Hoje saí de casa um pouco mais tarde, uma gripe forte afastou-me da academia, deixei de fazer meus exercícios. Dia de rodízio do carro, resolvi subir a rua Teodoro Sampaio à pé, até o metrô Clínicas. Deveria fazer isso mais vezes. É gostoso caminhar calmamente, observando as pessoas, o movimento, sentindo o frescor matinal no rosto.
Evito andar de ônibus. Embora goste muito das pessoas, sinta necessidade de observá-las, ouvir o que dizem, não me sinto bem trancado em aglomerados humanos. Rejeito o contato físico com estranhos, prefiro que evitem encostar em mim, me empurrem, pisem em meus pés. Com muito pouco sinto-me desrespeitado e perco a paciência. Como passou o tempo em que resolvia as coisas no grito, dizendo e ouvindo desaforos, procuro encontrar caminhos alternativos, onde a amplidão dos espaços preserve meu equilíbrio interior. Nesse sentido, andar me faz bem.
Curtos momentos de solidão, passos lentos, observo o mundo com curiosidade. A cidade acordando ao meu redor.
Dentro da padaria, café da manhã sendo providenciado, penso em como é importante um bom atendimento. Minha aproximação do balcão pareceu-me ser vista como intrusão. O olhar sonolento de condescendência da atendente é triste. Sinto a ausência do calor de um sorriso. Mecanicamente ela entrega, em câmera lenta, o pedido feito. Reparo na reforma que acabaram de fazer no ambiente. Tudo claro, recém pintado, espaços melhor aproveitados, televisão de plasma ligada. Frio, apesar. Como, ligeiro, meu pão com manteiga, bebo o café com leite. Vou embora calado, sem me despedir.
Retomo a ladeira. Em um ponto de ônibus, corpulenta loira aguarda condução. Encostada na parede de uma loja que ainda não abriu, volumosa barriga esparramando-se para fora da cintura das calças, ostenta um reluzente piercing vermelho no umbigo, combinando com a cor do batom. Pensa que o olhar que lhe dirijo é de aprovação. Traga a fumaça do cigarro com prazer.
Pouco adiante, a jovem caminhando à minha frente tropeça e cai de bruços. O susto faz com que demore um pouco a me aproximar. Pergunto sobre seu estado. Noto, com certo desconforto, que a mulher entrou em pânico. Reclama da dor que sente no joelho, chora, quer saber o que será de sua vida. Procuro alcalmá-la, eu próprio sem certeza do que fazer. Ela pede que a ajude a levantar-se. Pondero que se lesionou a perna, o esforço poderia ser pior, pergunto se não quer que chame o resgate. O desespero cresce ainda mais. Trantornada, insiste para que a levante. Sem outra alternativa, obedeço. Seguro-a pelos braços e ponho-a erecta. Ela firma os pés no chão, testa as condições do apoio, sorri, revela que dói menos do que imaginava, agradece, vai embora. Fico um tempo parado, acompanhando a travessia que ela faz da rua, pensando.
É quando um vulto passa em velocidade por mim. Deixa um odor acre no ar. Dirige-se rápido ao orelhão, saco de plástico preto debaixo do braço, e arranca violentamente o aparelho telefônico preso pela espiral metálica. Arremessa-o com força na cúpula arredondada, produzindo um forte estrondo. Grita um palavrão, olha para os lados enfurecido, louco, e continua correndo, mendigo.
Aproximo-me da entrada do metrô. Passo por todos os que dirigem-se ao hospital público. Velhos, crinças, adultos cansados, jovens médicos em aventais brancos, estetoscópios pendurados nos pescoços. Caminham apressados em direção aos seus compromissos. Giro a catraca, aguardo o trem na plataforma. Uma ternura enorme me invade. Gosto de gente.