terça-feira, novembro 27, 2007

Chatting

- Você tem mania de querer saber se acredito ou não em Deus. Sou mais agnóstico que ateu. Completamente descrente? Fico em dúvida. Deus existe? Ainda não vi a prova.
- Você reza ou não?
- Não. Aliás acho essa coisa de religião insuportável.
- Acho estranho alguém não querer saber de onde vêm as coisas.
- Fiz primeira comunhão. Era difícil ficar fora de uma festa em que todos da classe iam.
- Então você foi batizado?
- Fui. Acho que por influência de minha avó materna. Pela vontade dos meus pais não seria.
- Quando olho as coisas, não consigo deixar de pensar na origem delas.
- Que puta onipotência! Tudo tem que ter explicação...
- É errado ser curioso?
- Não. Mas por que eu tenho que ser igual a você? Sei que é chegado em missa e respeito. Só que é um ritual que não tem nada a ver comigo.
- Me sinto bem lá. Você é meu amigo, quase um irmão, queria que estivesse comigo.
- Só que quando penso em Deus, nas raras ocasiões em que penso, imagino um ser superior.
- Eu também...
- Sem vaidade...
- É claro que não tem.
- E o que é a missa senão um rito de exaltação?
- Mas não foi Deus que exigiu que o festejássemos. Foi o próprio homem que interpretou as palavras da Bíblia e decidiu fazer como é hoje.
- Só que eu ainda não li a Bíblia. Provavelmente estou errado, mas acho que os cultos católicos, protestantes, etc., são uma exigência de um Deus vaidoso, que não aceito.
- Você não sabe do que está falando.
- Concordo com você, talvez não saiba mesmo, mas é assim que sinto. Quando penso em Deus, imagino que não preciso me preocupar com ele. Basta saber viver em sociedade. Ser decente, ético, não prejudicar os outros. Se me comportar assim, e se ele existir, vamos nos encontrar no céu sem dúvida.

terça-feira, novembro 20, 2007

Cry Baby Cry

Eu não gosto das causas coletivas. Grupal nem sexo é do meu agrado. Não assino manifestos, participo de blogagens, ou saio em passeatas. Me preocupo muito pouco com quem não conheço, bem menos do que com as contas que tenho de pagar no fim do mês. Nunca fui dado a benemerências, não dou esmolas, vivo, portanto, completamente por fora da moda. E estou me lixando para isso. Embora, como qualquer ser humano, também me sinta culpado quando vejo miséria, acabo me lembrando que pago meus impostos, e que é obrigação de quem os cobra cuidar dos pobres. Não preciso participar de ONGs, meu currículo dispensa enfeites ou penduricalhos. Quando alguma coisa me incomoda escrevo sobre ela, como estou fazendo agora. É minha forma de pertencer ao mundo. E assim vou tocando meu barco, de preferência sozinho, gosto de ser solitário, não solidário. Embora haja quem me considere generoso, juro que não é de propósito.
*
E aos que vivem chorando pelos outros, proponho um choro geral. Eu faria esse sacrifício para ficar fashion. Resolveríamos, talvez, mais um problema em voga, ligado à ecologia, o da falta de água. As lágrimas encheriam os rios, trariam mais chuva ao evaporarem, limpariam com seu sal a sujeira das calçadas, alterando o clima para melhor. A terra se purificaria pela dor do povo. Não seria lindo? Choro eu, chora você, choram todos. E nada de chororô. Teria que ser pranto abundante, carregado, enxurrada brotando dos olhos. E depois de tudo despoluído viria uma enorme calma. Chorar faz bem para os nervos. Contribuiríamos, por tabela, para a causa do controle da violência. Não é uma boa proposta? Cry baby cry.

segunda-feira, novembro 12, 2007

By Bus

Sempre gostei de andar de ônibus. É quando a vida na cidade grande parece caminhar com menos pressa. Do ângulo superior em que nos encontramos, a paisagem parece espalhar-se preguiçosa, perdida no trânsito pesado, as pessoas vistas da janela, lá em baixo, passando quase em câmara lenta. Embalado nesse frear e acelerar, balanço dolente, para frente e trás, sinto o mundo acomadar-se em rítmo mais justo, normal.
Depois de ter ido morar perto do trabalho, quase vizinho ao metrô, perdera esse hábito. Agora, trabalhando um pouco mais distante, recuperei esse prazer. Voltei a ouvir as pessoas, observando os dizeres com a velha curiosidade. Nada mais fascinante, para mim, do que analisar pensamentos quase diferentes. Esse contraste entre o que é dito no silêncio apertado e espremido da condução, semelhante sentir de toda gente mas, ao mesmo tempo, particular na inflexão da voz, maneira de expor, semi-tons de emoções, me fascina. Ali, anonimamente perto das pessoas, conheço melhor o universo que imagino ser meu: o gênero humano.
Hoje falavam do feriado que se aproxima. Brincavam, é claro, os dois rapazes. Um, assumidamente negro, celebrava. O outro, gozador, loiro, explicava que iria trabalhar. A dele, dizia, era branca. E seguiam amigos, conversando, rindo, felizes com o dia de folga. Difícil explicar que haja uma data em homenagem à consciência, tenha ela a cor que tiver.