sexta-feira, dezembro 21, 2007

Brainwork

Outro dia, conversando com a amiga Denise Rangel, do Sturm and Drang, falamos brevemente sobre questão que me fascina há tempos. Haveria inspiração quando escrevemos, estaríamos submissos à ela?
Não conseguimos levar a conversa até o fim, concluir nosso raciocínio. Lançava-se o livro do Valter Ferraz, do Perplexoinside: Capão, outras histórias, e precisávamos dar atenção aos presentes.
Escrever é trabalho. Requer método, disciplina, planejamento, vontade de se fazer bem feito. As palavras não brotam, longe de serem plantas. Escolhidas como em um quebra-cabeça, jamais caem do céu. A busca do melhor dizer precisa nortear o percurso criativo.
Devemos bater ponto diariamente, ter hora para sentar em frente ao texto. Só assim dominaremos completamente as idéias. Elas devem ser instigadas, cutucadas, provocadas até resolverem colaborar. E então, docilmente, felizes em surpreender, abrirão um leque de possibilidades ao escritor. Escolher é um ofício duro.
*
Inspiração é desculpa de quem tem preguiça.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Coral De Natal

Há uma praça perto de casa repleta de pinheiros transportados. Sabe-se lá de onde cortaram esses patéticos vegetais. Com tamanhos variados competem lado à lado, oferecendo-se aos que passam. Existem pessoas que os compram, ansiosas por enfeitá-los com bolas coloridas. Quando diariamente tomo meu café da manhã, na padaria em frente, contemplo essa paisagem triste, natureza morta. Fico ali sentado, segurando a xícara com as duas mãos, observando, através da fumaça do leite quente, esse estranho exército verde tremulando, perfilado, bem comportado, disposto como em um coral. Os mais altos atrás, os médios no meio, os bem pequenos na frente. Se aquelas árvores soubessem cantar entoariam uma canção triste, tão cheia de mágoa e dor, que as pessoas desistiriam do Natal para sempre.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Failing To Develop Properly

Sexta-feira, na casa de minha mãe, à noite, o papo rolava solto. Minha irmã, surpresa, contava da discussão que envolveu a garotada, no último final de semana, em sua casa na praia, Barra do Saí. Meninos e meninas, aguerridos, todos querendo se expressar ao mesmo tempo, queimados de sol, falavam sobre o aborto. Uns contra, outros favoráveis, argumentavam com muita propriedade e paixão sobre o tema. Mariana estava entusiasmada por vários motivos. Ver que de forma expontânea aquele debate brotara, despertando interesse naquela faixa etária, era no mínimo surpreendente. Verificar que cada um tinha opinião formada, até os mais novos, grata constatação. Perceber que todos, sem excessão, eram capazes de se situar, defendendo suas posições, com boa lógica e vocabulário apropriado, motivo de admiração. Aquela turminha subira no seu conceito.
Não causou espécie para mim saber que minhas duas sobrinhas, Joana e Manoela, tinham posições antagônicas. A primeira, mais velha, favorável e a segunda, caçula, contra. Normalmente irmãos buscam acomodar-se ocupando espaços separados.
Os adultos presentes ficaram tão entusiasmados que propuseram duas novas questões: pena de morte e eutanásia.
Achei bobagem. Tratava-se de repetição do assunto, variações sobre o mesmo tema. Pena de morte é uma espécie de aborto atrasado, deveria ter sido feito antes. E eutanásia é um aborto autorizado pelo próprio feto desenvolvido, cansado de sofrer.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Bye Bye!

Sei que meu pai vai se revirar no túmulo, franzir a testa para o filho primogênito, ovelha negra nesse caso, mas adoro esporte. Tudo bem, meu velho, aceito que seja coisa de gente burra, visto a carapuça.
Vejo muita alegria nessa coisa da disputa, acho lúdico e sadio. Vale tanto para quando competimos com nossos limites, como quando, coletivamente, enfrentamos um adversário. Futebol, vôlei, tênis, corridas, natação, tudo desperta meu interesse, chama minha atenção. Gosto de acompanhar na frente da tevê, torcendo.
E sou tão fanático, por exemplo, pelo nobre esporte bretão, que torço para mais de um time. Sério, não estou brincando. Tenho em minha casa, na parede de um quarto, dois quadros. Um do Aldemir Martins em homenagem ao Corinthians, e outro da Monique Deheinzelin, celebrando o Santos. Tenho por esses esquadrões um carinho enorme. Eles, de maneira igual, aquecem meu coração, send0 capazes de me transmitir enorme felicidade. Digo, com a maior convicção, que não sei distingüir qual deles mexe mais com minha emoção. A mesma excitação boa, exaltação extrema, que o Peixe me traz quando ganha, sinto quando vejo o Timão perder.
Ainda ouço emocionado, as palavras vindas da arquibancada ontem:
*
AQUI TEM UM BANDO DE LOUCO
LOUCO POR TI CORINTHIANS!
AQUELES QUE ACHAM QUE É POUCO
EU VIVO POR TI CORINTHIANS!
EU CANTO ATÉ FICAR ROUCO
EU CANTO PRA TE EMPURRAR
VAMOS VAMOS MEU TIMÃO
VAMOS MEU TIMÃO,
NÃO PARA DE LUTAR
EU NUNCA VOU TE ABANDONAR
POR QUE EU TE AMO!
EU SOU CORINTHIANS!
*
Aqui sentado, transbordando de alegria, aceno meu lenço branco para os mosqueteiros do parque São Jorge. Bye bye!

terça-feira, novembro 27, 2007

Chatting

- Você tem mania de querer saber se acredito ou não em Deus. Sou mais agnóstico que ateu. Completamente descrente? Fico em dúvida. Deus existe? Ainda não vi a prova.
- Você reza ou não?
- Não. Aliás acho essa coisa de religião insuportável.
- Acho estranho alguém não querer saber de onde vêm as coisas.
- Fiz primeira comunhão. Era difícil ficar fora de uma festa em que todos da classe iam.
- Então você foi batizado?
- Fui. Acho que por influência de minha avó materna. Pela vontade dos meus pais não seria.
- Quando olho as coisas, não consigo deixar de pensar na origem delas.
- Que puta onipotência! Tudo tem que ter explicação...
- É errado ser curioso?
- Não. Mas por que eu tenho que ser igual a você? Sei que é chegado em missa e respeito. Só que é um ritual que não tem nada a ver comigo.
- Me sinto bem lá. Você é meu amigo, quase um irmão, queria que estivesse comigo.
- Só que quando penso em Deus, nas raras ocasiões em que penso, imagino um ser superior.
- Eu também...
- Sem vaidade...
- É claro que não tem.
- E o que é a missa senão um rito de exaltação?
- Mas não foi Deus que exigiu que o festejássemos. Foi o próprio homem que interpretou as palavras da Bíblia e decidiu fazer como é hoje.
- Só que eu ainda não li a Bíblia. Provavelmente estou errado, mas acho que os cultos católicos, protestantes, etc., são uma exigência de um Deus vaidoso, que não aceito.
- Você não sabe do que está falando.
- Concordo com você, talvez não saiba mesmo, mas é assim que sinto. Quando penso em Deus, imagino que não preciso me preocupar com ele. Basta saber viver em sociedade. Ser decente, ético, não prejudicar os outros. Se me comportar assim, e se ele existir, vamos nos encontrar no céu sem dúvida.

terça-feira, novembro 20, 2007

Cry Baby Cry

Eu não gosto das causas coletivas. Grupal nem sexo é do meu agrado. Não assino manifestos, participo de blogagens, ou saio em passeatas. Me preocupo muito pouco com quem não conheço, bem menos do que com as contas que tenho de pagar no fim do mês. Nunca fui dado a benemerências, não dou esmolas, vivo, portanto, completamente por fora da moda. E estou me lixando para isso. Embora, como qualquer ser humano, também me sinta culpado quando vejo miséria, acabo me lembrando que pago meus impostos, e que é obrigação de quem os cobra cuidar dos pobres. Não preciso participar de ONGs, meu currículo dispensa enfeites ou penduricalhos. Quando alguma coisa me incomoda escrevo sobre ela, como estou fazendo agora. É minha forma de pertencer ao mundo. E assim vou tocando meu barco, de preferência sozinho, gosto de ser solitário, não solidário. Embora haja quem me considere generoso, juro que não é de propósito.
*
E aos que vivem chorando pelos outros, proponho um choro geral. Eu faria esse sacrifício para ficar fashion. Resolveríamos, talvez, mais um problema em voga, ligado à ecologia, o da falta de água. As lágrimas encheriam os rios, trariam mais chuva ao evaporarem, limpariam com seu sal a sujeira das calçadas, alterando o clima para melhor. A terra se purificaria pela dor do povo. Não seria lindo? Choro eu, chora você, choram todos. E nada de chororô. Teria que ser pranto abundante, carregado, enxurrada brotando dos olhos. E depois de tudo despoluído viria uma enorme calma. Chorar faz bem para os nervos. Contribuiríamos, por tabela, para a causa do controle da violência. Não é uma boa proposta? Cry baby cry.

segunda-feira, novembro 12, 2007

By Bus

Sempre gostei de andar de ônibus. É quando a vida na cidade grande parece caminhar com menos pressa. Do ângulo superior em que nos encontramos, a paisagem parece espalhar-se preguiçosa, perdida no trânsito pesado, as pessoas vistas da janela, lá em baixo, passando quase em câmara lenta. Embalado nesse frear e acelerar, balanço dolente, para frente e trás, sinto o mundo acomadar-se em rítmo mais justo, normal.
Depois de ter ido morar perto do trabalho, quase vizinho ao metrô, perdera esse hábito. Agora, trabalhando um pouco mais distante, recuperei esse prazer. Voltei a ouvir as pessoas, observando os dizeres com a velha curiosidade. Nada mais fascinante, para mim, do que analisar pensamentos quase diferentes. Esse contraste entre o que é dito no silêncio apertado e espremido da condução, semelhante sentir de toda gente mas, ao mesmo tempo, particular na inflexão da voz, maneira de expor, semi-tons de emoções, me fascina. Ali, anonimamente perto das pessoas, conheço melhor o universo que imagino ser meu: o gênero humano.
Hoje falavam do feriado que se aproxima. Brincavam, é claro, os dois rapazes. Um, assumidamente negro, celebrava. O outro, gozador, loiro, explicava que iria trabalhar. A dele, dizia, era branca. E seguiam amigos, conversando, rindo, felizes com o dia de folga. Difícil explicar que haja uma data em homenagem à consciência, tenha ela a cor que tiver.

terça-feira, outubro 30, 2007

Where There’s A Will, There’s A Way

O poder é mesmo uma condição das mais atrativas. Quem o tem não deseja largá-lo, faz de tudo para mantê-lo. Acontece mundo a fora, em todos os países. Deve ser uma delícia ser presidente, um grande emprego, por sinal. Salário razoável, estabilidade renovada por mais um período, desde que a Constituição permita, e se não permitir sempre há a possibilidade de se alterá-la, mordomias, prestígio, um séqüito de empregados, e turismo, muito turismo. Não me venham dizer que é por patriotismo, altruísmo, ou qualquer outro "ismo", que o fulano decide se candidatar. Para acreditar nisso teria que ser mais jovem, ter um pouco mais de fé na condição humana, o que perdi, sabe-se lá quando, pelos caminhos que percorri.
Vejam o caso do Chávez. O desejo dele todos conhecemos, e onde há vontade, há um jeito. Caminha para, sem o menor acanhamento, perpetuar-se. Bom para ele.
Na vizinha Argentina, e não me venham dizer que implico com os hermanos, aconteceu mais ou menos a mesma coisa. Adotaram, porém, uma solução caseira. Saiu o marido, entrou a patroa: Madame Cristina Fernández Kirchner. As despesas continuarão sendo pagas pelas antigas vias, o salário idêntico, prestígio à família garantido, nem foi preciso mexer na Carta Máxima daquele país, talvez o casal tenha um pouco mais de pudor que o coronel venezuelano. E fato parecido, anos depois, está em vias de ocorrer nos States, onde a senhora Clinton poderá eleger-se matando as saudades do poder, e da Casa Branca. Quem sabe não arranja o equivalente masculino da Monica Lewinski e devolve o par de chifres ao velho Bill?
Dia desses, no segundo aniversário do Lula, ele tem dois e comemora ambos, coisa de gente feliz, já que um só, no meu caso, é de amargar, lançaram, ou deram-lhe, uma nova candidatura, a terceira, embrulhadinha pra presente. É claro que ele negou, disse que não seria bom para a nação, afirmou todas as vantagens da alternância política. Só que ele era contra a reeleição e está no segundo mandato. Ser presidente deve viciar. Fiquei com a pulga atrás da orelha. Como sei que todos adoram o currículo dele, não cansando de elogiar o histórico desse operário vindo de Pernambuco, e como respeito muito esse bonito percurso, morro de medo que seja conspurcado. Lanço então, com toda humildade, uma candidatura alternativa: a da Galega. Acho que poderíamos, com algumas vantagens, eleger dona Marisa Letícia Lula da Silva.

sexta-feira, outubro 26, 2007

In A Bad Temper

Tenho andado irritado. Nem sempre a vida caminha por trajetórias adeqüadas. O destino, muitas vezes, oferece-nos antipatia quando ansiamos por carinho. E é justamente essa percepção, a de pouca, ou quase nenhuma, possibilidade de escolha, o motivo dessa depressão mais ou menos profunda.
Trabalhei durante muitos anos na avenida Paulista. Quase três décadas, para ser mais exato. Nunca fui, e não digo isso com orgulho, sujeito maleável, afeito a mudanças. Tenho enorme tendência em criar raízes. Em pouco tempo conheço as pessoas, converso com elas, estabeleço rotinas. Dificilmente altero itinerários. Ando por ruas conhecidas, almoço em lugares confiáveis, sou um pouco desconfiado. Arredio, com certeza.
Desde segunda-feira sinto-me rebaixado, tentando conviver com um novo bairro, sabores e temperos diferentes, vizinho do shopping West Plaza. Meus empregadores decidiram que aqui seria nosso endereço daqui em diante. Paciência...
Retorno ao meu antigo local. Observando todas aquelas pessoas que por ali transitam, perto do MASP e do parque Trianon, meus olhos descansam. Sinto, porém, enorme inveja. Gostaria demais de ter a felicidade daqueles que por ali vivem, a mesma que me acompanhou desde muito jovem, perdida.
Um poeta livre, vestido sobriamente, com seus livros debaixo do braço, aproxima-se interrompendo meu caminho de reencontro. Dirige-me a palavra:
- Gosta de poesia?
- Nem de prosa - respondo.
E me afasto azedo, emputecido.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Missing Bahia!

Recebo um telefonema de minha tia Luísa. Pergunta se li o artigo do João Ubaldo que saiu no domingo. Ao saber que não, dana-se:
- Como não leu? O Estadão de domingo deveria ser comprado sempre, vale pelas crônicas dele.
Explico que concordo, mas não tive tempo.
Divido com vocês o texto. Humor característico que me fez cair uma vez de uma cadeira, em Salvador, de tanto que ri. Poucos têm um riso tão contagiante como João Ubaldo. Quando se juntava com o saudoso artista plástico Calasans Neto, enfileirando piadas, em uma espécie de competição doida e divertida, não havia que conseguisse ficar sério.
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Gil, sem Jorge você talvez fosse só uma hipótese
João Ubaldo Ribeiro (Estadão - 14/10/2007)
*
*
*****Acho que tenho de dar umas explicações antes de começar, principalmente para os que não gostam muito de baianos. O que vou escrever pode parecer até uma carta — e, de certa forma, é —, mas uma carta de interesse público. E interesse de todo o Brasil, razão por que não merece ser tida como apenas um papo da baianada, que devia ficar circunscrito a ela, sem chatear quem não tem nada com isso. Mas podem crer que todos os brasileiros têm alguma coisa com isso, até mesmo os que não a enxerguem ou admitam.
*****O feriado me obrigou a escrever com mais antecipação e não sei se, nos dias decorridos até hoje, o ministro Gil se manifestou sobre o problema. E, se se manifestou, não o fez através daqueles arabescos verbais abstratos e sonorosos em que adeja sua mente de artista, às vezes bonitos de ouvir, mas de árdua decifração, pelo menos para as limitações de meu entendimento. Se falou o que pelo menos eu esperava que ele falasse, tal como o resto da baianada, alvíssaras, mas, mesmo assim, o que vai dito abaixo precisa ser dito.
*****Lembrei de Glauber, uma vez, na casa dele, em Sintra, Portugal. Entrei e ele estava furioso com alguma coisa, nunca vou saber o quê. Me encarou carrancudo e esbravejou:
****— Vou telefonar para o ministro da Cultura! Ele é ministro da Cultura, eu sou cultura e ele tem que me ministeriar!
*****Nada mais lógica e claramente expresso. E agora Gil tinha que estar ministeriando Jorge Amado, mas, que eu saiba, não está. E com isso se arrisca a entrar para a História como o ministro da Cultura em cuja gestão o insubstituível acervo de Jorge Amado foi tirado da Bahia e entregue à Universidade de Harvard. Ou seja, o Brasil não queria manter o acervo de um de seus filhos mais ilustres, um dos escritores mais importantes do mundo (sei que há quem discorda, mas para mim quem discorda é burro e, se quiser, pode dizer que o burro sou eu) e um dos vultos mais importantes de nossa História. Ele gostava muito da gente, os “meninos” de então. Não esqueço do olhar dele, todo ancho, um sorrisão que quase lhe tomava a cara inteira, nos mirando como um patriarca orgulhoso. Não houve um de nós que ele não incentivasse, de quem não exigisse trabalho, sempre dando um jeito de botar o nome da gente em tudo quanto era entrevista que dava, sempre dando um conselho sábio. Gil deve ter muitas lembranças disso, até da casa do Rio Vermelho, hoje quase uma tapera — e foi lá, no chão de seu quintal, que Jorge quis que lhe derramassem as cinzas, como quis que seu tesouro ficasse sempre com seu povo e sua terra.
*****E Gil sabe também que, pouco depois de ele e eu nascermos, Jorge Amado era constituinte e, embora ateu como sempre foi, fez inserir na Constituição um dispositivo que garantia a liberdade de culto. Antes disso, a vastíssima população de origem africana da Bahia era obrigada à humilhação de ter que tirar licença na polícia para praticar suas religiões e, ainda assim, terreiros e casas de culto eram invadidos pela polícia, com destruição de casas e de objetos sagrados. Jorge não só alterou a Constituição como foi à luta. Não foi à luta somente criando heróis e protagonistas negros, antes quase inteiramente ignorados, mas militando, com amigos também negros, pela efetiva concretização da liberdade de culto e a restauração da dignidade das religiões de origem africana. Não foi demagogia nem vontade de aparecer que fez com que o honrassem com títulos elevados no mundo do candomblé. Foi por amizade e gratidão a um permanente companheiro de luta.
*****Gil sabe que a principal razão por que muita gente, aqui e no exterior, quer conhecer a Bahia não é praia. Quem quiser praia, só não tem praia em Minas. Em compensação tem muito barroco e quem quer ver barroco pode se fartar em Minas. Quem quiser igreja idem. O que distingue a Bahia é sua identidade, sua fala, o jeito de seu povo, sua mística, sua sensualidade espontânea, sua mitologia. Dirá um dos sabidos que por aí abundam: se Jorge não desse esse e outros passos, outro daria. Talvez, mas acontece que foi Jorge quem deu. E foi ele também, Gil se lembra, que, junto com Érico Veríssimo, brecou a decisão do governo militar de impor censura prévia aos livros. Se fizerem isso, disseram os dois grandes homens, não escrevemos mais uma linha.
*****Não sei se a cegueira e a surdez seletiva do chefe de Gil são contagiosas, mas parece que ele não sabe nem viu nada. E esqueceu que, sem baianos como Jorge Amado e Dorival Caymmi, a Bahia podia perfeitamente ser mais uma cidade portuária e de negócios, com a população majoritária ressentida ou francamente revoltada e racista. De novo pode vir o blablablá de que, se não fossem eles, seriam outros. Mas, de novo, acontece que foram eles.
*****Ou seja, sem Jorge talvez a Bahia fosse muito diferente do que é hoje. Talvez a arte não fosse a mesma, talvez Gil não tivesse régua e compasso (que podem estar precisando de manutenção, isso acontece), talvez seu talento não pudesse desabrochar, nem tivesse os ombros mais antigos em que todo talento novo se apóia. Era capaz até de surgir um sociólogo levantando a hipótese de que, se aquela sociedade não houvesse se tornado tão materialista, mercantilista e dividida, poderiam ter surgido artistas com o perfil de Gil. Foi isso que eu quis dizer, quando afirmei que Gil (não faça isso, Gil, não seja o ministro da Cultura sob cuja gestão o Brasil efetuou uma bela troca com Harvard, ela com os 250 mil itens do acervo de Jorge e nós com Mangabeira
Unger) podia hoje não passar de uma hipótese. E eu também, claro. Aliás, no meu caso, nem mesmo chegar a hipótese, praticante que sou do mesmo ofício que Jorge. Mas não somos hipóteses, somos quem somos, Gil, é claro, muito mais belo e brilhoso. Só tenho a meu favor estar cumprindo minha obrigação e ele não.

quinta-feira, outubro 11, 2007

First Kiss

Férias em Teresópolis. Os sete primos reunidos: Rafael, Rodrigo, Marcelo, Ianê, Lúcia, Camila e Fabiana. O Teresúvio cuspindo fumaça. A fogueirinha sobre o morro virava o Vesúvio de Teresópolis. Terror de Rodrigo que acreditava. Diversão dos meninos cheios de imaginação.
Camila era puro teatro. Um acidente dera-lhe a oportunidade de ficar um bom tempo sobre o palco.
Certa tarde o frio apertou. O inverno, mês de julho, parecia que tinha chegado de vez. Resolveram acender a lareira. Procuraram madeira seca, jornal e álcool. A chama começou preguiçosa mas logo o fogo pegou forte. Labaredas estalando alegres. Foi quando começaram a ouvir pios de passarinho. Aflitos.
*
Para encurtar a história, tinham feito o ninho na chaminé. O calor destruiu a casinha deles. Dois filhotinhos caíram no meio do braseiro. Morreram. A tristeza foi geral. Difícil não chorar aquela catástrofe.
Camila viu o palco armado. Começou culpando Rafael e Ianê, os donos da idéia do aquecimento. Feito louca gritava pelo quintal, mãos na cabeça, aos soluços:
- Assassinos! Assassinos de avezinhas!
Preparou enterro com missa e tudo. Debaixo da jaboticabeira, perto da piscina. Os dois bichinhos, ou o que se presumia ter sobrado deles, em duas caixinhas de fósforos. Marcelo, de olho na prima, querendo agradá-la, fazendo as vezes do padre.
Camila era de tal maneira afetada na interpretação, que todos acabaram rindo. Pena. Os pequenos defuntos não mereciam tão má atriz.
Foi por essa época o primeiro beijo de Rafael. Lamentável, embora merecesse registro. Ganhou a figurinha difícil, completou o álbum e ficou danado com a prima, brinde da disputa. Quem? Camila, claro. Deveriam ter combinado a duração do sacrifício. Quando, como um raio, pensou ter-se livrado daquela palhaçada, viu negado o Gilmar, goleiro do Santos, figurinha que não tinha. Só demorando mais. Para evitar discussão, bobo, aceitou. A menina agarrou-o então com unhas, enganchando-se nos seus dentes, babando descontrolada em sua boca. Assustado, Rafael saiu correndo. Detestava que o cuspissem.
O segundo foi bom. O menino andava de asa arrastada por Ianê. As férias tinham aproximado os dois primos mais velhos. Acertaram um cineminha no centro. Uma fita, naquele tempo dizia-se fita, do Tarzan. Original. Com o Johnny Weissmuller e tudo. Nem é preciso dizer que Rafael esqueceu da garota ao lado. Lá pelo quinto cutucão, desviou contrafeito a atenção da tela. Que olhos! Colaram então os lábios. Prevenido, agora experiente, Rafael fechou bem a boca.
*
Com o terceiro beijo veio a técnica. Margarida, a professora, empregada nova da avó, quase provocou uma revolução na família. Ensinou-o pelo método da insistência. Sedutora, convenceu rapidamente o menino a esquecer, às vezes, de jogar bola . Viviam atracando-se. Beijos molhados. Mordidinhas gostosas. Línguas nervosas.
Rapidamente o filho mais velho de Marina perdeu a conta. Deve ter completado o milésimo beijo na mesma época em que Pelé fez o milésimo gol em Andrada, goleiro do Vasco.
A matemática oscular é meio atrapalhada. Sempre que se fala em primeiro beijo, Rafael lembra dos três primeiros. Para ele formam uma unidade. Os lábios de Camila, Ianê e Margarida somam-se. Tornam-se um só. Surge então, o primeiro beijo. Com toda emoção que a gente não esquece.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Child Prodigy

A tarde de sexta-feira chegou morna prometendo um belo final de semana. No pátio do jardim da infância os pequenos brincam afogueados, gastando o que resta de energia, aguardando que seus familiares os venham buscar. Assim que vê a mãe estacionar o carro, o menino corre disparado em sua direção. Atropelando as palavras, quase sem fôlego, pede:
- O Pedrinho pode ir dormir lá em casa?
Ela, ainda pouco acostumada com aquela fase recém inaugurada, o filho mais novo começando a criar asas próprias, carinhosamente, abrandando a voz, diz:
- Precisamos perguntar aos pais dele.
O menino pára, olhos brilhando, rostinho corado, permanecendo um tempo indeciso como se não acreditasse no que ouviu, observa curioso o rosto materno procurando algum sinal de pilhéria, eleva a vozinha esganiçada, contestando:
- Mas mãe, o Pedrinho só tem um pai!

quinta-feira, outubro 04, 2007

Pequena Dúvida

- Por que os reis são magros?
- Que reis, menino?
- No reino deles não tem comida?
- Do que você está falando, meu filho?
- Daqueles reis que visitaram o Jesus bebê, os três reis magros.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Há Bens Que Vêm Para O Mal

Pendurado em meio ao aglomerado de pessoas no vagão do metrô ele segue feliz. Pode sentir os músculos trabalhados pela manhã na academia. O trapézio e o deltóide estão levemente doloridos, avisando ao corpo que estão ali, saudáveis. Respira fundo, estufa o peito, sente-se bem, vivo.
Sentado à sua frente um rapaz, ipod nos ouvidos, balança-se em cadência dolente, cenho franzido, o som devia ser triste. Tem os cabelos revoltos, espetados, reflexos dourados brilham emergindo de sua cabeça. Mochila apoiada no chão entre os joelhos rasgados das calças jeans.
Os dois olhares, abaixando-se e elevando-se, cruzam-se num relance. O menino, educado, imediatamente faz menção de levantar-se, oferecendo o lugar:
- O senhor quer sentar?
Ele nega, embaraçado. Não esperava o oferecimento.
- Vou descer no próximo, explica.
Sorriem.
O auto-falante anuncia o destino. O trem dá um tranco, reduzindo a velocidade. Ele sente o ombro, faz uma careta. Na estação seguinte dirige-se à porta encurvado, lentamente, sentindo-se velho.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Auto-retrato

A MEG encomendou, eu obedeço.
*
Preferiria ter nascido em outro país mas, em 1954, pariram-me no Rio de Janeiro. Cidade maravilhosa remota. Lembrança de férias passadas em casas de parentes que finaram ou mudaram de endereço. Ruas do Leblon, amendoeiras espalhando folhas pelo chão das calçadas que margeavam um canal bonito.
Vivo em São Paulo desde muito pequeno, aqui me entendi por gente sendo, portanto, paulista por adoção. Gosto de Pinheiros e dos ipês que tingem de amarelo as ruas em determinadas épocas do ano, já não se consegue determinar quando.
Torço pelo Santos.
Procuro ser otimista, embora esteja cada vez mais difícil manter esse jeito de ser. Já fui mais alegre do que sou. Irrito-me fácil. Não gosto de vizinhos, barulho de qualquer espécie, aglomerados de gente. Falta de educação e de sensibilidade tiram-me do sério, perco completamente os modos. Não bebo, não fumo, pratico esporte. Tenho pavor da morte. Se algum dia morrer será contra a minha vontade.
Bem casado.
Atrai-me o número quatro.
Fico muito feliz na mesa. Comilão, adoro pratos com molhos e risotos. Tudo que leva arroz. Doces feitos com ovos; tentadores. Luto para manter-me magro e com saúde.
A solidão não me assusta.
Sinto-me bem em livrarias. Leio muito, bem menos do que gostaria. Machado de Assis é meu escritor favorito. Cinema é paixão. Não me importaria de ficar paralizado o resto da vida em frente a uma tela. Ouço música e canto com alguma freqüência.
Sou vaidoso. Procuro vestir-me bem, importo-me com aparência.
A política me cansou. Já discuti com mais entusiasmo, acreditei.
Amo o passado, sou indiferente ao presente, temo o futuro.
Odeio telefone e celular.
Inverno, nada como o frio.
Ateu com poucos pecados.
Tenho alguns livros publicados. Tento escrever.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Spring!

Quando eu era menino, querendo me entender por gente, ao ouvir falar em primavera imediatamente considerava-a de minha família. Poderia ser filha de algum tio distante. Tinha, porém, pouca curiosidade em conhecer essa prima. Da mesma forma que vovó traria, ao nos visitar, meus doces preferidos, ela viria com flores. Evoluí, é claro. Na época, projeto de homem, achava esse tipo de coisa feminino demais. Absolutamente fora de meu interesse.

sexta-feira, setembro 21, 2007

Modern World

Vendedor no portão. Limpa as caspas do ombro em um gesto amplo, conserta o nó da gravata, apoia a mala no chão, enxuga o suor da testa com o lenço e toca a campainha.
A menina larga o velocípede no chão do quintal, vem lá de trás correndo, curiosa, ver quem é. Chega arfando, demora para recuperar o fôlego. Ele:
- Sua mãe está?
Ela sorrindo marota, baixando a voz:
- Mamãe tá na terapia.

segunda-feira, setembro 17, 2007

Sabiá Malandro

Sabiá
Laranjeira,
Furta fruta
Da fruteira.

Meu caqui,
Bem-te-vi!

Sabiá
Carambola,
Prova parvo
Da gaiola.

E que mico,
Tico-tico!

Sabiá
Seringueiro,
Clama calma
No poleiro.

Eu espero,
Quero-quero!

Sabiá
Samambaia,
Rapta prata
Na tocaia.

Vê que mau,
Pica-pau!

Sabiá
Passarinho,
Torce treco
No biquinho.

Que horror,
Beija-flor!

quarta-feira, setembro 12, 2007

Bloody Bird!

Existe um sabiá morando entre as penas do meu travesseiro. Não sei quando ele se mudou. Talvez tenha escolhido a nova morada por ser mais quente, abrigada, quem poderia saber? Sei que está lá, tenho certeza. Todo dia, de manhã bem cedinho, começa a cantar. Faz um som lindo e inconveniente. Alto, muito forte. O barulho entra direto em meus ouvidos, ali vizinhos, sem pedir licença. Invade meu sono, acorda minha conseqüente falta de romantismo. Lembra, de forma insistente, que amanhã, quando estiver em minha cama, toda vez que voltar para aquele lugar de descanço, e alvorecer, haverei de ouvir cantar aquele sabiá. Nenhum gorjeia como ele cá, dentro do meu travesseiro. Agruras dessa terra que tem palmeiras, sabe-se lá onde, já que inexistem em minha rua. E é tanto o estardalhaço que essa ave estranha e maldita faz, tantos os chamados e respostas que recebe, parece conhecer os passarinhos de toda a vizinhança, que permaneço inquieto, lutando para recuperar o dormir perdido. E fico brigando, eu e ele, esse cantor histérico, até que outro barulho irritante arbitre o fim daquela noite. Desligo o despertador, jogo as cobertas para o lado, desisto. Como podem ver encanto nessa droga de canto?

segunda-feira, setembro 10, 2007

Gently Weeping

Hoje acordei querendo ser a guitarra do George Harrison. Gentilmente derramaria lágrimas como há muito não faço.
O primeiro pranto seria por saudades acumuladas, feridas abertas não cicatrizadas. Depois choraria o que não consegui fazer, tempo perdido, desperdiçado, jogado fora, menino preguiçoso desde sempre. Lamentaria então, baixinho, os momentos mal vividos onde, enredado em antecipações, todo expectativa, fui mais uma vez criança. Lastimaria o sono que não dormi, sonhos esbanjados em preocupações tolas. E com cuidado, para que não ouvissem esse carpir silente, derramaria algumas lágrimas de ódio e estaria, finalmente, bem mais feliz.
*
I look at the world and I notice it's turning
While my guitar gently weeps
With every mistake we must surely be learning
Still my guitar gently weeps
*
**********************(While My Guitar Gently Weeps - George Harrison)

quinta-feira, setembro 06, 2007

Bleeding Ghost

Naquele tempo andava pela rua uma velha. A mãe não gostava quando os ouvia falar assim dela.
- Uma senhora - corrigia.
- Uma bruxa - insistia o mais novo.
- Vocês precisam aprender a respeitar os mais velhos. Por que essa implicância?
Sem querer discutir, o mais velho mudamente concordava com o menor. Ainda lembrava da noite anterior. Dera de cara, na calçada, com aquilo. Branca. Cabelos de palha. Olhos mortos arregalados, fora de órbita. Vagando. Só faltava a vassoura. Correra para dentro com o coração aos pulos.
- Uma senhora bruxa - brincou.
Um dia o menino maior estava na sala lendo. Pix, o cachorro deles, devia ter visto alguma coisa que não gostara. Latia sem parar e rosnava, intercalando as duas maneiras mais comuns de se expressar com um breve silêncio gargarejado. Acabara desligando. Não havia nada de extraordinário naquela barulheira toda. O cão era assim. Irritado mesmo. No momento seguinte, o caçula entrou correndo:
- O Pix mordeu a perna da velha! - comunicou assustado. - E agora? Está a maior sangueira.
Gastaram dinheiro e desculpas. A mãe levou a senhora ao pronto-socorro. Teve que mostrar os atestados de vacina do bichinho. No fim, tudo bem. Os vizinhos entenderam o desatino do animal, que passou um tempo na coleira, preso, de castigo.
O cachorro virou herói para os meninos. Agora já não tinham bruxas no bairro. Esqueceram o medo. Quando dentinhos afiados furaram malignas varizes, num passe de mágica a assombração virou gente. De carne e osso. Apenas uma senhora. Onde é que já se viu fantasma sangrando?

segunda-feira, setembro 03, 2007

Ethically Questionable

Gosto de política. Evito abordar o tema aqui por várias razões. Recebo visita de amigos com posições distintas, credos diversos, considero falta de tato provocá-los com opiniões muitas vezes diferentes das deles. Sei, por experiência própria, que nossas convicções ao serem atingidas, ou confrontadas, provocam disposição de revide nem sempre saudável. Resumindo, acho esse espaço pouco adeqüado ao debate partidário. Prefiro preenchê-lo com textos um pouco mais literários.
Não posso, porém, como cidadão, sob o risco de parecer alienado, coisa que em absoluto não sou, furtar-me a falar, vez ou outra, sobre coisas que me parecem importantes no cotidiano do país.
Antes de mais nada preciso revelar uma disposição que vem crescendo dentro de mim. A de não mais agredir gratuitamente nosso presidente. Passei por um aprendizado voluntário, fruto de muita reflexão, onde concluí que o Lula, antes de mais nada, precisa ser respeitado. Todos aqueles que o elegeram merecem, por tabela, essa determinação interior. Deve fazer parte do jogo democrático que, tenho certeza, todos sabemos ser o melhor caminho, a aceitação da escolha da maioria. Mais do que isso, o respeito incondicional ao direito que o povo tem de optar. Qualquer tentativa de questionamento desse mandato ganho nas urnas, qualquer movimento que insinue usurpação ilegítma dessa vitória é coberto, tenho certeza, perigosamente, pelo manto negro do golpe.
Passo então, rapidamente, sem mais delongas, ao que me levou a todo esse preâmbulo. O discurso feito recentemente onde o nosso presidente afirma ser o PT um dos partidos mais éticos do país. O dicionário Houaiss revela, por extensão de sentido, que ética é conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade. Não considero apropriada, portanto, a relativação do conceito. Não existe mais ou menos ético, da mesma forma que inexiste mais ou menos ladrão.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Sete Por Acasos

  1. 1953. Um óvulo, um espermatozóide, eu. Concebido por acaso.
  2. 1929; 1954. Quatro de janeiro. Ricardos pai e filho. Capricornianos do mesmo dia por acaso.
  3. 1977. Profissional de informática por acaso.
  4. 1982. Um olhar, um carinho, um compromisso. Caso-me. Feliz por acaso.
  5. 1992. Primeiro livro. Escritor por acaso.
  6. 1997. Viajo à Inglaterra. "British" por acaso.
  7. 07 de julho de 2006. Primeira postagem. Lord Broken Pottery por acaso.

A Marilia convidou-me. Respondi à convocação de falar sobre sete casualidades de minha vida. Tentei ser sintético, separar as mais importantes. Deveria passar a tarefa para mais sete. Deixo, porém, democraticamente, a sugestão de pauta para quem me lê. Se alguém tiver vontade, fique à vontade para escrever à respeito.

quarta-feira, agosto 29, 2007

Ô Zefinha!

Cresci em um ambiente muito musical. Meu pai tinha voz bonita, era afinado, cantava bem. Minha mãe ídem. Durante boa parte da juventude tive contato com amigos que tocavam violão, era comum fazermos serestas. Mais tarde, em fase de boemia brava, bebendo demais, cheguei a cantar em alguns barzinhos. Tenho excelente memória, repertório bastante grande. Continuo atento, ouvindo o que posso, sempre.
O som lá de casa vivia ligado. Papai, por exemplo, era um dos que mais o acionavam. Gosto muito particular, variado, que ainda hoje me diverte quando lembro. Elomar era o seu preferido. Havia uma canção dele, Zefinha, verdadeira obsessão do velho. Reproduzo um trechinho:
*
Ô Zefinha
O luar chegou meu bem
Vamos pela estrada que teu pai passou
Quando era criancinha igual você também
*
Até hoje meu irmão e eu rimos quando ouvimos a voz anasalada do cantor do vale do Jequitinhonha. Aquela toada linda e medieval, ficou marcada pela insistência com que era captada, verdadeiro martírio na época, por ouvidos mais jovens e roqueiros.
Outro que quase furou na vitrola foi Cat Stevens. O disco Tea for the Tillerman, preencheu muitas das manhãs ensolaradas da casa da rua Tamanás.
*
I know weve come a long way,
Were changing day to day,
But tell me, where do the children play?
*
É claro que pesquisei, procurei, e tenho hoje essas preciosidades em cedê. Consegui também o álbum do Quinteto Armorial, outra preferência evidente. Apenas uma tristeza me acompanha, a de não ter encontrado ainda o Tribute to the Memory of the Marquis de Sade, de Lallo Schifrin, além dos quatro discos gravados por Marcos Pereira, em 1973, "Música Popular do Nordeste". Sem eles minha memória musical juvenil, afetivamente ligada ao meu pai, está incompleta. Preciso urgentemente escutar novamente:
*
Vem, meu boi bonito
Vem dançar agora
Já deu meia-noite
Já rompeu a aurora.
*
...Cavalo Marinho dança no terreiro
Que o dono da casa tem muito dinheiro
Cavalo Marinho dança na calçada
Que a dona da casa tem galinha assadaoje meu irmão e eu imitamos a voz anasalad

sexta-feira, agosto 24, 2007

Family Lies

Ricardo: Por que a Mariana está chorando? Parece que o mundo vai acabar...
Mãe: Eu contei que dei a Pantita e o Branquinho.
Ricardo: Como?
Pai: Na verdade, os dois morreram atropelados hoje pela manhã.
Mãe: Alguém esqueceu o portão aberto. Os cachorros ficavam histéricos na rua, lembra?
Rogério: Mãe e filhote morreram juntos. Que história mais triste...
Mãe: Pois é, não tive coragem de contar pra sua irmã.
Pai: Eu e seu tio enterramos os bichinhos no fundo do quintal.
Ricardo: Então só ficou a Xereta?
Mãe: Contei pra sua irmã que quem respondeu ao anúncio no jornal, quis levar o Branquinho e a mãe dele.
Pai: Sua mãe inventou que gostaram tanto do Branquinho, que não quiseram deixá-lo sem família. Levaram os dois.
Ricardo: E sobrou a Xereta...
Pai: Já que o objetivo era ficarmos com um cachorro só, ficamos com ela.
Rogério: E a Mariana não gostou?
Mãe: Não se conforma por não ter sido consultada.
Pai: Diz que a Pantita era dela. Que tínhamos que dar os filhotes.
Rogério: Que confusão!
Ricardo: Mentira mais mal contada...
Mãe: O que vocês queriam, que ela chegasse da escola e encontrasse os dois mortos?
Rogério: É a vida, né?
Pai: E o trauma?
Ricardo: É melhor crescer achando que coisas suas podem ser dadas sem consulta prévia?
Rogério: Pelos próprios pais...
Mãe: Eu fiz o que achava certo e não estou pedindo opinião.
Pai: Estamos só comunicando a versão oficial do acontecido. A que vai prevalecer aqui em casa.
Ricardo: Certo. É mais fácil mentir.
Mãe: Vocês gostem ou não será assim. Achei cedo para que a Mariana entrasse em contato com a morte.
Rogério: Será que sou filho de vocês mesmo?
Pai: Não seja tolo!
Ricardo: Pronto, ele descobriu...
Mãe: Vocês são dose...
Ricardo: O papai e a mamãe acharam um bebê na lata de lixo e ...
Rogério: Eu sempre desconfiei...
Ricardo: O Rogerinho...
Mãe: É fácil julgar os outros.
Ricardo: Acho muito difícil querer manter a mana afastada do real.
Rogério: Vão ter que inventar muitas mentiras.
Pai: Temos imaginação suficiente pra proteger nossos filhos.
Ricardo: No que me toca prefiro a verdade.
Rogério: Eu também. Será que a Mariana é diferente?

terça-feira, agosto 21, 2007

Children

Ela entrou na sala correndo. Gotinhas de suor no buço. Fazia calor, quase quarenta graus. Parou de repente olhando o crucifixo na parede. Tinha que se comportar. Sentou quietinha ajeitando o vestido, compenetrada. As mãozinhas no joelho. Ao primo que não parava:
- Fique quieto, senão Deus mastiga!

terça-feira, agosto 14, 2007

Father

Quando acabei tinha certeza que tinha ficado bom. Caprichara nas rimas. Imaginei-me poeta com orgulho. Ia fazer sucesso com as meninas. Faltava agora o mais difícil, ouvir opiniões. E se não gostassem? Começaria com mamãe. Menos dura, seria fácil de agradar. Leria o poema e certamente elogiaria. Será? Ao diabo com as dúvidas. Era homem ou não? Enchi-me de coragem.
Observei a leitura ansioso. Não dava para antecipar nada pela expressão. O rosto sereno, testa franzida, leve movimento dos lábios sussurrando o texto. Atenta.
- E aí? - perguntei assim que ela ergueu os olhos do papel.
Entusiasmo deu para perceber que não havia.
- Gostou? - insisti.
- Não entendo muito de poesia. Acho que tem coisas boas, outras menos, fale com seu pai.
- Só?
- Sei lá, filho, é ele quem escreve. Mostre pro seu pai. Que medo bobo!
- Medo! Quem disse que estou com medo?
- Não está?
- Não.
- Então simplesmente mostre. Ele vai gostar de ler.
Agora a coisa complicara. Com o velho era diferente. Tinha medo sim. De não agradá-lo. Da opinião que certamente daria. Favorável ou não. Ele era assim, sério. Teria inclusive que aguardar uma brecha. Não podia ir mostrando sem mais nem menos.
O momento adequado chegou antes do que previa. Domingo. Sala de estar depois do almoço. A família reunida ouvindo música. Entreguei o trabalho meio sem graça. Papai, surpreso, começou a ler imediatamente. Quando terminou não falou nada. Ficou um tempo quieto fumando, talvez procurando palavras. Já nem sabia o que pensar quando a pergunta veio de longe:
- O que você já leu de poesia, filho?
- Como assim? - balbuciei.
- Cite um poeta de sua preferência.
Senti o calor tomar-me o rosto. Avermelhei até a raiz dos cabelos. Não havia o que mencionar. Nenhum autor conhecido.
- O problema está aí - prosseguiu o velho. - Como você quer escrever poesia se não lê poesia? Fazer poema não é apenas colocar uma linha sobre a outra e rimá-las. É muito mais.
- Então não está bom? - perguntei.
- Não, e nem poderia estar. Você gostaria de aprender?
- Sim.
- Venha cá.
Papai levantou e levou-me à biblioteca. Mostrou toda uma estante dedicada à poesia. Era só escolher.
Iniciei-me. Vinícius de Morais, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. De Vinícius apaixonei-me pelos sonetos e preferi Bandeira a todos, decorando as palavras de Pasárgada. Sentia-me amigo do rei. Memorizei tanta coisa... Exibia-me para as colegas nas reuniões de sábado à noite. Havia sempre um violão por perto. Música e poesia rolando soltas. Encantado com a Tabacaria de Fernando Pessoa e quase tudo o que o poeta português escreveu. Um livrinho dele virou meu companheiro de cabeceira, lia sempre antes de dormir. Com Camões pude entender ainda melhor os sonetos. Já tinha agora o quê e quem citar.
A segunda vez que procurei meu pai foi mais fácil. Sentia-me mais seguro.
O ritual foi parecido. Ele levantou e chamou-me. Pegando papel e lápis, convidou-me a sentar-me à mesa.
- Você sabe o que é um verso? - perguntou.
- Sei - respondi - ,é cada linha de um poema.
- Ótimo. E o que é ritmo?
- Eu sei, mas não consigo explicar. É meio intuitivo, não é?
- Sim e não. Num poema, os sons devem se repetir a intervalos regulares, ou a espaços sensíveis quanto à duração e acentuação. E métrica?
- Métrica? Nunca ouvi falar - respondi.
- São os elementos necessários à feitura dos versos medidos.
Papai falava e escrevia os conceitos.
- Para mantermos o ritmo, devemos escrever os versos com o mesmo número de sílabas. Os versos, quanto ao número de sílabas, têm nomes particulares. A redondilha menor tem cinco, a maior tem sete. Os alexandrinos têm doze. Existem também os decassílabos. Lembrando que contamos as sílabas de um verso só até a sílaba tônica da última palavra.
Papai pegou livros, mostrou versos e pediu-me que contasse as sílabas. Falou sobre sonetos, de quatorze versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos. Que esta forma, a mais cultivada, era o soneto italiano. Que havia o inglês, composto por três quartetos e um dístico. Deu a aula que nunca tivera na escola.
Então, ao final, insisti:
- E o meu poema, pai. Ficou bom?
- Melhor - respondeu. Trabalhe agora sobre ele, refazendo-o com tudo o que ensinei.
Fiz então o que sugeriu. O sonêto que escrevi ficou assim:
*
Soneto da Vontade Distante
*
Até onde a vista escuta
Vou viver vivendo a morte
Vou jogar fugindo à sorte
Vou secar a mesa enxuta
*
Até onde a boca cheira
Disparado vou parando
Então sem ver fico olhando
A beber a carne inteira
*
E sorrindo aos inimigos
Agredirei meus amigos
Que a razão já não sou eu
*
E chorando de alegria
Comemoro então o dia
Do vermelho luto meu
*
Papai por fim gostou. Foi o primeiro poema que escrevi. Achei muito difícil e trabalhoso.

quarta-feira, agosto 08, 2007

Gloomy

Aos quatorze às vezes sentia-me estranho. Sem saber por que surgia uma vontade enorme de estar sozinho. Recolhia-me.
O quarto era grande. Um retângulo comprido dividido em dois ambientes. Em um deles duas camas com os respectivos criados-mudos; ao pé delas, estantes conjugadas com escrivaninhas onde meu irmão e eu estudávamos. No outro, um sofá-cama forrado com tecido xadrez, a cor vermelha predominando. Armários embutidos ocupando toda uma parede.
Fechando lentamente as janelas, observava a casa defronte tentando ver as irmãs gaúchas. Um aceno que fosse me encheria de esperanças. Eu achava a loirinha muito simpática. A morena, mais velha, cheia de charme. Aquele jeitinho de falar, cheio de tus e bás, mexia comigo. Andava louco para arranjar namorada.
Mergulhava na escuridão. Punha um long-play na vitrola e deitava com a barriga para cima, olhando o teto com os olhos fechados. O primeiro disco de Maria Bethânia era o mais ouvido. Lançado em 1965, três anos depois continuava me fazendo companhia. Um pouco gasto, começando a chiar sob a agulha, ainda trazia inspiração. As letras das músicas acompanhando os sonhos, ajudando, alimentando a fantasia.
*
**********É de manhã
**********Vou buscar minha fulô
**********A barra do dia ê vem
**********O galo cocorocô
**********É de manhã
**********Vou buscar minha fulô
*
Um dia ainda teria minha fulô. O galo levava ao sítio, interior. Caboclinha com vestido de chita.
*
**********
Meu desespero ninguém vê
**********Sou diplomado em matéria de sofrer

*
Será que ninguém via? Assim escondido, trancado em plena tarde, era difícil. Mamãe aparecia para irritar-me. Tinha que levantar para abrir a porta.
- Está doente, filho? - pondo a mão em minha testa.
*
**********
Depois que aquela mulher
**********Me abandonou
**********Não sei porque
**********Minha vida desandou
**********Meu canário morreu
**********A roseira murchou

*
**********
Meu papagaio emudeceu
**********O cano d’água furou
**********E até o sol por pirraça
**********Invadiu minha vidraça
**********E o retrato dela desbotou
*
Abandonado. Imaginava meu cachorro sem latir, o rabo entre as pernas, a mangueira do quintal vazando. As azaléias tristes, sem vida. O avô desbotado na sala de jantar. Periquito tombado na gaiola. As perninhas para cima. Tudo depois que Bruna foi embora.
*
**********
Você chegou no carnaval
**********Linda
**********Canção de amor no carnaval
**********Linda
*
Bahia. Férias. Mortalha. Carnaval. Menina linda com nome complicado. Valdelice. Delícia. Valdelícia.
*
**********
Nunca mais vou querer o teu beijo,
**********Nunca mais
**********Nunca mais quero ter teu amor,
**********Nunca mais
*
Sabia que era mentira. Se Luana me olhasse, se aproximasse os lábios, não agüentava. Beijava mesmo. Aqueles olhos de lua que clareavam o travesseiro. Nunca mais era para sempre. Não ia conseguir. Muito tempo. Bom de cantar, de dizer. Difícil com Luana. Impossível. Solidão doía.
*
*********
Na minha voz
*********Trago a noite e o mar
*********O meu canto é a luz
*********De um sol negro em dor
*********É o amor que morreu
*********Na noite do mar
*
Murros na porta. Rogério gritando:
- O quarto também é meu!
Ainda teria meus próprios domínios. Sem ter que dividir com o irmão. Quem sabe aquele fedelho não morria? Entrava, apanhava alguma coisa, para logo sair. Só para irritar-me mais um pouquinho. Sempre irônico:
- Na fossa, boneca?
*
**********
Glória a Deus Senhor nas altura
**********E viva eu de amargura
**********Nas terra do meu senhor
*
Olhando o pôster de Guevara, escondido na penumbra, esperava com fé dias melhores. Os ricos menos ricos, os pobres menos pobres. Sem perder a ternura. Liberdade, igualdade e fraternidade. Carcará!
*
**********
Anda, Luzia
**********Pega um pandeiro
**********Vem pro carnaval
**********Anda, Luzia
**********Que essa tristeza
**********Lhe faz muito mal
*
Achava Luzia um nome lindo. Quando casasse teria duas filhas: Luzia e Laura. Luzia parecia acender a pessoa. Luzia iluminada. Laura de Laura Ingalls Wilder. A escritora preferida.
*
**********
Batuque é um privilégio
**********Ninguém aprende samba
**********No colégio
*
Verdade. Oficialmente no colégio só tinha aprendido hinos. Adoravam hinos naquela época. Já podeis da pátria..., que entendia japonês. Sambar, só sambava nas notas. Às vezes dançava feio. Quando tocava Feiticeira, acabava chorando. A história da moça que adormece ninando a bonequinha e acorda para vê-la no chão quebrada, separada em mil pedaços. Dito assim parecia bobagem. Não era.
*
*********
O samba é a corda e eu sou a caçamba
*
Só muito mais tarde fui entender o sentido dos versos. Ouvi dizerem de minha amizade com o Rafaelli: "Onde vai a corda, vai a caçamba". Entendi o sentido. Que caçamba era um balde para tirar áqua de poço, só descobri adulto.
*
*********
Mora na filosofia
*********Pra que rimar amor e dor
*
O amor como um fogo ardendo sem doer. Estava no soneto que aprendi. Nunca esquecia. Tantos amores e nenhum.
Ouvia música a tarde toda. Quando acabava o disco, repetia. Versos lindos. Caetano, Noel, Batatinha, Caymmi, Benedito Lacerda, João do Vale e Monsueto ensinando o menino que eu era.
À noitinha, sentia o vazio no peito abrandar. Descer para o estômago. A confusão de sentimentos em que estava mergulhado sofria violento estímulo externo. O cheirinho da comida de Alice invadia o quarto sem pedir licença. Abandonava correndo o exílio voluntário. Fome. Não havia fossa que resistisse.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Magic Words

Recebi recentemente da amiga MEG, do Sub Rosa (flabbergasted), um cumprimento diferente. Mandou-me, ao final de um comentário, "beijos temperados". Aquilo me fez voltar no tempo e tenho, desde então, viajado um pouco. O contexto dizia respeito à minha capacidade de ferver sobre cobertas muito quentes.
Sou um apaixonado pelas palavras e pelos sentidos que elas podem ter. Nesse momento escrevo olhando o passado. Transformo-me. Volto a ser menino em férias no Rio de Janeiro. Minha tia Helena e meu bisavô Américo me recebiam com festa. Em poucos lugares me senti tão querido. O desejum era especial. Faziam o que eu pedia. Adorava ovos quentes, moles. Molhava o pão fresquinho no creme dourado e me fartava, com delícia. Se o café com leite estava muito quente, a fumaça denunciando o excesso de calor, minha tia sempre sorrindo, com um carinho na voz que não mais ouvi repetido depois de adulto, oferecia:
- Quer que tempere?
Nunca mais ouvi essa expressão. Embora comum em Maceió, nordeste, terra desses meus tão queridos parentes que já partiram, é rara aqui no sul. A assepção que guarda o significado de abrandar, amornando aquele líquido, é pouco comum por nossas plagas.
Quando li "beijos temperados", gradativamente fui recuperando esse sentido distante, quase perdido em minha memória afetiva. As palavras são mágicas.

Cinco Estrelas

Recebi a indicação da amiga Vivien, da Casa Da Mãe Joana. A idéia do prêmio e sua sinificação são do Ronald.
Escrever para mim tem se tornado uma fonte de vida. Preciso explicitar o que penso, é mais do que apenas necessidade. Chego a acordar no meio da noite combinando as palavras, tentado dar um sentido melhor às idéias. Receber prêmio de amigos que gostam do que ponho aqui é portanto uma alegria sempre grande, um incentivo para que continue. Reproduzo abaixo palavras que copiei do blog da Vivien.
*
"O dia 31 de Agosto foi escolhido para ser o dia do blog, este foi criado na convicção de que os bloggers deverão ter um dia dedicado ao conhecimento de novos blogs, de outros países ou áreas de interesse. Então para dar uma esquentada neste dia eu resolvi criar um prêmio que consiste em escolher os cinco blogs, 5 estrelas da blogoesfera, e no dia 31 de agosto de 2007 será a divugação dos blogs escolhidos seguindo as regras abaixo. Regras do prêmio blog 5 estrelas:
*
1. Podem participar na votação todos os bloggers que mantenham blogs ativos há mais de um mês [os outros esperem por outra ideia brilhante que alguém irá ter].
*
2. Cada blogger deverá referenciar cinco nomes de blogs. A cada menção corresponde um 1 voto.
*
3. Cada blogger só poderá votar uma vez, e deverá publicar as suas menções no seu blog [da forma que melhor desejar], enviando-as posteriormente para o seguinte e-mail: elzinhalinda@gmail.com. No e-mail, além da sua escolha, deverão indicar o link para o post onde postaram as nomeações. A data limite para a publicação e envio das votações é dia: 27/08/2007.
*
4. De forma a reduzir alguns constrangimentos [e desplantes], e evitar algumas cortesias desnecessárias, também são considerados votos nulos:- Os votos dos blogger(s) em si próprio(s) ou no(s) blogue(s) em que participa(m);- Os votos no blog Nada pra mim.
*
5. Cada blog que for indicado ou indicar, deve conter de onde veio a origem do concurso, ou seja deverão manter um link para este blog afim de que outras pessoas possam conhecer a idealizadora da idéia. No dia 31.8.2007 serão anunciados os vencedores.
*
Vamos, então, escolher os blogs:
- Perplexo Inside - Valter FerrazV
- Reflexões - James--
- Varal de Idéias - Eduardoo
*
São, é claro, blogs que recomendo.

Schmooze

Definition: schmooze
*
Cambridge Advanced Learner's Dictionary
*
verb [I] INFORMAL to talk informally with someone, especially in a way that is not sincere or to gain some advantage for yourself:
He spent the entire evening schmoozing with the senator.
*
The American Heritage® Dictionary of the English Language
*
INTRANSITIVE VERB:
Slang
To converse casually, especially in order to gain an advantage or make a social connection.
*
Confesso que não conhecia o significado da palavra schmooze. Recebi, com o orgulho de sempre, a indicação dada pela amiga Polly, do Vivendo E Deixando A Vida Me Levar, ficando muito honrado com o carinho.
Acredito que a acepção que quiseram dar é mais afeita ao sentido americano, o de manter uma conexão social. Cito as palavras escritas no blog que indico acima, para explicar o prêmio, cujo selo afixo aí em baixo, ao lado:
*
Este selo fala da relação de bem-estar entre os blogueiros, dos sentimentos bons que se afloram em cada palavra escrita e lida. Aqui se faz amizades que podem ser verdadeiras tão ou mais que uma que se faça pessoalmente... sentimentos sinceros, afeto, carinho... somos uma BolgFamília e sentimos quando algo acontece, pois acompanhamos de perto! Faz valer a pena ser verdadeiro com o próximo, aquele que se faz presente... pois só temos a ganhar...
*
Passo então, imediatamente, a indicar os blogs amigos, segundo esse critério:
Wonderfullife - Adriana
*
Sinto em todos os blogs citados um carinho, uma preocupação, que aproximam as pessoas. Tenho uma grande consideração por eles.

segunda-feira, julho 30, 2007

Light As A Feather

Sou de família alagoana pelo lado paterno. Ouvi durante toda minha vida algumas preciosidades que vêm de lá, nem sempre politicamente corretas. Coisas que o tempo e a vontade popular se encarregaram de manter inalteradas. Relativamente aos homossexuais, por exemplo, desde que eu era bem menino, e os critérios com o que se dizia bastante reduzidos, havia máxima que meu bisavô Américo repetia, com certa freqüência, ao menor descuidado que tivessem com a masculinidade, quase como uma sentença:
- Não pareceu pode ser que seja, pareceu é.
Ainda hoje a frase, embora não mereça ser repetida, parece-me curiosa.
As feministas que me desculpem, mas papai dizia que na terra dele, mulher só estava autorizada a dizer três coisas: "Pra dentro menino!"; "Xô, galinha!" e "Sim, senhor.".
As coisas mudaram um pouco de uns tempos para cá. Em casa quem manda é Lady Cordélia, falo pouco mais do que as valorosas nordestinas.
Sábado, o frio comendo solto, recebi a ordem. Deveria descer o edredom que estava guardado no armário. Como manda quem pode, obedece quem tem juízo, executei a tarefa. Busquei a coberta que estava embutida no ponto mais difícil de se alcançar, bem no alto. Quase despenquei da escada durante o esforço, conseguindo queimar a orelha no lustre.
O ninho ficou lindo. Nosso belíssimo acolchoado de penas de ganso, lençóis e fronhas novos, dignos das melhores revistas do ramo. Fomos dormir certos de que o frio não nos alcançaria. Lembrei-me até do jingle antigo, aquele das casas Pernambucanas:
- Não adianta bater, eu não deixo você entrar...
Como sou bom de cama, durmo praticamente antes de encostar a cabeça no travesseiro, caí imediatamente nos braços de Orfeu, bivô que não me ouça.
Nada como um aconchêgo. Os sonhos começaram tranqüilos, calmos. Aos poucos, não me perguntem a razão, foram ficando mais agitados. Estava em uma casa que não conhecia. As chamas, labaredas enormes, haviam me cercado. Pesadelo. Acordei suando, o corpo inteiro queimando, sem entender direito o que acontecia. Não demorei muito sem explicação. A porcaria do cobertor tinha cumprido sua função, me aquecido até quase o cozimento. Passei o resto da noite entre o inferno e o pólo Norte. Quando me cobria, escaldava, se me afastava das cobertas, morria de frio.
Pela manhã, acabrunhado, ouvi o comentário feliz da patroa:
- Você não adorou minha idéia de pegar o edredom?
Sinto demais pelos gansos. Não entendo como carregam aquelas penas o tempo todo.

sexta-feira, julho 27, 2007

Smoke Gets In My Eyes

Desconfio de médicos. Já vi coisas de arrepiar o cabelo, sem entender ou saber explicar, mistérios para minha pobre compreenção. A palavra sedar passou a me assustar. Deveria ter apenas o sentido de acalmar aquilo que estava excitado ou perturbado, mas ganhou significado diferente. Tem para mim propósito de sentença de morte. Pessoas após muito sofrimento são controladas, "desligadas" quimicamente do mundo, depois de concenso médico, e caridosamente encontram "paz", morrendo em poucas horas. Estranho.
Sexta-feira. Entrei no quarto do hospital com medo. Penumbra. Recebera a notícia de que meu pai, finalmente, havia sido internado. Haviam me garantido que seria assim, tudo exato e planejado. Apenas deixaria nossa casa quando estivesse próximo do momento derradeiro. Cuidariam para que não sofresse. Mamãe, sentada em uma cadeira no canto, tinha aparência triste, resignada. Meu irmão em pé, sem saber direito onde colocar as mãos, nariz vermelho, calado. Paredes brancas, enrugadas de gesso. Pedi licença, dirigi-me ao banheiro à direita, aliviei-me longa e demoradamente, sem pressa, nervoso. Voltei e com susto sempre maior, depois de ter evitado ao máximo o contato visual, fixei os olhos no leito. Dormindo, entubado, respirando forte e pausadamente, fazendo ruídos que não mais esqueci, alongava um gesto amplo, mão e braço atuando juntos. Trazia um cigarro imaginário até os lábios, aspirava o sabor fictício tragando com visível deleite, expirava como tantas vezes o vira fazer. A cena inusitada teve efeito esmagador sobre mim. Nunca soube muito bem como lidar com o inesperado, detesto surpresas. Devem ter percebido. Explicaram-me ser aquela espécie de ritual macabro normal. Demonstrava que, mesmo sedado, meu pai sentia falta do vício de tantos anos.
E então a fumaça daqueles cigarros imaginários começaram a dominar o ambiente. A solidão daquele corpo esparramado no colchão, rodeado de aparelhos, cutucou-me nos pontos mais sensíveis. Senti os olhos arranhando, ardendo, garganta inflamada. Pouco consegui enxergar depois. E realmente, como estava determinado, ele não sofreu. No dia seguinte estava morto.

terça-feira, julho 24, 2007

Phone Call

- Alô!
- Oi, mãe. Você está ocupada, pode falar?
- Tanto faz.
- Tudo bem com você, tanto faz é resposta?
- Tudo. É que eu estou um pouco rouca.
- Resfriada?
- Por falar muito é que não é. Vivo aqui nessa solidão, sem ver ninguém.
- Só falta um fundo musical de violinos...
- Você pensa que minha vida é fácil, fechada nesse apartamento o dia inteiro?
- Mãe, eu conheço você. Mal pára em casa, está sempre na rua, dirige, tem carro, não sai do cinema.
- E você queria que eu vivesse trancada?
- Qual a razão desse mau humor, está mesmo gripada?
- Qua nada, não sei o motivo dessa rouquidão besta.
- Então o que é?
- Um pouco preocupada?
- Com o que? Fala logo.
- Eu só me preocupo com meus filhos e netos.
- Comigo não há de ser, estou em casa, deitado em minha cama.
- Sua irmã é maluca!
- Isso eu sempre soube.
- Viajaram para a praia nesse fim de semana.
- Eles viajam o tempo todo.
- Acabaram de sair para o Rio, pela Rio-Santos.
- Qual o problema, estão em férias?
- A Joana e a Manu queriam ver alguma coisa do Pan, compraram ingressos para a final feminina do basquete. Eles sempre fazem as vontades das meninas, ainda vão estragar as coitadinhas.
- Que programa bacana!
- Você é louco?
- A Mariana maluca, eu louco, só faltou o Rogério.
- Ele é débil mental...
- Você está bem de filhos.
- Não é culpa minha.
- Mas qual o motivo da preocupação?
- Você sabe que eu não gosto deles por essas estradas.
- Seria melhor se fossem de avião, saindo e voltando para Congonhas?
- Aí eu internava todos.
- Então qual é problema?
- Logo no Rio? Lá é tão perigoso...
- Mãe, você é carioca, nunca imaginei ouvir isso.
- Nem eu queria ter que dizer.

sexta-feira, julho 20, 2007

My Favourites!

Gosto desse tipo de brincadeira. O amigo Adelino, do Mais Ou Menos Nostalgia, pediu-me que revelasse os cinco livros que mais me agradaram. Depois deverei escolher cinco amigos que terão o mesmo trabalho. Para mim é diversão. Nada é capaz de mobilizar-me mais. Meu entusiasmo pela leitura só faz aumentar, virou espécie de febre. Mergulho no assunto sempre com prazer renovado. Vamos lá!
*
A Montanha Mágica - Thomas Mann
Li o livro em fase importante de minha vida, ainda jovem. Era momento de estabelecer valores, encontrar referências, crescer como indivíduo. A história de Hans Castorp, combatendo solitário nos Alpes suiços uma tuberculose, desligando-se gradativamente do tempo, da carreira e da família, misteriosamente atraído pela doença e morte, fascinou-me. A crescente introspecção do rapaz, fez-me compreender e aceitar que a solidão muitas vezes era necessária. Os ideais liberais e conservadores, evidenciados e discutidos na obra, ajudaram em meu posicionamento. É muito difícil explicar uma paixão, declarar de bate-pronto qual a melhor experiência, mas aqui não tenho dúvida, foi a leitura que mais me impressionou. Até por ser sempre a primeira que conscientizo quando me fazem essa pergunta.
*
Guerra e Paz - León Tolstói
Costumo recordar onde estava, o que fazia, o que senti ao ler um livro que me foi importante. Talvez pela força da emoção. Cresci ouvindo falar desse "tijolo". Meu pai sempre foi um entusiasta da literatura russa. A alegria dele, quando me viu interessado por essa história de duas famílias durante as guerras napoleônicas, encheu-me de coragem. Enfrentei a empreitada com muita disposição. Passava férias em Itanhaém, na praia, casa de amigos. A noitinha sempre me encontrava na varanda, esparramado em uma rede, o vento acalmando minha pele queimada de sol, virando o número interminável de páginas. Completamente apaixonado por Natasha Rostova, personagem maravilhosa, concluí o romance. Final das férias de fim de ano.M
*
Em Busca do Tempo Perdido - Marcel Proust
Encontrei em Proust o detalhe, a surpresa ante o bem escrito, o entendimento dos limites que o ato de escrever podia atingir. Nenhum outro escritor me fez prestar tanta atenção nos cenários, no entorno, na força que a descrição podia ter. Nele, a sofisticação e o evidente esnobismo, sempre me pareceram completamente adeqüados, inseridos em um contexto delicioso. Sempre que me imagino aposentado, podendo ficar tranqüilamente lendo, é a obra que tenho nas mãos. Imagino meu fim relendo Proust.
*
Orgulho e Preconceito - Jane Austen
Acho divertida a maneira como muitos se referem ao texto. Não é, tenho a mais forte convicção, apenas uma história de amor. São muitos os aspectos que poderiam ser discutidos. O livro mereceria uma leitura mais cuidadosa. Os afoitos, certamente, mudariam de opinião. Para mim, sempre interessado nos aspectos humanos e nas relações entre as pessoas, fica muito marcada a lição que Elizabeth, a heroína, uma das cinco filhas dos Bennet, nos ensina. Ao evidenciar que a primeira impressão nem sempre é a mais certa, amplia nossos horizontes. A pressa no julgamento pode nos levar a erros. Aqueles que num primeiro contato despertam nossa antipatia, nem sempre são o que achamos.
* E*
A Sombra do Vento - Carlos Ruiz Zafón
Não poderia deixar de falar sobre alguma coisa lida mais recentemente. Estrondoso sucesso de vendagem, ambientado na Barcelona franquista da primeira metade do século XX, é ao mesmo tempo poético e irônico. Fiquei preso praticamente do início ao fim da leitura, interessadíssimo nas aventuras de Daniel, às voltas com o cemitério dos livros esquecidos. Recomendo!
*
Para completar a brincadeira indico os amigos:
A Vida Em Palavras - Alena Cairo
Sturm Und Drang! - Denise Rangel
Infinito Positivo - Ery Roberto
ontanha

quarta-feira, julho 18, 2007

A Complete Disaster

Trabalho em uma empresa que presta serviços na área de informática para um banco. Uma das coisas mais importantes nessa área, e estou no ramo há cerca de trinta anos, é analisar os riscos. Tudo o que puder ser feito para que os desastres não aconteçam, deve ser cuidadosamente elaborado. Sabemos que os problemas ocorrem basicamente por dois motivos: mudanças mal planejadas e ausência de manutenção preventiva. Toda uma estratégia tendo como foco essas duas variáveis, está no cotidiano de quem trabalha com IT (Information Technology). As autorizações para que os ambientes sejam modificados são dadas após farta documentação, rigoroso estudo, processos que o tempo vem apurando, melhorando, tornando cada vez mais precisos. Basicamente não se mexe em nada sem que a direção da companhia entenda a razão daquela solicitação e permita. Sempre nas madrugadas de sábado para domingo, quando a utilização dos sistemas é menor. A razão presente no coração de todos é preservar o ambiente para o cliente do banco. Aquele que tem conta na instituição merece todo o respeito do mundo, é a razão de nossa existência pois paga, em última instância, nossos salários.
O governo desse país não nos vê do mesmo jeito. Nossas vidas há muito deixaram de ser importantes, se é que algum dia foram consideradas. Não consigo entender como permitem o uso de um aeroporto como o de Congonhas. Colocar a existência de pessoas em cheque, diariamente, sem a menor possibilidade de defesa, é de uma irresponsabilidade ignóbil. Não há carinho, nem consideração, por quem vota e paga os impostos. A falta de amor pelos brasileiros é de uma crueldade com a qual, cada vez mais, tenho dificuldades em conviver. O povo é um estorvo que precisa ser enganado, ludibriado, calado. Que se explodam os aviões, percam-se todas as balas em peitos inocentes, chorem lágrimas até que sequem. Os mortos não podem vaiar.

sexta-feira, julho 13, 2007

Jogging

Cresci em casa onde se abominava o esporte. Meu pai, uma das pessoas de hábitos mais sedentários já vista, fumante inveterado, dizia ser o esporte coisa de gente burra. Precisei impor-me para ser diferente. Eram outros tempos. Não havia o respeito pela atividade física existente hoje. Provavelmente, se passássemos por alguém correndo ao ar livre, acharíamos singular, tomaríamos o indivíduo por louco. Freqüentemente, quando me via saindo para jogar futebol o velho, sarcástico, questionava-me sobre se já ia machucar-me. Tudo por conta de uma ruptura de ligamentos no tornozelo sofrida em ocasião jamais perdoada.
Gosto de corridas de rua. O esporte oferece-me dois prazeres, desafia-me estabelecendo limites a serem vencidos a curto prazo, coloca-me em contato próximo com pessoas que têm o mesmo objetivo. Quem nunca participou de uma dessas provas não pode imaginar o quanto são divertidas. Há nelas um clima de afabilidade não encontrado facilmente. Todos ajudam-se, incentivam-se, preocupam-se verdadeiramente com quem está ao lado, cúmplices. Os mais velhos declaram sua respectivas idades como troféus, orgulhosos de si próprios. Ouve-se muita risada, comentários sobre provas anteriores, estranhos conversam como se fossem amigos.
Uma das provas mais bacanas é a São Silvestre. Por tudo que a envolve: dificuldade do percurso, quantidade de participantes, calor intenso e data. Considero a mais charmosa de todas e dificilmente perco a chance de disputá-la.
O frenesi da largada é diferente. A excitação, comum no início de todas as corridas, vai num crescente quase insuportável. Quando chega o grande momento, e soa a sirene liberando a turba, explodem músculos e pernas em movimentos outrora represados, agora livres. O sentimento de euforia e felicidade é quase tangível. Gente dos mais variados tipos, muitos fantasiados, iniciam 15 quilômetros de sacrifício. Amanhã o ano será novo.
*
Subindo a Brigadeiro Luiz Antônio encontro-me em dificuldades. Meu poder de negociação está quase esgotado. Aquela vozinha interior, imperativa, emudeceu. Já não consegue manter-me repetindo os movimentos, continuar, perdeu toda autoridade. O corpo dói-me inteiro. Levanto a cabeça, vejo a subida que ainda falta. Desanimo, começo a caminhar. Ouço então um grito. Uma senhora idosa salta da calçada, muito séria, sacodindo-me pelo braço cheia de razão:
- Você está louco! Se já chegou até aqui continue, a Paulista está pertinho.
Sou preenchido por uma força anônima. Reinicio o galope entre o agradecido e envergonhado. Não paro mais. Atinjo a mais bonita das avenidas feliz, cruzo a chegada correndo, baixando o tempo do ano passado. É tudo o que planejei. Sinto-me o mais inteligente dos homens.

terça-feira, julho 10, 2007

Punk Baby

Estação Trianon do metrô, hora de voltar para casa. Caminho cabisbaixo carregando o dia difícil nas costas. Ouço a campainha chamando assim que deixo a escada rolante. Corro e pulo dentro do vagão, a porta fecha-se atrás de mim em um estrondo mal educado, já não as fazem como antigamente. Respiro fundo, recomponho-me, equilibro-me desengonçado depois que o carro arranca. Ao meu lado um ser estranho. Pele escura coberta de tatuagens, brincos nas orelhas e nariz. Os pêlos ralos do rosto, escondidos, foram substituídos por desenhos sem nexo. Falsas costeletas azuis torneadas em arabescos entrelaçados descem quase até o queixo. Uma lágrima negra, fixada para sempre, posicionada abaixo da pálpebra direita, dá um ar triste e divertido ao indivíduo. Responde alguma coisa à mulher que o acompanha. Conversam cúmplices embalados pelo balanço morno da condução, pendurados. A enorme pena colorida enfiada nos cabelos da moça dá-lhe um ar apache, saia comprida e blusa curta, umbigo com pingente à mostra, dizeres escritos nos braços e pernas. Feitos um para o outro. Surpreendentes. Nisso um grito fino de criança vem quase do chão. Baixo os olhos curioso, ainda não tinha reparado naquele detalhe. Em um carrinho prosaico o menino novinho ri olhando o pai que lhe faz um agrado, anéis em todos os dedos, carinhoso. Os cabelos, cuidadosamente penteados e coloridos, formam enorme crista engomada. Mal contenho a vontade de rir. O bebê é punk.

sexta-feira, julho 06, 2007

Vinicius de Moraes

"São demais os perigos desta vida
Pra quem tem paixão principalmente
Quando uma lua chega de repente
E se deixa no céu, como esquecida
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher..."
*
Encontrar gente famosa às vezes me confunde. É difícil separar as lembranças. Aumenta com os anos a minha dificuldade em distingüir lendas da realidade, o prensenciado do ouvido, a memória pregando-me peças o tempo todo. Freqüentemente sou corrigido por pessoas afirmando não ter aquilo acontecido, provavelmente ciladas de uma vocação para ficcionista. Encanto-me com histórias muitas vezes irreais, altero-as de maneira tênue à cada repetição, acabo transformando-as em verdades convenientes à minha imaginação.
Tenho quase certeza de ter conhecido Vinicius de Moraes na casa de Jorge Amado, em Salvador, no verão de 1978. O poetinha era sujeito afável, mais para o gozador, forte sotaque carioca chamando-me a atenção. Aos quatorze anos, fã incondicional do artista, fui incapaz de falar muito. Fiquei observando de longe, basbaque. Percebi o carinho com meu pai, admirado. Conheciam-se?
As meninas do meu tempo gostavam de poesias. Cedo percebi que recitá-las poderia ser um diferencial. Sabia de cor, por exemplo, a parte falada do Samba da Bênção. Era comum, ao tocarem a música, pedirem para que eu dissesse as palavras. Conquistei, com Vininha ao meu lado, algumas mocinhas.
Mais tarde, um pouco mais velho, após sua morte, escrevi e dirigi um show em homenagem a ele. Coisa de menino apaixonado, inconsolável com a perda prematura. Ainda hoje recordo a emoção que senti, no clube Paineiras do Morumbi, ao ver meus amigos cantando no palco.
Certa vez papai esteve na casa do poeta. Quando tocou a campainha, foi recebido por um cão São Bernardo enorme, vindo lá de dentro latindo. Vinicius, atendendo, pediu ao bicho que se calasse:
- Quieto, Graciliano!
O velho estranhou:
- Puxa, Vinicius, você pôs o nome do meu pai no cachorro?
Rindo, ele respondeu:
- Você conhece melhor nome para um São Bernardo do que Graciliano?
No próximo dia 9 de julho não irei trabalhar, farei feriado. A maioria aqui em São Paulo estará comemorando o dia do Soldado Constitucionalista. Eu, um pouco rebelde, prestarei homenagem a Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes que, aos nove anos de idade, pressentindo o poeta que seria, foi com a irmã Lygia ao cartório na Rua São José, centro do Rio, e alterou seu nome para Vinicius de Moraes.
*
Vinicius de Moraes: 19/10/1913 - 09/07/1980

segunda-feira, julho 02, 2007

Sete Maravilhas da Blogosfera

Fui homenajeado pelos amigos: Mário, Cris, Marília, Vivien, Aninha e Valter com o prêmio Sete Maravilhas da Blogosfera. Agradeço a todos o carinho que me dão. Pelo regulamento do concurso devo fornecer minhas sete escolhas, o que sempre me é difícil. Vamos lá:
Abraços a todos.

quarta-feira, junho 27, 2007

My Old Flame

Sentada em um canto escuro do bar, mesinha redonda, cadeira confortável, Luana sorveu um grande gole. O uísque desceu arranhando um pouco, trazendo um imediato anestesiar dos sentidos. Gostava de bebidas fortes, embora raramente tivesse contato com elas. No fim acabara sozinha. Prestou atenção na letra da música estranhando um pouco, não tinha hábito de ouvir jazz.

My old flame
I can't even think of his name
But it's funny now and then
How my thoughts go flashing back again
To my old flame

Saudade. Sentiu-se nostálgica, acendeu um cigarro e aspirou profundamente soltando a fumaça em rodelinhas, quase brincando, aproveitando para suspirar. Um leve formigar tomou-lhe o corpo. Por onde ele andaria?

My old flame
My new lovers all seem so tame
For I haven't met a gent
So innocent or elegant
As my old flame

Pensar nele sempre a deixava daquele jeito. Mole. Ou seria o álcool? As narinas dilataram-se imediatamente trazendo aquele cheiro másculo, agora só memória. Por onde andaria desde que fugira? Olhando distraída o anular direito, percebeu que a marca da aliança sumira. Apenas o amor ficara tatuado, escondido no coração.

I've met so many men
With fascinating ways
A fascinating gaze in their eyes
Som who sent me up to the skies
But their attempts at love
Were only imitations of
My old flame

Ouviu as últimas desculpas declaradas entre lágrimas, antes do levantar da cama, do virar de costas. Manhã terrível de inverno. A palavra compromisso ficou ressoando, misturando-se aos acordes cantados por Billie Holiday. O medo de assumir declarado, o fim do noivado exigido, a juventude como desculpa. Muito cedo, ainda.

I can't even think of his name
But I'll never be the same
Untill I discover what became
Of my old flame

Talagada. Lembrou-se dos olhos cinza onde viajava, mordeu um pedaço de gelo. Nunca mais foi a mesma. A imagem de Juliano apareceu-lhe. Jogou os cabelos para o lado como que afastando a idéia.

My old flame

sábado, junho 23, 2007

E-Books

Muita gente já me disse que é quando trabalho para crianças que meu texto é melhor. Não tenho opinião à respeito. Embora me considere autor infantil em primeiro lugar gosto, cada vez mais, de passear por outros gêneros.
Há algum tempo vinha me cobrando colocar no blog links para os livrinhos eletrônicos que escrevi para o Site Brincando na Rede. Finalmente lembrei-me de fazê-lo. A idéia do site, patrocinada pelo Banco ABN Real, é muito bacana. Muitos escritores importantes infantis escreveram para ele. A experiência é extraordinária na medida em que proporciona contato direto com as crianças. Os capítulos são publicados quinzenalmente. Durante os intervalos recebemos sugestões de meninos e meninas que acompanham as histórias com o maior entusiasmo. É comum alterarmos os rumos planejados em função dos palpites dados. É sempre divertido, rico, freqüentemente emocionante. Ter escrito essas três historinhas foi experiência maravilhosa para mim.