quarta-feira, setembro 27, 2006

Elections

Domingo estaremos votando. Falei pouco nesse blog sobre eleições. Não considero o espaço local apropriado para propaganda eleitoral, por isso procurei estar distante do assunto.
O voto nulo merece especial atenção de minha parte nesses poucos dias que antecedem o pleito. Cada eleição tem particularidades diferentes, agora não seria diferente. Votar nulo tem muito pouco da conotação de protesto que se pretende dar. Tanto pela característica especial da escolha feita eletronicamente, como pelo fato de ajudar, no final das contas, o candidato que estiver na frente, ao reduzir a quantidade de votos válidos.
Antigamente, quando o voto era de papel, anulava-se com mais propriedade. As pessoas votavam no Guevara, no rinoceronte Cacareco, escreviam palavrões, reclamavam de alguma coisa, mostravam a indignação por escrito. Mais tarde os jornais comentavam, informavam quem tinha sido mais votado ao se inutilizar a cédula, faziam interessante análise sobre aquele processo de rejeição pelo povo. Agora o anulamento é apenas um sinal eletrônico, um número a mais na estatística. Pode significar tanto inabilidade na hora da escolha, como a pretendida revolta com o estato das coisas. Merece, porém, uma análise mais profunda.
Existem, hoje em dia, inúmeras maneiras de se protestar. Escrever em blogs, fundar comunidades na Internet, fantasiar-se, enviar mensagens, tudo isso funciona melhor e mais rápido.
As eleições em dois turnos, em qualquer lugar do mundo onde são adotadas, caracterizam-se por um mandato, um plebiscito no meio, e um segundo mandato ou não. Tudo muito simples e morno. É como deveria ser por aqui, se as circunstâncias do primeiro mandato não fossem tão negativas. De qualquer maneira é o que acabará sendo. O povo dirá sim ou não à continuidade.
O que acho mais estranho, é que os que prometem anular o voto, enojados com tudo o que aconteceu, com toda a razão por sinal, esquecem desse importante detalhe. No fundo temos apenas um plebiscito. Ou damos aval à continuidade, ou não. O voto nulo, pelas especiais circunstâncias, equivale a um sim, a um novo mandato. No final das contas, votar no atual presidente ou anular o voto, é a mesma coisa.

quinta-feira, setembro 21, 2006

Driving Me Mad!

Encontro logo pela manhã um colega que trabalha comigo. Vem cabisbaixo, andar vacilante, parece estar triste. Pergunto o que há. Diz que não tem nada, já fez todos os exames possíveis, o médico diagnosticou stress. Respiro fundo. O ar também me falta.
Difícil viver nesse mundo que se transforma para pior. Aparentemente os valores, tudo o que era importante, está deixando de ser.
Roubar passou a ser normal. Princípios éticos, que nos permitiam decidir sobre o caráter das pessoas, tornaram-se detalhes pequenos. Ninguém deixa de gostar, valorizar, dar-se com alguém, só por que o fulano tem conduta inadeqüada, bobagem. Dos humildes ao presidente tudo é permitido. Justificamos qualquer ato, há sempre explicação plausível.
Se alguém fala ou escreve alguma coisa que ofende, foi mal interpretado, que se queixe ao papa. O namoro de celebridades na praia vira escândalo, invadimos privacidades sem o menor pudor. Abrimos fronteiras à concorrência desleal. Produtos industrializados são vendidos ridiculamente baratos, serviços de tecnologia são importados. Terceirizamos, quateirizamos, danem-se as empresas, os empregados, o acionista é quem manda. Crescem os planos de demissões voluntárias.
Brincamos com os sentimentos das pessoas e dos animais. Inventamos gatos antialérgicos, braços mecânicos ligados ao cérebro, transplantamos rostos, consumimos pílulas diversas. Fabricamos milagres em série, quase deuses. Divinamente loucos e infelizes.

terça-feira, setembro 19, 2006

Talking About Politics

Outro dia falei sobre a dificuldade em se escrever sobre alguns temas. O exemplo que dei foi amor. Nada do que se fale à respeito será novidade, quase tudo já foi dito, o que faz do assunto um risco permanente para quem se aventurar nele. Fatalmente estará fadado à repetição, dificilmente conseguirá ter o mérito da originalidade, reexibirá certamente velhas fórmulas.
Tenho tentado ficar de fora dos papos políticos por causa disso. Em vésperas de eleições ouve-se de tudo o tempo todo. As pessoas comentam, discutem, exaltam-se, sempre convictas da melhor opção. E são tantos os argumentos, tão amplas as justificativas escritas e faladas, que sobra muito pouco espaço para quem quiser participar desse delírio opiniático. Preferi, até agora, meio agastado, ausentar-me desse processo.
Desisto de me abster, porém, prometendo ser breve. Apenas para não deixar em branco o momento, nem o voto.
Tenho andado meio ressabiado. Darão novo mandato ao Lula, ao que tudo indica. Nada mais fora de propósito, injusto, descabido. Self-punishment. Um erro que se repetirá, castigando-nos por mais quatro anos. Auto-agressão. Embora seja otimista e não tenha ainda perdido a esperança, arrepio-me com essa possibilidade cada dia mais provável. Difícil ficar do lado do povo.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Stone-Blind

Ainda não tinha tentado pegar o metrô naquele horário. Quando cheguei na plataforma assustei-me com a quantidade de pessoas. Um certo sentimento claustrofóbico, que me invade nessas ocasiões, me fez relutar. Diminuí a velocidade dos passos, imagininando-me num daqueles vagões, transportado feito carga, apertado, abafado, suando. Antevi, infeliz, o mergulhar na escuridão dos túneis. Diabo!
Resolvi criar coragem. Pouco tempo disponível, acabaria me atrasando. Respirei fundo e entrei na fila. Aproximou-se uma senhora gorda, quadris enormes, tateando com uma bengala, completamente cega. Como acontece sempre, imediatamente, encontrou ajuda. Uma outra mulher, mais jovem, ofereceu-lhe o braço. Passaporte para o céu, pensei. Ficaram paradas, espremidas atrás de mim. Quando chegou o trem, em poucos segundos, fomos arrastados para dentro do carro mais próximo, sem nenhum esforço, submetidos à vontade da turba atrás de nós. E assim partimos.
- Qual o número da porta? - perguntou a deficiente visual.
- Como assim? - murmurou a santa.
- A porta, qual o número dela? - gritou a gordona.
Incrível como falava alto. Ante o inusitado da pergunta, fez-se um silêncio constrangedor. A acompanhante tentou outra vez, educada:
- Não entendi, não existe nenhum número.
Brandindo a bengala, irritada, olhos vazios parados, repetiu:
- Como você é capaz de não saber o número da porta? Não contou?
A outra, no mesmo tom, franzindo o cenho, respondeu:
- Para quê? Existem muitos vagões, muitas portas...
- Hora, para saber onde está, para enxergar onde ir, você parece boba!
Cada vez mais irritada, e menos santa, a mulher se transformou:
- Não sou boba, nem cega, não preciso contar as portas para saber onde descer.
Não se ouvia um pio no vagão.
- Não é cega, mas parece! - cuspiu a senhora, chacoalhando a bengala.
A outra, que era do bem, tentou se afastar, retirando o braço, não havia, porém, espaço. Seguiram juntas na estação final, no meio da multidão.

terça-feira, setembro 12, 2006

Sustentability

Confesso a minha dificuldade com algumas palavras. É incrível a facilidade com que certos termos são adotados e, rapidamente, repetidos diariamente por todo mundo. A moda investindo na linguagem, sem cerimônia. Não fosse esse evidente esforço em parecer moderno, mais do que entender os conceitos emergentes, até que aceitaria de bom grado. Nada contra. O idioma é um organismo vivo e dinâmico. Incorpora excentricidades, atualiza-se, sempre criativo na tarefa de acompanhar o que é novo.
Há algum tempo venho reparando no uso que se dá ao termo sustentabilidade. Na ânsia de saírem bonito na foto, pessoas e empresas declaram-se comprometidas com essa filosofia. São porque são, completamente ignorantes do que afirmam ser, cegos no que tange ao real significado do discurso. Misturam sustentabilidade com desenvolvimento sustentável. Confundem sustentabilidade com sustentabilidade ecológica, alegremente superficiais.
Se não estivesse, na minha opinião, frente a frente com um conceito tão importante e bonito, deixaria barato. Estamos falando em prover o melhor para as pessoas e para o ambiente hoje, e no futuro indefinido, com a preocupação voltada para a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana. Temos portanto um conceito sistêmico que precisa ser compreendido e nunca banalizado. Será que as companhias que se declaram pela sustentabilidade defendem empreendimentos: ecologicamente corretos, economicamente viáveis, socialmente justos e culturalmente aceitos? Duvido.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Food For Tought

Caetano é sem dúvida um cara instigante. Além do trabalho que realiza há anos como compositor e cantor, diz sempre alguma coisa que nos faz pensar. Certo ou errado, estimula o debate. Essa qualidade é para mim relevante, próxima das outras já citadas, as de artista.
Li recentemente seu comentário sobre a quantidade excessiva de canções. Será que haveria um limite? Poderíamos atingir um dia o estado de saturação? Estaremos fadados ao fim do novo?
Não pude deixar de me arrepiar com a afirmação. Lieratura, música, pintura, todas as artes, estariam fadadas ao fim. Os críticos e os próprios artistas decidiriam, em algum momento, que o melhor já havia sido criado. O novo seria considerado falta de modéstia, pretenção, ultraje à beleza já produzida. Ninguém mais escreveria versos como:
E quando eu me vi sozinho, vi que não entendia nada
Nem de pro que eu ia indo nem dos sonhos que eu sonhava
Senti apenas que a mala de couro que eu carregava
Embora estando forrada fedia, cheirava mal
É o que acho desse pensamento. De alguma forma fede, cheira mal.

quarta-feira, setembro 06, 2006

The World We Live In

Ontem bateram no meu carro. Não sou desses que os tratam como gente. Tenho uma colega no trabalho, tão alucinada pelo seu veículo, que gasta uma caixa de cotonetes para lavá-lo. Costuma dizer que é para limpar as dobrinhas do meninão, um Honda Civic preto.
Automóvel para mim é condução. Sujeito a pancadas, arranhões, roubos, por isso pago o seguro. Quando é necessário mando arrumar o mais rápido possível considerando, por experiência própria, que amassado chama outro amassado, e toco o barco para frente.
Ia tranqüilamente pela alameda Santos, na faixa mais à esquerda, quando a motorista que dirigia um pouco mais adiante, resolveu trocar de pista, passando para a minha. Não deu tempo de evitar totalmente o acidente. O paralama dianteiro direito foi tocado.
A moça parou, desceu, olhou o estrago, pediu muitas desculpas, educada, e me deu o cartão de um funileiro. Disse que era pessoa de confiança dela e que cuidaria muito bem do meu caso.
Hoje estive no endereço marcado. Atendeu-me um senhor bastante simpático. Contou-me que a Dra. Estela já havia telefonado e avisado que eu passaria por lá. Pedi um orçamento, querendo saber em quanto ficaria o conserto. Mudou de assunto, acertaria mais tarde com a menina, de quem conhecia a familia, pessoas de bem. Disse que ela freqüentava a oficina desde criança, acompanhando o pai, antes de tornar-se excelente dentista.
Combinei deixar o carro segunda-feira e apanhá-lo quarta, na hora do almoço. Dois dias e meio andando, paciência.
É sempre bom gostar de gente. O mundo fica melhor quando percebemos que podemos nos surpreender positivamente com as pessoas.