérios particulares nesse blog, submetido à minha razão, emoção, capacidade mais ou menos eficiente de traduzir o que penso. Sem essa atividade à qual me apeguei, e que a correria louca corporativa impossibilita, sinto-me inquieto e infeliz. Falta-me o prazer de encontrar, ou pensar que encontrei, a melhor forma de dizer.

terça-feira, novembro 28, 2006

Ungodly

Somos de fato uma nação infeliz. Quando parece que alguma coisa está decente, nos conformes, andando com se deve, claro que por acaso pois nada é planejado, alguém percebe e resolve mexer para piorar.
O Ministério da Educação fará, no início do próximo mês, um evento para discutir temas ligados à diversidade e à inclusão educacional. Até aí tudo bem, ponto para eles. Acontece que aproveitarão para debater a volta, de forma facultativa, do ensino de religião em escolas da rede pública. Está previsto na Constituição e na LBD (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Bacana, não é mesmo?
No Rio de Janeiro, desde o final de março, metade dos alunos da rede pública, graças à Rosinha (que não é a Minha Canoa), estão às voltas com o criacionismo. Aprendem que o homem foi criado do barro e a mulher da costela de Adão, 145 anos depois de Charles Darwin publicar "A Origem das Espécies".
Desde que eu era pequenininho, muito tempo faz, essa coisa absurda de aula de catecismo nas escolas tinha sido abandonada. Até por não fazer sentido. Além do Estado dever se abster de palpitar nessa seara, somos um povo com múltiplas crenças. Ensinaríamos qual religião nas classes?
Parece que os intelectuais do governo, responsáveis pela educação do país, não perceberam que o assunto é sempre foco de tensão no mundo inteiro. Morre-se em muitos lugares por divergência de credos. Seria o fim começarmos essas disputas em nossos colégios. Tínhamos, fortuitamente, de forma natural e mansa, chegado ao estado atual. Religião se aprendia em casa, com os pais, cada um a sua e na sua. Depois o fulano podia virar carola, trocar de crença, desacreditar, pregar em qualquer freguesia. Liberdade de culto sempre foi uma bênção em plagas brasileiras. Pelo visto os pensadores do modelo futuro não são macacos velhos, estão loucos para por a mão em cumbuca.

segunda-feira, novembro 27, 2006

Day-dreaming

Sonhar é melhor que viver. Muitas vezes. Fugir da realidade pode ser um recurso salutar, trazer um pouco de tempero e alegria para a rotina. Imaginar que seríamos assim, se não fôssemos assado, é capaz de fazer a diferença entre viver bem ou mal.
Leio, com muito interesse, recente declaração de Agnaldo Silva em entrevista. Nela afirma serem os autores de novelas raça em extinção. A maior parte deles já tem idade, a renovação que se dá é pequena, a tendência é de que acabem.
Difícil para mim não invejar quem pode viver apenas do que escreve. E com muito conforto, ao que me consta. Essa fantasia que alimento, cada vez mais presente, é reforçada quando ouço afirmações como a do ilustre autor. Imagino-me, imediatamente, inventando capítulos para a televisão.
Rcentemente, por dever de um compromisso assumido, tive que passar um dia inteiro escrevendo. Poucas vezes senti-me tão bem e realizado ao final de uma jornada. Não vi o tempo passar, distraí-me, senti que era útil, considerei importante o que fazia. Tudo muito diferente de como me encontro normalmente após oito horas dedicadas à empresa onde trabalho.
É assim que sonho acordado. No futuro, por algum azar da sorte, viverei somente das idéias que ponho no computador. Parceiros: o Word e eu.

sexta-feira, novembro 24, 2006

What A Pity!

Leio sobre a morte do último panda branco e marrom do mundo. A notícia, talvez pela simpatia do bicho exibido, me deixa triste. É estranho testemunhar a extinção de um animal. Saber que foi posto um ponto final naquela existência. Ter consciência de que virarão artigos de museu, ao lado de esqueletos desenterrados.
A diferença é que não matamos os dinossauros, não colaboramos para que sumissem desse mundo. Ao ver o bonito urso sinto-me responsável, envergonhado por minha condição humana. Pesa-me com certa constância saber que somos vorazes destruidores da natureza. Exercemos, sistematicamente, esse poder malévolo. Animais, meio ambiente, tudo. Não ficará pedra sobre pedra.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Wondering Soul

Não acredito em alma penada. Melhor, prefiro não acreditar, esforço-me para isso. Tenho uma relação de medo com as coisas que não entendo. Tudo o que é relativo ao espírito me assusta, inclusive as religiões, que exercem em mim espécie de fascínio. Temor reverencial. Certamente, antes de mais nada, por absoluta incapacidade de lidar com a morte, sempre muito além de minha compreenção e aceitação.
Volta e meia ouço conversas, leio reportagens, assisto a filmes que tratam da existência de fantasmas como fatos corriqueiros. A intercomunicação entre dimensões diversas acontece naturalmente, falecidos e viventes do nosso mundo trocando experiências tranqüilamente. Quase sempre, infelizmente, sou atraído de forma inapelável pelo argumento. Depois, com os raros cabelos que me restam em pé, vago pela noite insone, sem conseguir conciliar o sono.
E como tento fugir do tema, passando sempre ao largo, de forma consciente, dos pequenos indícios que o cotidiano oferece, tenho pouco a contar. Geralmente não reparo em indícios evidentes para a maioria. Vultos, ruídos, ventos gelados, coincidências, encontram respaldo na razão, consigo explicar.
Mas para toda regra há excessão. Aconteceu logo após o passamento de meu pai. Estava escrevendo e embatuquei com o uso de uma palavra. Caberia naquele contexto? Perdi a paciência e reclamei, em voz baixa, com o velho:
- Você bem que poderia me ajudar. Sempre escreveu melhor do que eu, está ocioso, sem fazer nada, o que custava entrar na minha cabeça e me ensinar?
Levantei e fui ao Aurélio. Naquela época ainda não havia dicionário online, capaz de agilizar a aborrecida pesquisa. Folheei o pesado tijolo, insatisfeito com a minha própria ignorância, louco para terminar logo com aquela inana. Achei o verbete e li o exemplo dado. Se estivéssemos no cinema a música agora estaria bem alta e seria dado um close na página. As letras dançaram sob os meus olhos. Quando percebi estava arrepiado da cabeça aos pés. Um susto enorme. Larguei o livro e saí correndo do escritório. Adivinhem quem tinha escrito o texto? Sim, meu pai.

quarta-feira, novembro 22, 2006

Free Hugs

Já recebi o filminho pela Internet, já vi pela televisão. Um rapaz carregando uma placa onde se lê: Abraços Grátis, posta-se em uma rua de grande movimento. O fundo musical tem letra bonita, o todo é comovente. De início nos choca a solidão do moço. Oferece-se com sorriso tímido, magro, frágil, cabeludo, movimentando-se e olhando para todos que passam. Há que se enternecer com a figura. Os olhares que lhe dirigem são curiosos, às vezes até debochados. Afastam-se balançando a cabeça, divertidos.
Então um senhora muito pequena, vestida pobremente, se aproxima um pouco encabulada, relutante. Dirige-se ao jovem e abre os braços. Estreitam-se carinhosamente. Embora não se conheçam há muita emoção no jesto, parecem velhos amigos. O primeiro encontro catalisa os próximos. De repente o homem não está mais só. Pessoas param para receber o brinde que é de graça. Passamos a assistir a uma exuberância de estreitamentos das mais variadas matizes. Gente que nunca se viu apertada em braços estranhos, aconchegada. Gostando do próximo. É como se tivéssemos diante dos olhos uma performance psicodélica dos anos sessenta.
A cena funciona como laboratório. Estamos mais acostumados a ver violência explodindo. Os linchamentos, outra manifestação coletiva, iniciam-se também por imitação, só que do ato espúrio. Ainda não tinha testemunhado o povo ampliado assim por um sentimento bom, preocupado em receber e dar amor gratuitamente. Nem sempre ele é assim incondicional. Foi bonito de ver essa festa de paz.

sexta-feira, novembro 17, 2006

With Body And Soul

Não sou nenhum Michael Jackson mas gosto de crianças. Comove-me a forma como são capazes de entrar de corpo e alma no universo ao redor. Com elas não tem meio termo, ainda não aprenderam a contemporizar. A ingenuidade aparente das opiniões que emitem nos revela um mundo sem barreiras, gosto independente. Os pequenos falam sem bloquear o pensamento. Dizem de forma simples o que sentem, sem medo, ou maiores preocupações. Falam a verdade.
Estou escrevendo uma história infantil em um site especializado, capítulos quinzenais. As facilidades de comunicação vigentes permitem que possa receber sugestões dos pequenos leitores. Não estaria mentindo se dissesse escritores mirins. E como são sinceros! Esculhambam-me freqüentemente. Se o conto segue um rumo que não aprovam dizem logo, sem rodeios, que não estão ali para aturar chatices. Uma pirralha de sete anos, de Arapiraca, Alagoas, pediu que eu colocasse príncipes e princesas, onde já se viu esquecer deles? Um garoto de dez, morando atualmente no Japão, falou sobre as brincadeiras de lá, diferentes das nossas, seria legal incluí-las. O romantismo das meninas é evidente. A maioria quer que eu arranje uma namorada para a minha personagem. Criticam, elogiam, entusiasmam-se, fazem do meu trabalho uma tarefa das mais prazerosas. É sempre bom perceber o gosto pela leitura se desenvolvendo.
Outra coisa, os brasileirinhos estão preocupados com o futuro. Ecologia é matéria de estudo e de observação diária. Meti-me a falar sobre um rio morto e agora vou ter que ressuscitá-lo.
- Você não é o dono dessa história? Então tem a força.

quarta-feira, novembro 15, 2006

It Grates On My Nerves

Parecem que descobriram o tema. Até a televisão percebeu que o fato de as pessoas se irritarem facilmente, pode melhorar seus índices de audiência. Não é à toa que a inteligente Fernanda Young está comandando um programa sobre o tema na GNT. De início, quando vi as chamadas, achei que não daria certo, acabariam saindo de cena por falta de interesse dos telespectadores. Errei completamente em minha previsão. É divertido nos identificarmos com o que é exibido. Quem de nós não tem suas manias, como não se aborrecer com coisas muitas vezes ridículas? No fim, ou por sermos iguais, ou por nos acharmos completamente diferentes, acabamos dando risada.
Veja o caso dos passarinhos de manhã cedo, por exemplo. Eles não se mancam. Com a maior falta de cerimônia começam a cantar antes mesmo do dia clarear. Há pouco tempo, quando mudaram o fuso, achei que teria mais uma hora de paz. Que nada! Os danadinhos devem ter relógio, também adiantaram em uma hora o início do suplício matinal. Às vezes sinto que as penas do meu travesseiro respondem a algum tipo de chamado atávico, é como se existissem sabiás, pintassilgos, rolinhas, bem-te-vis, um exército de bicudos sob minha cabeça, vivos, comunicando-se, infernizando meu amanhecer.
E muitas outras coisas. Existe alguma coisa pior do que gente falando alto no celular? Alguns não escolhem hora ou lugar. Dirigindo, pedalando na academia, andando no parque, na igreja, durante a missa, interrompendo a importante conversa com Deus. Outro dia, no ônibus, voltando para casa, sentado ao lado de uma fulana, acompanhei do início ao fim intrincada discussão conjugal. Tive ímpetos de interferir e sugerir a separação do casal, o cara era um canalha.
Tantos são os detalhes, não tão pequenos, capazes de interferir no meu humor, que poderia começar um romance à respeito, teria muito o que escrever.
Natal. Não me falem dessa maldita festa, para mim desgraça coletiva. Trânsito congestionado, pedintes caprichando na expressão infeliz, dificuldade de se estacionar, calor, presentes, shopping centers, Papai Noel, a véspera propriamente dita (a insuportável noite do dia 24) , crianças gritando e correndo para todos os lados, parentes chatos que somos obrigados a ver uma vez por ano, o cunhado idiota fantasiado de bom velhinho, amigo secreto (nada pior!), jantar pesado, inadeqüado e tarde da noite.
E muitas outras coisa mereceriam ser lembradas: música axé, pagode, gente que fala demais, falta de educação, falta de energia elétrica, café frio, filme ruim, gente fumando, gente que fala tocando em você, gente que cospe falando, talk show americano, ausência de bom gosto, ter que esperar, elevador cheio, demonstração de racismo, arrogância, quem fala sem olhar para você, falta de atenção, desrespeito, violência, crueldade, plano de saúde, ter que experimentar roupa, gente mascando chiclete, ignorância, jogo de golfe, chuva na hora do rush, adulto xupando pirulito, criança grande com chupeta, bêbado, dedo futucando o nariz, cachorro latindo sem parar, tudo isso e mais, escolhidos assim, aleatoriamente.
Viver irrita? Não, mas quase...

segunda-feira, novembro 13, 2006

Taxi!

Ela é rica, muito rica. Tem personalidade forte, emite opiniões e as defende com ardor. Nasceu para discutir. Há algum tempo desistiu de andar de carro. Vendeu a Mitsubishi:
- Basta uma pirua lá em casa!
Passou a andar de taxi. Como tudo o que faz considera bem feito, por princípio, não houve arrependimento. Descobriu que podia ser livre. Sai a hora que quer sem se preocupar com o estacionamento, pode tomar seus pilequinhos pois não vai dirigir:
- Minha vida ficou mais simples!
Quando precisa chama um carro pelo celular ou, como faz geralmente durante o dia, acena para o primeiro que vai passando. E pode se exaltar à vontade:
- Brigar com taxista virou um de meus prazeres.
Outro dia tomou um na Oscar Freire. Sentou-se, acomodando as compras, e pediu que a levasse na 9 de julho. O motorista pediu que lhe ensinasse o caminho:
- Como? Pare que eu vou descer. Se você não conhece rua tão famosa é amador, não serve para mim.
Diz que não precisa mais de analista. Resolve seus problemas armando barraco indo da loja para o cabelereiro, da academia para casa, do cinema para a festa. Se o infeliz que dirige o taxi fuma, pede para apagar o cigarro, se corre manda ir de vagar, se não tem ar-condicionado, reclama que está calor, e se tem pede para desligar. E assim desopila o fígado. Quando o assunto é política, espera o coitado falar primeiro para poder ser contra depois.
E é distraída. Por não se preocupar com o mundo está sempre longe, pensando no que lhe interessa, sonhando com as maravilhas que pode ter, sem dar atenção ao que acontece em volta. Outro dia, saindo da Daslu carregada de sacolas, caminhando em direção ao taxi que deixara esperando, foi abordada por um mendigo. Com ar miserável o pobre homem falou que estava há quatro dias sem comer. Ela olhou para ele com ar incrédulo e exclamou:
- Meu Deus, como eu gostaria de ter sua força de vontade!

sexta-feira, novembro 10, 2006

Whales

Sempre que leio notícias sobre baleias me interesso. É curiosidade antiga, vinda da adolescência, tempo em que me deliciei com as páginas de Moby Dick, de Herman Melville. Poucos livros me despertaram fascínio igual. Lembro que cheguei a sonhar com o cachalote branco enfurecido, saltando em frente a um barco onde eu navegava, ameaçando afundá-lo. Pesadêlo terrível. A força e tamanho do bicho sempre me assustaram. Até hoje, quando vejo o mar em dias cinzentos e misteriosos, tenho a sensação de que o velho e descomunal mamífero de minha juventude vai saltar, todo espetado de arpões, do meio das ondas.
Mas o tempo, de certa maneira, muda nosso interior. A imagem que ainda me resta é pura fantasia, momentânea, se afasta da realidade. Somos agora um mundo de capitães Ahab bem sucedidos. O homem, com relativa facilidade, apressa-se em extingüir o belo animal, apesar das campanhas de recuperação que permitiram que um reduzido número nadasse por aí. Não existe, porém, futuro para os filhos de Moby Dick. Além de nossa usual capacidade destruidora, enfrentam outros inimigos. De repente, sozinhos, encalham e morrem.
As manchetes de hoje, vindas da Nova Zelândia, mostram uma espécie de suicídio coletivo que me encheu de remorso e pena. Cerca de oitenta baleias enfileiradas, encalhadas em uma praia.
Houve uma inversão conceitual na maneira como passei a olhar o tamanho. O grande, que para mim já foi forte, tornou-se fraco. Tive a oportunidade de ver outro dia, andando na Av. Paulista, o gigante chinês Xi Shun, carregando os seus 2,36 metros, 117 quilos, sapatos tamanho 57. Apoiava-se bambo em uma bengala, andava vagarosamente com cuidado extremo, como se estivesse prestes a desmoronar. Nada mais assustadoramente frágil. Como são as baleias agora.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Turn It On Again

Outro dia vi na tv uma reportagem interessante. Falava de um grupo de senhores que estudara junto em uma escola. Na época tocavam em festinhas, tinham uma banda. Depois cresceram, cada um tomou seu rumo, perderam o contato. A maturidade fez com que as lembranças voltassem muito fortes. Mais ou menos ao mesmo tempo sentiram necessidade de se reencontrar. Como sempre se faz nos dias de hoje, pediram socorro à Internet. Cada um pesquisando em seu computador, vivendo em bairros e cidades diferentes, acabaram se descobrindo. O programa captava bem a emoção do momento. Sentados em volta de uma mesa, gordos, calvos mas ainda jovens, cantavam e tocavam, com afinação comovente e indisfarçável alegria, rejuvenescidos, uma canção dos Beatles.
Outros três senhores, cinqüentões muito mais famosos, acabam de declarar que iniciarão uma turnê. O tecladista Tony Banks, o baixista Mike Rutherford e o cantor e bateirista Phil Collins, farão uma série de apresentações na Europa. Sim, o Genesis está de volta. Com a mesma vontade e motivação do grupo anterior menos conhecido. Para eles uma reunião de antigos companheiros de colégio, no caso a Chaterhouse School. Explicaram que foi muito fácil ensaiar, e que as canções simplesmente tinham voltado às suas cabeças, pois faziam parte de suas vidas.
Concordo. Existem diversas músicas que pertencem à minha história. O Genesis fez algumas delas. Acompanhou minha evolução (ou seria involução?). Até o começo dos anos oitenta, o rock progressivo que faziam, com estruturas musicais complexas e letras rebeldes, adeqüava-se perfeitamente ao jovem que eu era. Depois, caminhando em direção ao pop, romanceando bastante melodias e palavras, possibilitaram que, mais velho, continuasse admirando o conjunto.
Turn It On Again, além de ser o título de um de seus hits, é o nome que escolheram para os shows que farão. Espero que Phil Collins, que subitamente perdeu a audição do ouvido esquerdo em 2000, e que tem recomendação médica de não mais tocar ao vivo, não sofra maiores conseqüências. E que se esbalde na bateria. Ninguém, para mim, tem levada tão forte e característica.
E para anteciparmos um pouco a festa, deixo parte de letra da primeira fase do grupo, muito adeqüada ao momento do blogueiro que vos escreve.
That's Me
Every morning when the people are out
And I'm free move around on my own
I look into the sun and I see a reflection
Of a sad and lonely shrivelled man
That's me, that's me
And I know it's how I'm always gonna be

terça-feira, novembro 07, 2006

Cecília Meireles

Ainda não disse que gosto de poesia. Gosto muito. Novembro é para mim, e deveria ser para mais gente, um mês dedicado a Cecília Meireles. Ela nasceu no dia 07, hoje, em 1901, e morreu depois de amanhã, no dia 09, em 1964. Considero a poesia dela linda, delicada, de uma força extraordinária, e frágil ao mesmo tempo. Ela escreveu uma vez: a vida só é possível reinventada. Os poetas não cansam de nos ensinar. A poesia, sobrevivendo, nos completa.
Cecília Meireles
Depois do sol...

Fez-se noite com tal mistério,
Tão sem rumor, tão devagar,
Que o crepúsculo é como um luar
Iluminando um cemitério . . .

Tudo imóvel . . . Serenidades . . .
Que tristeza, nos sonhos meus!
E quanto choro e quanto adeus
Neste mar de infelicidades!

Oh! Paisagens minhas de antanho . . .
Velhas, velhas . . . Nem vivem mais . . .
— As nuvens passam desiguais,
Com sonolência de rebanho . . .

Seres e coisas vão-se embora . . .
E, na auréola triste do luar,
Anda a lua, tão devagar,
Que parece Nossa Senhora
Pelos silêncios a sonhar . . .

segunda-feira, novembro 06, 2006

Capital Punishment

Quem me visita, lê o que escrevo, já deve ter percebido que não gosto de ditadores. Considero Saddam Hussein um dos piores representantes da espécie. Matou, torturou, espalhou sofrimento por onde passou. Interessante vê-lo brandindo o Alcorão, exaltado, praguejando contra os que o condenaram. É sempre difícil, quase impossível, para quem foi Deus por tanto tempo, perder a arrogância e a impáfia. Não senti, porém, prazer em ver a cena. Sou muito diferente do ex-dirigente iraquiano.
Incomoda-me ver gente atrás das grades, tremendo. Não gosto de ver o medo nos olhos das pessoas. Sou incapaz de assistir a uma cena de tortura, dessas que os filmes exibem freqüentemente, sem ter vontade de levantar-me e ir embora. Tenho pela violência desprezo profundo. Como aceitar, então, a pena de morte?
Não vou argumentar dizendo que seria um castigo estúpido. Capaz de criar uma espécie de mártir que Saddam não merece ser. Estaria aceitando a punição caso discutisse a sua conveniência.
Nesse aspecto sou radical. Matar é igualar-se ao assassino. Ninguém tem esse direito. Quando a sociedade, através de suas leis, condena alguém à morte, torna-se um grupo doente, vingativo e criminoso. De certa maneira pior, pois o crime legal que comete, sobre o pretexto de punição exemplar, é analisado, discutido e premeditado.
Gostaria de estar aqui comemorando uma pena justa para o pequeno homenzinho. Que tivesse tido um julgamento honesto, com defensores de fato, sem conivência com exigências estrangeiras. Que ficasse preso o resto de sua indigna vida. A pena capital fez com que tivesse, para meu desgosto, alguma simpatia por ele. Ridículo o juiz não ter permitido que escolhesse o fuzilamento ao invés da forca. Ridículo e cruel. Não há sabedoria na crueldade.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Misunderstanding

Hoje recebi mensagem eletrônica de uma prima. Sempre me perguntei como nascem as piadas. Imagina-se que venham do cotidiano. Da observação dele, das coisas engraçadas que acontecem de fato, e depois são repetidas. Nunca tinha, porém, visto comprovada tão claramente essa tese. Os humoristas, com certeza, são pessoas muito atentas ao mundo em que vivem. Retiram, com muita sabedoria, dos fatos corriqueiros o material do seu trabalho. Observem abaixo se não tenho razão:
Querido primo Lord,
Lendo a piada que recebemos, a do mineirinho que transou com a americana, aquela que quando pedia "Once more", ele respondia "Bel'Zonte", me lembrei de um fato acontecido de verdade com um amigo meu. Ele é um excelente arqueólogo, com livros traduzidos no exterior e presença em congressos internacionais, mas é um caipirão, desses legítimos, não de Bel'Zonte, de Goiânia. Na sua primeira experiência vivendo no exterior, foi para Washington com mulher e filha, estudar numa instituição prestigiada. Lá nos encontramos. Ele não falava quase nada de inglês, morria de medo de tudo, andava agarradinho na rua com a mulher e a filha, os três formando uma espécie de bolinho de gente. Um dia, nos contou: "Sabem? Sempre que eu entrava no elevador da escola, achava que a ascensorista, uma negona alta e gorda, tava me dando bola. Ela toda vez me dizia assim: Oi, flor! Até que, vários dias depois, percebi que na verdade ela estava me perguntando: What floor?".

quarta-feira, novembro 01, 2006

All Soul's Day

Fim de férias longuíssimas, quase três mêses fora. Naquela época terminávamos as aulas em novembro e só começávamos o ano letivo em março. No ônibus, refazendo o caminho em sentido oposto, lembro da sensação gostosa que sentia. Saudade grande. Queria andar pela rua arborizada, dormir na cama em que estava acostumado, rever os amigos, botar minha irmã pequena no colo, conversar com meus pais. A ansiedade que sentia era companheira ingrata. Sabia, porém, que por mais tempo que demorasse na estrada, por mais calor que sentisse, em breve chegaria ao meu destino. A impaciência juvenil, em nenhum momento, conseguia ofuscar a felicidade daquela viagem. Era bom voltar para casa.
Meu pai atendeu respondendo aos nossos apelos insistentes. Só de farra esquecêramos os dedos na campainha da porta, prolongando o chamado para nós festivo. Anunciávamos brincalhões nosso retorno. Pulei nos braços dele. O abraço que demos foi tão apertado que senti o acelerar dos dois corações disparados, atropelando-se colados, o meu e o dele. Jamais esqueci aquele reencontro. Com os olhos úmidos o velho declarou a falta que sentiu de mim. Beijou-me com carinho. Pude perceber o quanto eu era importante e querido. A magia daquele momento ainda é capaz de me comover, tantos anos depois. Me dá forças até hoje.
Amanhã, dia de Finados, tentarei não chorar.

terça-feira, outubro 31, 2006

To Call To Mind

Quem gosta de política tem que saber perder. Ontem, segunda-feira, foi um dia triste para mim. Relembrei outro dia doído, em 1985, quando Jânio Quadros venceu Fernando Henrique Cardoso, tornando-se prefeito de São Paulo. Senti mais ou menos a mesma coisa com a segunda eleição de Lula para presidente.
E foi exatamente ao analisar essas duas dores tão próximas, que percebi o quanto Jânio e Lula são parecidos. O populismo tem várias faces.
Jânio chegava ao coração dos mais simples de um jeito particular. Não era simpático. Austero, tresloucado, arrogante, fazia-se respeitar via temor reverencial. Intimidava através da erudição. Era o pai severo, capaz de punir, multar. Fazia e acontecia. Fazia, aliás, por querer fazer. Não dava satisfações. Lembram de: fi-lo porque qui-lo? Dava bem idéia de sua independência ditatorial. Não vem ao caso a correção gramatical da frase que deveria ser: fi-lo porque quis. O que interessa é perceber a grande autoridade que lhe davam os humildes. Um cheque em branco para os maiores desmandos. O povo acreditava piamente, achava que ele, com sua vassoura, qual um bruxo, varreria toda a corrupção para longe.
Lula é parecido, pelo lado esquerdo. A outra face da mesma moeda. O pai carinhoso que conhece o povo como a um filho. Faz-se respeitar através de sua história, e de um passado distante que há muito abandonou. Quando convém é o ex-retirante, o sertanejo, o ex-operário. Se um faz por que quer, o pernambucano faz melhor. Nenhum outro nesse país está mais interessado em acertar, nem tem mais capacidade, ninguém, desde que o país foi descoberto, teve mais boa vontade. Para aproximar-se dos menos favorecidos fala errado, muitas vezes, propositalmente. Usa o futebol, paixão popular, como simbologia sempre ao alcance das mais toscas comparações. A corrupção passa ao largo dele, nem precisa de vassoura, mente que não sabia, entrega os amigos e tudo bem, a maioria acredita.
A dificuldade que ambos têm ou tiveram com a imprensa é outro ponto de encontro. Os líderes populistas detestam ser contestados, impacientam-se quando questionados, são os donos da verdade. Tornam-se cada vez mais vaidosos, cheios de caretas. É só olhar o Lula de agora.
A História não trata bem os populistas. Há pouco charme nessa forma de exercício do poder que mistura plebeísmo, autoritarismo e dominação carismática. Representantes maiores dessa corrente, à esquerda e à direita, como: Vargas, Perón, Lázaro Cárdenas, Adhemar de Barros e Paulo Maluf, tendem a cair no esquecimento. Ouve-se cada vez menos falar de Jânio. Qual será o futuro óbvio de Lula?

sexta-feira, outubro 27, 2006

Hier Encore

Recebo mensagem eletrônica com uma canção de Aznavour anexada. Nada mais romântico. Ponho os fones de ouvido e ouço imediatamente. Covardia. Em pouco tempo estou todo arrepiado, as lágrimas querendo pular, emocionadíssimo. Saudade dos meu vinte anos.
Ainda ontem jovem.
Ainda ontem belo.
Ainda ontem eu.
Ainda ontem nós.
Ainda ontem mãe.
Ainda ontem pai.
Ainda ontem bom.
Ainda ontem forte.
Ainda ontem paz.
Ainda ontem só.
Ainda ontem mel.
Ainda ontem sono.
Ainda ontem vó.
Ainda ontem beijo.
Ainda ontem pão.
Ainda ontem festa.
Ainda ontem sim.
Ainda ontem mano.
Ainda ontem sóbrio.
Ainda ontem não.
Ainda ontem show.
Ainda ontem mana.
Ainda ontem noite.
Ainda ontem canto.
Ainda ontem jogo.
Ainda ontem riso.
Ainda ontem muito.
Ainda ontem pouco.
Ainda ontem ontem.
Ainda ontem hoje.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Football

Eu era menino e passava férias em Itanhaém na época da Copa do Mundo da Inglaterra. Ganháramos o primeiro jogo contra a Bulgária por dois a zero, gols de Pelé e Garrincha. Depois demos vexame perdendo para a Hungria. Chegamos ao último jogo da fase eliminatória precisando vencer.
Lembro bem do dia 19 de julho de 1966. Grudado no radinho de pilha imaginava as jogadas daquele jogo difícil. Fiori Gigliotti insistia: O Tempo passa torcida brasileira! Portugal nos dava um suadouro e o zaqueiro Vicente derrubava o Rei sempre que ele tocava na bola. Através do locutor sentíamos a revolta que a violência desperta. Jamais um jogador apanhara tanto. Naquela época não havia substituições. Caçado em campo, Pelé chegou ao segundo tempo mancando, mal conseguindo andar, sem a menor condição. Torcedor fanático do Santos, eu não conseguia entender por que não colocavam o Edu, jogador de dezesseis anos, o mais jovem convocado, craquíssimo do meu time. Feola, meio perdido, escalara o Paraná, ponta-esquerda do São Paulo.
Aquela seria a Copa do Eusébio, que fez dois na partida. Junto com outras feras lusas como: José Augusto, Torres, Jaime Graça e Coluna, acabaram ganhando o jogo, por três a um, com Simões marcando mais um e Rildo fazendo o nosso, de honra. E assim acabou-se a história, fomos despachados para casa.
Poucas vezes uma derrota me doeu tanto. Aos doze anos, ainda não tinha estrutura para agüentar aquela frustração. Chorei muito, inconsolável. Minha tia, impressionada com o descontrole de emoção que via, colocou a mão em minha testa. Percebeu que eu estava com febre, alta. Fui para cama tiritando, infeliz.
Depois vieram outras derrotas. A tragédia de Sarriá em 1982 também foi sofrida. O empate que deu o campeonato ao Botafogo em 1995, com o Marcio Rezende de Freitas roubando o meu Peixe, foi dificílimo de engolir. Nada, porém, me feriu tanto como a Copa de 1966. Foi a primeira vez que chorei por causa do futebol.

quarta-feira, outubro 25, 2006

Wishes Of The Electorate

Nada mais conservador que o eleitorado. Ninguém segue mais as leis da inércia que o povo votando. Deixam como está para ver como é que fica. A vontade de ser enganado é explícita. O eleitor, de preferência, quer ser ludibriado, gosta disso.
O jogo está jogado. Aparentemente, salvo algum milagre, o Lula será reeleito. Defendeu-se, mentindo, das seríssimas acusações que pesam sobre seu governo. Para ele, o que se vê é fruto das investigações. Quem ouve de maneira incauta, a maioria, esquece-se do papel relevante da imprensa e da oposição tanto na apuração, como na divulgação dos fatos. Nada teria aparecido sem esse esforço dos setores extragoverno.
O candidato Alckmin e seus aliados também erraram. Aceitaram a campanha contra as privatizações, acuados. Não souberam tornar o assunto indigesto para Lula, e poderia ser devastador. É só pegar o caso da Vale. Tornou-se ontem a segunda maior empresa de mineração do mundo. Os acionistas, felizes, viram seu patrimônio valorizar-se da noite para o dia. Nada disso ocorreria se a companhia ainda fosse estatal. O Brasil, para poder crescer, precisa investir no exterior, tanto quanto investem aqui.
O que quer o eleitorado? Pouco. Como disse no início, que as coisas não mudem. Gostam do Lula mentindo, dizendo suas frases feitas, vestindo os mais variados bonés, citando os conselhos da mãe.
De minha parte sou mais exigente. Espero um terceiro turno. Desejo continuidade nas apurações. Sem acordos. Os culpados punidos doa em quem doer. Quero a perda de mandatos. Que a ética deixe de ser retórica.

terça-feira, outubro 24, 2006

Didn't Read But I Like It

Nunca li Paulo Coelho nem pretendo ler. Recentemente, em deliciosa entrevista dada ao jornal curitibano Rascunho, José Mindlin declarou que tinha lido, para poder falar mal. Afirmou discordar da famosa frase de Oswald de Andrade: "Não li e não gostei". Para o mais novo membro da Academia Brasileira de Letras a crítica tem que ser fundamentada. Não poderia esperar nada diferente de alguém tão sério e erudito.
Gostaria, porém, de avançar um pouco nessa análise. Além das duas primeiras posições existe uma terceira: "Não li Paulo Coelho mas gostei".
É importante que exista um autor brasileiro capaz de atrair tantos leitores. Talvez seja excesso de otimismo, mas acredito que o hábito da leitura pode ser adqüirido por caminhos tortos. Muita gente começou lendo o Mago e migrou, depois, para autores de melhor qualidade. É sempre preferível ler do que não ler. Assim, mesmo que o escritor em questão padeça da falta de maiores méritos literários, estará contribuindo para a formação de alguém. Quem sabe amanhã, ao ler outras obras, o fã de primeira hora de O Alquimista consiga evoluir? Nesse sentido é que avalio que aqueles que atraem grande público têm importância. Ao caírem no gosto popular, ou por serem fáceis, ou por descobrirem algum tipo de fórmula, possibilitam um mundo novo que seus leitores não teriam. Ampliam universos.
É por isso que admiro tanto J. R. Rowling. Muitas crianças nunca teriam aberto um livro na vida se não fosse o Harry Potter. Nem interessa analisar se a obra é boa ou ruim. O benefício já foi feito.

segunda-feira, outubro 23, 2006

Paradise

O escritor argentino Jorge Luís Borges declarou certa feita, que a idéia que fazia de paraíso se aproximava bastante de algum tipo de biblioteca. Jamais esqueci essa comparação por considerá-la uma das mais bonitas declarações de amor aos livros que já ouvi.
Fico imaginando a expectativa de nosso presidente. É claro que seria completamente diferente. O digníssimo declarou recentemente que não gostava de ler. Mais um grande exemplo que deu aos nossos jovens. Acredito que a última obra que teve em mãos, embora sem conseguir dar conta dela inteira, tenha sido Caminho Suave. Qual seria então a idéia de paraíso para o Lula? Como seria o lugar para onde iria caso se comportasse direitinho? Difícil de imaginar.
Um sujeito que tem um churrasqueiro particular deve gostar muito de carne. Talvez o lugar ideal para ele fosse uma grande grelha escaldante. Maminha, lingüiça, picanha, frango, coração, fraldinha, tudo queimando sobre o carvão. Aquele calorzinho agradável, o cheirinho inebriante das carnes assando, cerveja descendo redonda. E pagode, jamais faltaria pagode. Tudo de muito bom gosto.
Já sei. Vocês querem que eu diga qual seria o meu paraíso. Em que lugar a felicidade seria para mim completa? Fácil! Algum tipo de Brasil sem o Lula.

sexta-feira, outubro 20, 2006

Little Old Lady From Pinheiros

Vocês lembram da Velhinha de Taubaté? Era uma deliciosa personagem que o Luis Fernando Veríssimo criou, a última criatura no Brasil que acreditava. Defendia o governo, as instituições e até os ministros da área econômica.
Existe em São Paulo, no bairro de Pinheiros, uma senhora que é o reverso dessa personagem de ficção. Sofreu um desgosto profundo quando o Lula venceu as eleições, batendo o José Serra, e ganhou o primeiro mandato para presidente. Discrê do governo atual por definição. É contra o PT, com tamanho fervor, que poucos se arriscam a contestá-la. Não é agradável discutir com a distinta. A exaltação com que defende suas verdades é tamanha que teme-se por sua saúde. Grita, espuma, arregala os olhos, argumenta em tom tão exarcebado que assusta sempre o oponente. Gente famosa nesse terreno, lutadoras profissionais como Heloísa Helena, Ideli Salvatti ou Zulaiê Cobra, são criancinhas perto dela, não teriam a menor chance.
Pois bem, nossa Velhinha de Pinheiros anda desesperada. Emagreceu, vive suspirando pelos cantos, dorme pouco, a imagem perfeita do desgosto estampada no rosto. Não consegue aceitar a idéia de que "aquele idiota do Lula" possa vencer o Geraldinho. Botou para fora de casa, aos berros, pedindo para que sumisse e não pisasse mais o chão de sua sala, um filho que ousou confessar que anularia o voto. E, pouco depois, comentando o ocorrido com outro filho pelo telefone, afirmou que não admitia que gente de sua família votasse errado, contra ela. Dava pena ouví-la.
Outro dia entregou os pontos. Tomada por uma crise aguda de pessimismo lamentou-se muito. Reclamou, para meu espanto, já que faz muito tempo que é viúva, a ausência do falecido marido. Disse que era triste acompanhar o resultado das eleições sem a companhia dele. Teriam chorado juntos a derrota do Guilherme Afif Domingos e a reeleição "da múmia do Suplicy". Contou que quando o Jânio ganhou do Fernando Henrique, tinham pegado o carro e viajado a noite inteira em direção ao Rio de Janeiro. Ficaram um tempo lá até que a raiva de São Paulo passasse. Pediu-me, com a voz pouco firme, que a ajudasse. Não viveria mais no Brasil caso "o idiota do Lula" vencesse, o que parecia bastante provável. Queria se mudar para Montevideo. Eu, "craque nessas maluquices da Internet", deveria fazer o obséquio de procurar estadia para ela no estrangeiro. "O idota do Lula cá e eu lá", afirmou, "longe dessa terra".
Estou, nesse momento, pesquisando. O país é tão perto e o câmbio tão vantajoso, que morro de inveja da Velhinha de Pinheiros. Adoraria poder fujir junto com ela. Esquecer esse " idiota do Lula" aqui, mentindo à vontade.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Privatization

Agora só falta o Lula, o presidente que fez o governo mais sem ética que esse país já teve, repetir o Zagalo: Vocês vão ter que me engolir! Parece que sim, embora não tenha ainda perdido as esperanças. Otimista que sou, tenho sempre a saudável impressão de que no final, os eleitores acabarão por decidir contra a corrupção, o dinheiro na cueca, os mensalinhos e os mensalões. Agora precisamos distingüir. Mensalinho é aquele que o Roberto Jeferson denunciou. Mensalão é o que se pagou ao Blairo Maggi, em troca de apoio político.
E o demônio da vez parece ser a privatização. O Grande Mentiroso resolveu faturar uns votinhos atacando o que foi privatizado e decidindo, por ele mesmo, que mais empresas seriam passadas nos cobres caso optássemos pela candidatura tucana.
Embora, pessoalmente, seja totalmente favorável ao Estado fora do controle da maioria das empresas, tenho certeza que a Petrobrás não seria vendida. De resto faturava tudo. Não vejo porque banco e correio, por exemplo, tenham que ser estatais. Só se for pra desviar dinheiro, nomear diretor em troca de apoio, conseguir emprego para a família, esses tipos de práticas tão comuns no mundo petista.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Letter to Arnaldo Jabor

Caro Jabor,
Li seu artigo do Estadão ontem e a lucidez dele me tirou o sono. Fiquei rolando na cama de madrugada. Morto de inveja, como sempre, por não ter sido eu quem escreveu o texto. Freqüentemente suas palavras me deixam nesse estado lamentável.
As manchetes de hoje parecem apontar para uma decisão do jogo. Falam que a não ser que aconteça um fato extraordinário, o Lula estará eleito. Como se já não existissem escândalos suficientes. A maioria, porém, parece não se importar com eles. Viramos um país onde a ética vale muito pouco.
Sem a paciência e erudição que parecem ser qualidades que lhe sobram, minha análise torna-se mais pobre, simples e direta. Um presidente que teve seis ministros envolvidos em toda sorte de crimes, não mereceria ser reeleito. Foi o que me disse, aliás, amiga cidadã britânica. No país dela Lula e seus companheiros estariam fadados ao esquecimento. Onde há educação as questões relacionadas com a livre interpretação da lei, tirar proveito dos cargos, e má condução da coisa pública, são levadas a sério. Os culpados são punidos e o povão os esquece.
Aqui é diferente, não é mesmo? Até porque, como você bem analisou, não é só uma questão de educação, tem muita gente instruída defendendo o lulismo. Intelectuais e artistas, que aprendemos a admirar, parecem fazer um exercício todo especial de raciocínio para perdoar tudo o que ocorreu. O Lula herdou o "rouba mas faz" do Maluf e a esquerda incorporou essa máxima como virtude. Não que achem que o presidente tenha roubado, sabem que ele não sabia de nada, têm certeza disso. Quando pressionados, na linha do "sou, mas quem não é?", escapam dizendo que o outro lado também fez, ou fará. Tudo em nome dos rótulos, não gostam deles só nas garrafas. O Lula, por definição, é de esquerda. Precisa ser defendido, é da nossa turma.
E rolando feito pirulito na cama, tentando encontrar maneiras de conciliar o sono, procurei aventar a possibilidade de estarmos errados. Seria ótimo. Sei que você registrou seu artigo para provar mais tarde sua previsão, desculpe-me. Mas já imaginou? O Chico, o Gil, o Cândido, o Betti, a Chauí, esses caras são feras. Será que eles arriscariam seus nomes e passados em nome de um conceito errado? Tem professor nesse grupo, caras que ensinam. Será que serviriam a propósitos diferentes do que mandam as suas consciências? Ou será que a fama é tanta e a memória do povo tão curta que tanto faz? Todos já têm a vida ganha, não é mesmo?

segunda-feira, outubro 16, 2006

Questions

Recebi as questões abaixo em meu e-mail. Vou tentar respondê-las. Faz de conta que sou o Alckmin.


ATIRE A PRIMEIRA PEDRA !
Será que o Jornal Nacional teria coragem de fazer estas perguntas ao Alckmin no Domingo?

Se esta mensagem circular de maneira vigorosa, o Jornal Nacional vai ter que enfrentar o Alckmin e perguntar aquilo que todos nós queremos saber.

Queremos que Bonner e Fátima façam as perguntas ao Alckmin.

1) O senhor que promete um banho de ética, não percebeu que sua filha trabalhava com a maior quadrilha de contrabandistas de roupas, a Daslú?

Quando se trabalha em uma empresa, se é funcionário de uma organização, é difícil saber o que acontece na administração dela. Tenho um amigo que trabalhou vinte e seis anos em um banco. Seria culpado pelas falcatruas, caso existissem, feitas por alto executivos do lugar que lhe pagava o salário? Minha filha era vendedora de roupas.

2) O Senhor não percebeu que sua esposa recebeu 400 vestidos de luxo, em troca sabe-se lá de que, e depois, sem jeito, ela declarou que havia doado para instituições de caridade, o que foi negado pela instituição?

Houve realmente a doação. Em troca de nada, absolutamente nada.


3) O senhor ao assumir o segundo mandato, afirmava que a segurança pública era o maior problema do Estado. Porque menosprezou o PCC, e permitiu que a população vivesse dias de pânico com os ataques?

A segurança continua sendo um dos maiores problemas do Estado. O PCC, como outros grupos criminosos: Comando Vermelho e Amigos dos Amigos, só para citar mais dois, nasceu e se desenvolveu em condições muito especiais. A falta de perspectivas sociais, as drogas e a ausência de justiça efetiva, tem levado os jovens à completa marginalização. É um problema sério e muito amplo que deveria ser abordado, discutido, pensado, em âmbito nacional, até mesmo por não se limitar só a São Paulo ou ao Rio de Janeiro. Outras grandes cidades também sofrem dessa mesma incapacidade de lidar com a criminalidade. A solução passa por um planejamento amplo que envolve: educação, emprego, fiscalização das fronteiras, legislação mais eficaz, presídios mais justos e eficientes. Temos aqui um problema para ser atacado no país como um todo.


4) O que o senhor acha a respeito dos secretários do seu Governo negociarem com bandidos durante os ataques?

Nada contra se for em nome da solução dos problemas. Para usar uma frase que a mãe do Lula certamente usaria: "Melhor prevenir, do que remediar".

5) Enquanto Governador, por que a bancada de seu partido não permitiu a criação de nenhuma CPI, o senhor não acha que as CPIS são importantes?

As CPIS são importantes. É também importante e usual, em grande parte das democracias, que os governos que fazem a maioria de suas Câmaras usem essa força para governar. Sem essa habilidade política é muito difícil que os governos obtenham sucesso. O governante precisa de tranqüilidade para governar. O Lula também barrou as CPIS que conseguiu barrar. Não barrou mais por ter tido dificuldade em compor maioria, houve aqui uma dificuldade política muito grande. Agora quando for crime, quando for importante, tem que ter CPI, tem que investigar. Sou favorável.

6) Por que o senhor e seu partido privatizaram todas as empresas estatais de São Paulo, como as estradas, que cobram pedágios astronômicos, com as empresas elétricas, o Banespa... Se assumir a presidência o senhor vai rivatizar a Petrobrás como FHC fez com a Vale do Rio Doce, e até hoje ninguém sabe onde foi parar o dinheiro?

Recentemente houve uma pesquisa que mostrou que as estradas de São Paulo são as melhores do país. Antes do governo FHC telefone era um artigo de luxo, alguns ricos viviam da negociação de linhas. Hoje existem celulares até nas favelas. O progresso foi enorme e muito rápido. Não há necessidade de se privatizar a Petrobrás. A privatização da Vale do Rio Doce foi um caso de sucesso. Aliás, se todas essas empresas privatizadas fossem o problema que alegam ter sido, creio que teriam sido reestatizadas pelo governo Lula.

7) Se o senhor for Presidente, vai invadir a Bolívia com o exército e se alinhar aos EUA, liderando a política de opressão aos povos da AL?

Não. Mas serei firme com contratos assinados. Contrato assinado tem que ser respeitado por todo mundo, inclusive por governos. Negociamos muito mal essa questão.

8) Por que o senhor gastava tanto dinheiro com publicidade numa revista insignificante, que por coincidência era de seu acupunturista?

Nada se provou sobre isso. Aliás, isso de se gastar dinheiro com publicidade sempre me lembra o Gushiken.

9) Por que o senhor superfatura o pagamento para os empresários que exploram os restaurantes de comida a R$ 1,00, pagar mais R$ 3,50 por prato para o dono do restaurante, que tem uma clientela garantida de mais de 1.000 refeições por dia, além de algumas benesses do Estado, não é um assalto ao bolso do contribuinte?

Engraçado que uma iniciativa que fornece refeições de boa qualidade, baratas, à população carente, seja criticada. Certamente seria aplaudida se fosse iniciativa do Lula. Não existe superfaturamento.

10) O senhor que fala tanto em choque de gestão, por que está deixando um rombo de 1 bilhão e duzentos mil no estado de São Paulo, que pode levar seu vice, Cláudio Lembo, para a cadeia? Ainda neste tema, o que o senhor achou da declaração do recém eleito José Serra, dizendo que vai cancelar a privatização da Nossa Caixa, iniciada na surdina pelo senhor durante seu governo?

De onde vocês tiraram esse rombo? O Claúdio Lembo, para alegria dele, logo estará entre os seus livros. Não ouvi o José Serra dizer isso, mas se disse está certo. Eu também cancelaria.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Stark Naked

Vocês devem estar impressionados com a quantidade de assuntos que encontro sempre que tomo café da manhã na padaria. Talvez por ser ainda cedo, momento que me é mais favorável, quando estou sempre atento e receptivo a qualquer tipo de informação. No início do dia sinto-me mais inteligente, o raciocínio livre. Fico bem humorado e pronto para o que vier.
Hoje, quando chegamos para o nosso desejum, na hora de escolhermos a mesa, minha mulher reparou que um ex-jogador de futebol famoso estava lá, isolado em um canto mais escondido. Idolatrado também devido à sua beleza ainda jovem, embora avô, era alvo de olhares enternecidos do mulherio. Quando a garçonete, nossa velha conhecida, veio nos servir, comentou sobre o quanto ele era bonito. Concordei tranqüilamente, já que não tenho acanhamento com esse tipo de reconhecimento que não afeta minha masculinidade. Aproveitei para, provocando a moça, afirmar que ela não vira nada, já que eu já tinha tido a oportunidade de enxergá-lo nu, em pêlo. Ante o olhar incrédulo que recebi, apressei-me em explicar que no vestiário do clube que freqüento, depois de uma partida de tênis, tomando banho.
A média veio quente como sempre, o pão torradinho, delicioso. Nada como começar uma jornada estando bem disposto. Então uma outra servente se aproximou, com um sorriso no canto dos lábios, querendo saber onde era o clube. Acabamos todos rindo, dirigindo olhares furtivos ao craque. Não deve ser fácil ser estrela.

terça-feira, outubro 03, 2006

He Had a Narrow Escape Today

Sempre que um avião cai, ouvimos histórias sobre alguém que desistiu de voar no último instante, ou foi impedido de embarcar por algum motivo. Os comentários, invariavelmente, falam a respeito da sorte do fulano. O povão, sabiamente ingênuo, prefere repetir que ainda não tinha chegado a hora dele. Parece ser senso comum que existe um momento, previamente determinado, para que passemos dessa para outra, rotineiramente chamada de melhor. Agora não foi diferente. A televisão chegou a exagerar, descobrindo quem esteve em duas ocasiões nessa mesma situação e sobreviveu. Não adianta, quando não está escrito no destino, não há o que consiga causar dano, dizem.
No caso em questão temos mais um argumento a favor da tese. Um avião grande, enorme, choca-se contra um pequenino jato. Autêntico caso de David contra Golias. O maior despenca lá de cima, morrem todos os passageiros e tripulantes. O menor recupera-se, consegue estabilizar-se, descobre uma pista de pouso no meio da mata e aterriza. Sete sobreviventes. Mais uma vez a questão àcima. Não há registro de quem tenha sobrevivido a um choque aéreo entre aviões. A lógica não é clemente com dois corpos que se chocam a oitocentos quilômetros por hora cada, frontalmente, no ar. Desengana todos. Não era o dia dos americanos.
Difícil analisar essas questões de sorte e azar. Esforço-me bastante para não pensar nelas, desacreditando o mais que posso. Preferiria poder dizer que não existem, até por serem conceitos totalmente desvinculados da justiça. Não há justiça na sorte, nada mais injusto que o azar. Se realmente for uma questão temporal, se estivermos no local, naquele momento, por ter chegado nossa hora, que parem todos os relógios.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Elections

Domingo estaremos votando. Falei pouco nesse blog sobre eleições. Não considero o espaço local apropriado para propaganda eleitoral, por isso procurei estar distante do assunto.
O voto nulo merece especial atenção de minha parte nesses poucos dias que antecedem o pleito. Cada eleição tem particularidades diferentes, agora não seria diferente. Votar nulo tem muito pouco da conotação de protesto que se pretende dar. Tanto pela característica especial da escolha feita eletronicamente, como pelo fato de ajudar, no final das contas, o candidato que estiver na frente, ao reduzir a quantidade de votos válidos.
Antigamente, quando o voto era de papel, anulava-se com mais propriedade. As pessoas votavam no Guevara, no rinoceronte Cacareco, escreviam palavrões, reclamavam de alguma coisa, mostravam a indignação por escrito. Mais tarde os jornais comentavam, informavam quem tinha sido mais votado ao se inutilizar a cédula, faziam interessante análise sobre aquele processo de rejeição pelo povo. Agora o anulamento é apenas um sinal eletrônico, um número a mais na estatística. Pode significar tanto inabilidade na hora da escolha, como a pretendida revolta com o estato das coisas. Merece, porém, uma análise mais profunda.
Existem, hoje em dia, inúmeras maneiras de se protestar. Escrever em blogs, fundar comunidades na Internet, fantasiar-se, enviar mensagens, tudo isso funciona melhor e mais rápido.
As eleições em dois turnos, em qualquer lugar do mundo onde são adotadas, caracterizam-se por um mandato, um plebiscito no meio, e um segundo mandato ou não. Tudo muito simples e morno. É como deveria ser por aqui, se as circunstâncias do primeiro mandato não fossem tão negativas. De qualquer maneira é o que acabará sendo. O povo dirá sim ou não à continuidade.
O que acho mais estranho, é que os que prometem anular o voto, enojados com tudo o que aconteceu, com toda a razão por sinal, esquecem desse importante detalhe. No fundo temos apenas um plebiscito. Ou damos aval à continuidade, ou não. O voto nulo, pelas especiais circunstâncias, equivale a um sim, a um novo mandato. No final das contas, votar no atual presidente ou anular o voto, é a mesma coisa.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Driving Me Mad!

Encontro logo pela manhã um colega que trabalha comigo. Vem cabisbaixo, andar vacilante, parece estar triste. Pergunto o que há. Diz que não tem nada, já fez todos os exames possíveis, o médico diagnosticou stress. Respiro fundo. O ar também me falta.
Difícil viver nesse mundo que se transforma para pior. Aparentemente os valores, tudo o que era importante, está deixando de ser.
Roubar passou a ser normal. Princípios éticos, que nos permitiam decidir sobre o caráter das pessoas, tornaram-se detalhes pequenos. Ninguém deixa de gostar, valorizar, dar-se com alguém, só por que o fulano tem conduta inadeqüada, bobagem. Dos humildes ao presidente tudo é permitido. Justificamos qualquer ato, há sempre explicação plausível.
Se alguém fala ou escreve alguma coisa que ofende, foi mal interpretado, que se queixe ao papa. O namoro de celebridades na praia vira escândalo, invadimos privacidades sem o menor pudor. Abrimos fronteiras à concorrência desleal. Produtos industrializados são vendidos ridiculamente baratos, serviços de tecnologia são importados. Terceirizamos, quateirizamos, danem-se as empresas, os empregados, o acionista é quem manda. Crescem os planos de demissões voluntárias.
Brincamos com os sentimentos das pessoas e dos animais. Inventamos gatos antialérgicos, braços mecânicos ligados ao cérebro, transplantamos rostos, consumimos pílulas diversas. Fabricamos milagres em série, quase deuses. Divinamente loucos e infelizes.

terça-feira, setembro 19, 2006

Talking About Politics

Outro dia falei sobre a dificuldade em se escrever sobre alguns temas. O exemplo que dei foi amor. Nada do que se fale à respeito será novidade, quase tudo já foi dito, o que faz do assunto um risco permanente para quem se aventurar nele. Fatalmente estará fadado à repetição, dificilmente conseguirá ter o mérito da originalidade, reexibirá certamente velhas fórmulas.
Tenho tentado ficar de fora dos papos políticos por causa disso. Em vésperas de eleições ouve-se de tudo o tempo todo. As pessoas comentam, discutem, exaltam-se, sempre convictas da melhor opção. E são tantos os argumentos, tão amplas as justificativas escritas e faladas, que sobra muito pouco espaço para quem quiser participar desse delírio opiniático. Preferi, até agora, meio agastado, ausentar-me desse processo.
Desisto de me abster, porém, prometendo ser breve. Apenas para não deixar em branco o momento, nem o voto.
Tenho andado meio ressabiado. Darão novo mandato ao Lula, ao que tudo indica. Nada mais fora de propósito, injusto, descabido. Self-punishment. Um erro que se repetirá, castigando-nos por mais quatro anos. Auto-agressão. Embora seja otimista e não tenha ainda perdido a esperança, arrepio-me com essa possibilidade cada dia mais provável. Difícil ficar do lado do povo.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Stone-Blind

Ainda não tinha tentado pegar o metrô naquele horário. Quando cheguei na plataforma assustei-me com a quantidade de pessoas. Um certo sentimento claustrofóbico, que me invade nessas ocasiões, me fez relutar. Diminuí a velocidade dos passos, imagininando-me num daqueles vagões, transportado feito carga, apertado, abafado, suando. Antevi, infeliz, o mergulhar na escuridão dos túneis. Diabo!
Resolvi criar coragem. Pouco tempo disponível, acabaria me atrasando. Respirei fundo e entrei na fila. Aproximou-se uma senhora gorda, quadris enormes, tateando com uma bengala, completamente cega. Como acontece sempre, imediatamente, encontrou ajuda. Uma outra mulher, mais jovem, ofereceu-lhe o braço. Passaporte para o céu, pensei. Ficaram paradas, espremidas atrás de mim. Quando chegou o trem, em poucos segundos, fomos arrastados para dentro do carro mais próximo, sem nenhum esforço, submetidos à vontade da turba atrás de nós. E assim partimos.
- Qual o número da porta? - perguntou a deficiente visual.
- Como assim? - murmurou a santa.
- A porta, qual o número dela? - gritou a gordona.
Incrível como falava alto. Ante o inusitado da pergunta, fez-se um silêncio constrangedor. A acompanhante tentou outra vez, educada:
- Não entendi, não existe nenhum número.
Brandindo a bengala, irritada, olhos vazios parados, repetiu:
- Como você é capaz de não saber o número da porta? Não contou?
A outra, no mesmo tom, franzindo o cenho, respondeu:
- Para quê? Existem muitos vagões, muitas portas...
- Hora, para saber onde está, para enxergar onde ir, você parece boba!
Cada vez mais irritada, e menos santa, a mulher se transformou:
- Não sou boba, nem cega, não preciso contar as portas para saber onde descer.
Não se ouvia um pio no vagão.
- Não é cega, mas parece! - cuspiu a senhora, chacoalhando a bengala.
A outra, que era do bem, tentou se afastar, retirando o braço, não havia, porém, espaço. Seguiram juntas na estação final, no meio da multidão.

terça-feira, setembro 12, 2006

Sustentability

Confesso a minha dificuldade com algumas palavras. É incrível a facilidade com que certos termos são adotados e, rapidamente, repetidos diariamente por todo mundo. A moda investindo na linguagem, sem cerimônia. Não fosse esse evidente esforço em parecer moderno, mais do que entender os conceitos emergentes, até que aceitaria de bom grado. Nada contra. O idioma é um organismo vivo e dinâmico. Incorpora excentricidades, atualiza-se, sempre criativo na tarefa de acompanhar o que é novo.
Há algum tempo venho reparando no uso que se dá ao termo sustentabilidade. Na ânsia de saírem bonito na foto, pessoas e empresas declaram-se comprometidas com essa filosofia. São porque são, completamente ignorantes do que afirmam ser, cegos no que tange ao real significado do discurso. Misturam sustentabilidade com desenvolvimento sustentável. Confundem sustentabilidade com sustentabilidade ecológica, alegremente superficiais.
Se não estivesse, na minha opinião, frente a frente com um conceito tão importante e bonito, deixaria barato. Estamos falando em prover o melhor para as pessoas e para o ambiente hoje, e no futuro indefinido, com a preocupação voltada para a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana. Temos portanto um conceito sistêmico que precisa ser compreendido e nunca banalizado. Será que as companhias que se declaram pela sustentabilidade defendem empreendimentos: ecologicamente corretos, economicamente viáveis, socialmente justos e culturalmente aceitos? Duvido.