sexta-feira, dezembro 29, 2006

Telling The Truth

Tenho respeito por jornalistas, são as antenas de nossa sociedade. Investigando, denunciando, cobrindo o que acontece no mundo tornam-se, de certa forma, garantia de que o escuso perderá, ou pelo menos não vingará por muito tempo. Com eles, sob essa ótica, temos existência segura. Haverá sempre mídia salvadora capaz de deter abusos. Considero, portanto, fundamental que exerçam absoluta liberdade de expressão. Prefiro vê-los dizendo besteira a calados.
Isenção é o instrumento de credibilidade mais adeqüado ao profissional da notícia. Não há como acreditar por muito tempo em quem tende sempre para o mesmo lado. Até porque, na minha opinião, o olhar de quem relata deveria ser o mais afastado possível dos fatos, nunca interferindo. O exemplo clássico, e mais discutido, refere-se ao caso Watergate. Teriam os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, funcionários do Washington Post, atuado de maneira correta? Até que ponto, ao participarem dos acontecimentos, tornaram-se parte deles? É óbvio que houve aí mistura pouco recomendada. No afã de pesquisar os rapazes dirigiram os acontecimentos de maneira tal, que tornaram-se parte do embrulho.
Não gosto de jornalistas que marcam território, vestem camisas, têm idéia fixa. O esporte é pródigo desses senhores. Como ler ou ouvir os cometários dos corintianos Chico Lang e Juca Kfouri (a quem respeito), ou do santista Mílton Neves, sem ficar com um pé atrás? Tenho sempre a impressão de que por trás dos relatos, ou conclusões, está o torcedor defendendo os interesses do clube. O terreno da política também inspira cuidados. Já ouviram Carlos Chagas? Tentem. Não demorarão muito a perceber a obsessão do analista por Fernando Henrique. Dará sempre um jeitinho de passar pelo ex-presidente, esculhambando-o.
Talvez tudo seja bem mais simples do que tenha tentado dizer. O compromisso do jornalismo de qualidade deveria ser com a verdade.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Harry Potter

Os leitores mais assíduos desse blog já devem ter percebido minha admiração por Harry Potter. Estendo o sentimento a J. K. Rowling, a bruxa que o criou. Só mesmo a magia imaginativa da escritora, que não é muggle, seria capaz de nos presentear com leitura tão fantástica.
Vem aí o sétimo e último volume, parece até que já tem título: "Harry Potter and The Deathly Hallows". E como tudo que se relaciona ao universo da série, antes mesmo de ser editado, o livro provoca discussões. Especula-se que o jovem mago será morto. Daniel Radcliffe, o ator que cresceu representando o amigo de Hermione e Ron, já emitiu sua opinião aos tablóides inglêses. Por ele o final seria mesmo esse, já que detesta histórias com finais sentimentais e piegas. O que me pergunto é se ele já leu alguma coisa na vida.
Vivemos época difícil, em um mundo onde o mal impera. A violência, espécie de Lord Voldemord de saias, aparece soberana sobre os mais diversos disfarces: guerras, disputas religiosas, lutas de classes e crimes. Diariamente contabilizamos as mortes provocadas por homens bombas, tráfico de drogas, diferenças sociais, as mais variadas desgraças. Até a natureza, vingativa, volta-se contra as feridas que lhes proporcionamos retaliando com: inundações, maremotos, terremotos, tsunamis, furacões, secas prolongadas, nevascas, sangrentas intempéries com requintes de perversidade.
Sei, por experiência própria, que muitas vezes as personagens têm vida própria, dominando seus criadores. Mas será que não poderíamos suportar, nem que fosse só em ficção, o bem vencedor? No meu tempo de criança histórias infantis tinham final feliz. Por mim Harry Potter aniqüilava o malévolo, arranjava uma namorada e vivia feliz para sempre com sua varinha de condão. Qualquer outra solução seria vitória do mal, que já vem ganhando tudo e sempre. Muito injusto e previsível.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Burning Hot Weather

Quem é que agüenta uma temperatura dessas? Varo as noites despido, o ventilador zunindo, e acordo grudado de suor. Pela manhã, mal saio do banho, sinto-me encharcado antes mesmo de vestir o terno. São Paulo já foi a terra da garoa. Era fresquinho por aqui, clima ameno, podia-se trabalhar engravatado sem maiores problemas. Agora é esse inferno, essa África, verdadeiro deserto de concreto. A impressão que tenho é que piora a cada ano. Um grau aqui, outro ali, caminhamos para o derretimento total. Na próxima década, do jeito que vamos, estaremos todos liqüefeitos.
Eu quero a minha camada de ozônio intacta de volta! Andar sentindo o vento frio no rosto. Subir os ombros e aquecer as orelhas no cachecol. Tomar um chá fumegando e me perceber aquecido, reconfortado. Dormir abraçado com a patroa, parar de me esgueirar na cama horrorizado ao menor contato febril, corpos em fogo. Morro por um mundo de sombras e água fresca, longe desse sol que me persegue, se intromete, inunda tudo dessa claridade morna, pegajosa, espécie de mau hálito em três dimensões. Desejo a compostura de um dia de inverno. Roupas sóbrias e pesadas. Poder tirar os óculos escuros sem franzir a testa. Calor não é comigo. O tempo, como tudo nesse mundo, enloqueceu.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Boxing Day

Diferentemente do velho Noel, não tenho mais saco para o Natal. Felizmente chegamos ao dia vinte e seis. Ultrapassamos as aborrecidas festas de todo o ano com uma chateação adicional: não há aqui o Boxing Day. Estivéssemos em UK e teríamos mais um feriado. Algumas teorias explicam a existência dessa data celebrada em alguns países da comunidade britânica. A que mais me convence diz que nos tempos feudais os lords presenteavam seus súditos, depois das festas natalinas, com uma caixa (daí o box) com: roupas, grãos e ferramentas. Como tinham trabalhado no dia anterior, servindo os seus senhores, recebiam o dia para estar com as famílias.
Uma sobrinha declara, sorridente e feliz, ser a festa que mais espera no ano. Não sabe bem a razão. Talvez os inúmeros presentes, quem sabe os deliciosos pratos, fica dividida na hora de escolher. Agradeço pela parte que me toca. Imaginava, tolamente, que pudesse ser o fato de estar com os tios.
As televisões forçam a barra. Mostram uma cabelereira emocionada. Para ela, um dia especial. Em um hospital maternidade faz gratuitamente o cabelo de algumas jovens mães pobres. É recompensador vê-las com seus bebês e bonitas, explica. Voluntários levam brinquedos para as crianças de uma favela. Impressionante a volúpia com que se atiram às caixas coloridas, estapeando-se, depois de aguardar horas em uma fila. Tudo emocionante e adequado.
Músicas, corais, árvores enfeitadas, luzinhas piscando, comerciais vendendo de tudo por conta do bom velhinho, exploração barata dos sentimentos, estaremos livres disso até o próximo ano. Perdoem-me os que gostam de ser piegas.

sexta-feira, dezembro 22, 2006

Playing With Words

Cara do pato.
Pata se cala.
Canela.

Pata do pato.
Pata se pela.
Panela.

Filha do pato.
Pata da vila.
Fivela.

Mata do pato.
Pata na sola.
Mazela.

Time do pato.
Pata da mula.
Tijela.

On The Threshold Of This Year

O ano está no bico do corvo. Mais uma semaninha e escafedeu-se. Hora de fazer o balanço final, olhar para trás e ver o que sobrou, se é que sobrou alguma coisa. Entre mortos e feridos sobrevivi chamuscado, mas inteiro. Dois mil e seis foi difícil.
Diabo de período cruel! Muitas vezes me desanimei, senti o coração apertar infeliz. A inércia e o espírito de sobrevivência, puro instintos, me empurraram para frente.
Aprendi que as idiotices que repetem nos cursos de auto-ajuda podem fazer sentido. Entendam-me, pelo amor de Deus! Não pretendo recomendar livros de embromação. Antiético usar a força desse blog para fazer marketing de literatura supérflua. Percebi, porém, que a atitude que temos frente as coisas pode influenciar os resultados. Somente quando me posicionei melhor, de forma mais positiva, consegui caminhar sem dor. E prosseguindo assim, erecto, abrandei-me. O ódio que sentia pela situação em que me encontrava dissipou-se. A insegurança desapareceu, consegui trabalhar melhor e mais contente. Agora tanto faz a empresa que me paga o salário. Quero mais é fazer o serviço bem feito, com energia, estimulado. Já não grito contra o outsourcing.
E assim termina a jornada. O Santos não foi campeão, perdemos a copa do mundo, o Lula foi reeleito, pequenas grandes derrotas. Que dois mil e sete seja melhor. Estou botando fé.

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Phrases

Algumas frases me provocam inveja. Gostaria de tê-las dito. Percebe-se direitinho a genialidade de quem as proferiu. Têm sabedoria e humor misturados em dose certa.
Costumo, sempre que vejo alguém esbravejando, espalhando grosseria por todos os lados, lembrar do que disse certa vez o Barão de Itararé: "O tambor faz muito barulho mas é vazio por dentro". Quando me entusiasmo com o que escrevo, celebrando internamente meus pequenos achados, dou razão a Oscar Wilder: "Os grandes acontecimentos do mundo têm lugar no cérebro". E se vou ao cinema, uma de minhas paixões, lembro Fellini: "O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus". E não e podia faltar Millor Fernandes. Ninguém sintetiza como ele: "O dedo do destino não deixa impressão digital".
Meu pai, o escritor Ricardo Ramos, também disse algumas coisas inteligentes. Conversando outro dia com amigos comuns, em uma reunião da UBE, da qual ele foi presidente, relembramos algumas de suas pérolas.
Ao governador Paulo Egídeo, quando visitando a recém inaugurada biblioteca do presídio Carandiru, instado a revelar a impressão que a iniciativa lhe causava, não deixou por menos: "É bom que tenhamos leitores cativos".
Percebendo preconceito com relação a alguns membros da organização que presidia, considerados escritores de pior qualidade, disse: "UBE é união brasileira de escritores, não união brasileira de bons escritores".
Um dia não se conteve. Um escritor havia cometido a proeza de escrever um livro sem a letra " a". Mais tarde, superando-se, escreveu um outro sem a letra "u". Aborrecido ante o silêncio da UBE, escreveu uma carta desaforada, cobrando um posicionamento. Recebeu a resposta: "Vai tomar no có!".

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Sidney Miller

Sidney Álvaro Miller Filho nasceu em 18 de abril de 1945 e morreu em 1980, por vontade própria, aos trinta e cinco anos de idade. Foi dos maiores compositores que tivemos. Não tem a fama que merece. Alguma de suas músicas deveriam ser festejadas, estudadas e revisitadas periodicamente.
Lembrei de Sidney Miller por uma questão de justiça. Em tempos de muita quantidade e qualidades raras, faço questão de manter, pelo menos aqui nesse blog, um certo padrão de bom gosto.
A maioria das canções do poeta carioca tem letras extensas e bem elaboradas. Quando eu era rapaz ouvia tanto, tanto... Fiz sucesso em minha juventude por cantá-las sem esquecer os versos. Conhecia de cor: A Estrada e o Violeiro; Pois É, Pra Quê?; O Circo e Meu Violão. Ainda hoje me arrepio quando ouço qualquer uma delas, seja com o MPB4, com a Nara Leão, ou com o Caetano.
Presto minha homenagem ao grande artista, quem souber que leia cantando:

Pois é, Pra Quê?
Sidney Miller

O automóvel corre, a lembrança morre
O suor escorre e molha a calçada
Há verdade na rua, há verdade no povo
A mulher toda nua, mais nada de novo
A revolta latente que ninguém vê
E nem sabe se sente, pois é, pra quê?

O imposto, a conta, o bazar barato
O relógio aponta o momento exato
da morte incerta, a gravata enforca
o sapato aperta, o país exporta
E na minha porta, ninguém quer ver
Uma sombra morta, pois é, pra quê?

Que rapaz é esse, que estranho canto
Seu rosto é santo, seu canto é tudo
Saiu do nada, da dor fingida
desceu a estrada, subiu na vida
A menina aflita ele não quer ver
A guitarra excita, pois é, pra quê?

A fome, a doença, o esporte, a gincana
A praia compensa o trabalho, a semana
O chope, o cinema, o amor que atenua
O tiro no peito, o sangue na rua
A fome a doença, não sei mais porque
Que noite, que lua, meu bem, prá quê?

O patrão sustenta o café, o almoço
O jornal comenta, um rapaz tão moço
O calor aumenta, a família cresce
O cientista inventa uma flor que parece
A razão mais segura pra ninguém saber
De outra flor que tortura, pois é prá quê?

No fim do mundo há um tesouro
Quem for primeiro carrega o ouro
A vida passa no meu cigarro
Quem tem mais pressa que arranje um carro
Prá andar ligeiro, sem ter porque
Sem ter prá onde, pois é, prá quê?

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ill-Mannered

Uma das coisas que observo no comportamento humano é a estreita relação que há entre falta de educação e sensibilidade. A grosseria, geralmente, parte de quem é insensível, pouco atento às nuances do bem conviver. Uma regra simples é freqüentemente esquecida: há que se repeitar para ser respeitado.
Nos vestiários masculinos a nudez revela-se além dos corpos. É quando marmanjos tornam-se moleques pelados. Riem, tripudiam sobre os outros, dizem piadas, brincam, mostram-se. Muitas vezes, porém, perde-se o limite. Há quem ultrapasse, lamentavelmente, a fronteira imaginária que separa o que é aceitável do torpe. A palavra perde então a compostura e a agressão, travestida de pilhéria, insinua-se covarde, sem razão aparente. Os risos agora, fluindo por inércia, descontextualizam-se.
Rudes detestam diversidade. Mais cedo ou mais tarde insurgem-se contra ela. Têm no preconceito a forma mais primitiva de expressão.
Banho tomado, sentado no banco de madeira enxugando os pés, percebi que o ar ao redor se adensava. Aporrinhavam o pobre do faxineiro gay. Injuriado, digno, ele recusava peremptoriamente o convite que lhe faziam. Não tinha interesse na balada, sair com duas meninas, terminar a noite na cama com elas. Declarava, com a voz feminina de sempre, que já tinha encontrado seu amor. O outro insistia, falava sobre as delícias do programa, entrava em detalhes íntimos da anatomia do sexo oposto. Retirou-se rindo, falando alto, prometendo que voltava à noite para levar o rapaz para a farra.
Continuei sentado, acabrunhado, cabeça baixa, olhando para um unha doente que tenho.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Acts of Violence

O assunto não é de minha preferência. Ando assustado, porém, com a fúria assassina que se espalha pela humanidade. Matar parece ter virado obsessão. Vidas são assopradas, diariamente, como se fossem velas. Apagam-se existências sem o menor titubeio. Nada mais banal do que gente. Homens e mulheres, idosos ou crianças, são atacados, dilacerados, explodidos, queimados, violentados, torturados, de forma sistemática e cotidiana. Estamos doentes.
A violência que se lê nas manchetes não nos abala. A dor é de quem tem. Seguimos afastados e distraidamente imunes. Até quando? Confiamos demais na sorte.
Quando pensamos ter visto de tudo a violência, renovada e criativa, nos tira do torpor. No meu caso traz horror e, principalmente, vergonha. Como encarar o que aconteceu em Mogi das Cruzes? A família presa em um carro, e queimada viva, é mais do que posso suportar.
Seguiremos nos endurecendo. O novo Jack inglês matando em série prostitutas, carros-bomba diários no Iraque, balas perdidas, testes nucleares, atentados de toda sorte. Um dia a gente se acostuma totalmente. Falta pouco.

terça-feira, dezembro 12, 2006

The Childreen Of Men

Quando li o livro fiquei tocado pelo tema. P.D. James, uma de minhas autoras preferidas de policiais, aventurava-se por terreno diferente, o da ficção científica. A história começava em 2027. Em um mundo cheio de conflitos, dominado pela questão dos imigrantes ilegais, perseguidos e isolados em campos de concentração, dirigidos por governos autoritários, a humanidade perdera a capacidade de procriar. A poluição em todos os níveis afetara inapelavelmente os genes. Há quase dezenove anos não se registravam partos. Maternidades fechadas. Famílias criando animais de estimação como se fossem filhos. A indústria de bonecas progredindo fantasticamente. Mulheres comprando réplicas idênticas de bebês, passeando com suas crias adqüiridas pelas ruas, exibindo-as. Tudo muito sombrio. O povo envelhecido, envelhecendo, morrendo, acabando. E então alguém engravida. Era preciso salvá-la, colocá-la em mãos responsáveis. Exitia uma sociedade idônea que se preocupava em salvar a vida na Terra. Os heróis teriam que levar a mocinha prenhe para lá.
Tentei, na época, imaginar a vida sem crianças. Como seria viver sem histórias infantis? No meu caso teria que parar de escrever, já que é para elas que trabalho a imaginação. Meu texto melhor elaborado é para os pequenos. Não imagino público alvo melhor. A inteligência diferente dos meninos e meninas me estimula.
Surpreendi-me quando soube que haviam filmado o livro. Enchi-me de expectativas. Teriam conseguido recriar na tela grande todo aquele clima angustiante? Atores ótimos. O inglês, nascido em Keresley, Clive Owen, ótimo em Sin City e King Arthur, Julianne Moore e o maravilhoso Michael Keane, vivendo um velho sábio rebelde.
Para variar frustrei-me. Conto nos dedos os livros que deram bons filmes. Como separar o joio do trigo? Talvez seja essa a resposta. Difícil condensar em um roteiro tanta qualidade. Sempre ficam coisas importantes de fora.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Gracias A La Vida

Viver é bom. O tempo arrastando-se mais ou menos rápido oferece-nos, conforme a distância do olhar, reparo. Acabou Pinochet. Tenho o hábito de celebrar internamente as mortes que desejava. Não faço alarde. Sujeito pacífico, incapaz de matar, consolo-me sabendo que verei alguns trastes partirem. Quando são mais velhos apoio-me, esperançoso, na probabilidade de que isso aconteça. Sendo a morte a maior das desgraças, sinto-me de alguma forma vingado. Não me venham dizer que o ditador terminou velho, locupletado pelo dinheiro que roubou, rodeado pela família em leito quente. Morreu, não existe castigo pior. Eu lhe sobrevivi.
Desde 11 de setembro de 1973, quando começou uma das mais sangrentas ditaduras que já existiu, mergulhando o Chile em horror, comecei a alimentar antipatia por esse generalzinho. Cresci ouvindo Violeta Parra, Joan Baez e Mercedes Sosa. Quando volvo a los diecisiet, idade aproximada que tinha na época, na verdade dois anos a mais, relembro o clima do período. As ditaduras têm um dom curioso, o de enriquecer as músicas. Cantávamos em espanhol o nosso repúdio à violência dos militares. Comentávamos assustados o que acontecia no Estádio Nacional do Chile. Éramos locos por ti America. Foi quando prenderam Víctor Jara, um dos mais famosos cantores e compositores chilenos. Esmagaram-lhe as mãos a golpe de coronhadas para que não tocasse, mataram-no calando sua voz. Um dos 3000 mortos, 30.000 torturados desse período negro.
Pronto. Pinochet, já era! Gracias a la vida. Enquanto isso recordarei quem não pode ser esquecido:

Te Recuerdo Amanda
Texto y música de Víctor Jara

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada,
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

La sonrisa ancha,
la lluvia en el pelo,
no importaba nada,
ibas a encontarte con él.

Con él, con él, con él, con él.
Son cinco minutos. La vida es eterna en cinco minutos.
Suena la sirena. De vuelta al trabajo
y tœ caminando lo iluminas todo,
los cinco minutos te hacen florecer.

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

La sonrisa ancha,
la lluvia en el pelo,
no importaba nada
ibas a encontrarte con él.

Con él, con él, con él, con él.
Que partió a la sierra,
que nunca hizo daño. Que partió a la sierra,
y en cinco minutos quedó destrozado.
Suena la sirena, de vuelta al trabajo
muchos no volvieron, tampoco Manuel.

Te recuerdo, Amanda,
la calle mojada,
corriendo a la fábrica
donde trabajaba Manuel.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Nothing To Kill Or Die For

Outro dia falava sobre música com amigos. Cada um revelou suas preferências e gostos pessoais. Pipocaram cantores e cantoras, bandas, estilos, nacionais e estrangeiros. Percebi, de forma bastante evidente, certa ansiedade em mostrarem-se atualizados. Todos, sem excessão, pareciam querer revelar que acompanhavam, muito atentamente, as novidades. Citaram gente e grupos para mim completamente desconhecidos. Não que eu me desinteresse do que surge no cenário mais ou menos recente, mas não sou fixado nessa idéia.
Da mesma forma que tenho necessidade de reler alguns livros com freqüência, não abandono os velhos sons conhecidos. Lerei Proust a vida inteira, ouvirei Beatles for ever. O cedê está no meu carro, gravado por mim, seleção que se impõe ao meu cotidiano, beatlemaníaco que sou.
Não poderia, portanto, esquecer a data de hoje. Lembro que se aproximava o Natal. Minha casa estava cheia de parentes vindos de fora. O clima era de alegria. Reviveríamos as festas de minha infância. A família unida como há tempos não víamos. E então ouvi a notícia no rádio. Um maluco chamado Mark David Chapman atirara cinco vezes em John Lennon, matando-o. Chorei muito. A data? Era um 8 de dezembro como o de hoje, em 1980.
Pois é, faz vinte e seis anos que perdemos o mais rebelde dos Beatles, aquele que eu mais admirava. Em Imagine ele cantou um mundo melhor, ideal, onde não houvesse nada pelo que se matar ou morrer. Ainda estamos muito longe, mas a melhor homenagem que podemos prestar ao autor é imaginar.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Breakdown

A crise que começou com o acidente envolvendo o avião da Gol e o Legacy aparentemente não terá mais fim. Quase que diariamente ouvimos notícias de confusões nos aeroportos. Filas, atrasos, cancelamentos de vôos, gente desesperada querendo voltar para casa, dormindo sobre as malas, falta de informação, desrespeito, toda sorte (ou azar) de mazelas.
Todos que visitam esse blog sabem da antipatia que nutro pelo nosso presidente, mas não é fácil governar esse país. O sistema vigente, dependente de alianças políticas que viabilizem o mandato, obriga escolhas nem sempre baseadas na competência. Nunca ouvi dizer que o ministro Waldir Pires entendesse do que tem tratado. Não que ele seja douto em muita coisa, já que a fama que tem na Bahia é de ser um pouco, digamos, lento. Parece-me, porém, que essa questão difícil e enrolada, precisaria de um acompanhamento no mínimo técnico, além de boa capacidade de gestão.
A gente por aqui tem uma dificuldade incrível em lidar com problemas. Há sempre uma grande esperança de que o tempo resolva as coisas. Nada se faz, apenas se aguarda que alguma bênção caia dos céus e arranje o que está errado. Sem o foco necessário, vontade de solucionar adeqüadamente o impasse, aparando as arestas, continuaremos a viver essa vergonha.
Fatos muito relevantes começam a pipocar. Ontem uma criança de um ano perdeu a oportunidade de ter o fígado transplantado. O órgão não chegou em tempo, ficou preso aguardando o embarque. Uma noiva desesperada, o vestido branco na mala, perdeu o próprio casamento em Recife. E eu, finalmente, não recebi a encomenda do livro de Carlos Ruiz Zafón, A Sombra do Vento, responsável por momentos agradabilíssimos de leitura, encomendado para presentear um amigo. Só havia encontrado na livraria Cultura de Brasília e o malote, até agora, aguarda a boa vontade dos controladores de vôo. Assim não dá!

terça-feira, dezembro 05, 2006

Dictators

Quando eu era jovem preguei na parede de meu quarto um poster muito bonito. Nele havia a clássica figura de Carlitos e estava impresso o discurso final do Grande Ditador. Vivíamos sangrenta ditadura no país. As palavras escritas emocionavam-me sempre. Lembro de tê-las lido várias vezes com respeito, admiração, aprendendo em cada parágrafo os muitos significados possíveis, revivendo periodicamente a revolta que os ditadores provocavam. Tomei conhecimento de muitos. Faço questão de enumerá-los: Hitler; Benito Mussolini; Idi Amim Dada; Generalíssimo Franco; Salazar; Jorge Rafael Videla; Joseph Stalin; Pinochet; Getúlio Vargas; Kadhafi; Saddam Hussein; Emílio Garastazu Médici, Ernesto Gaisel; Presidente Figueiredo; Castelo Branco; Papa-Doc ; Baby-Doc e Fidel Castro. Todos responsáveis por um número incrível de mortes, torturas, maus tratos aos seus semelhantes.
A Venezuela acaba de reeleger Hugo Chávez. Incrível o perfil desse senhor: controlador, autoritário, intolerante e vingativo. Características de todos os citados anteriormente. Ganha mais um mandato pensando no futuro, outros seis anos, adoraria perpetuar-se no poder. Um pequeno grande ditador em gestação.
Para que não esqueçamos nunca de Chaplin, vai um pouco do que disse:
... Aos que podem me ouvir eu digo: não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

segunda-feira, dezembro 04, 2006

A Good Year

Não sou crítico de cinema mas gosto do assunto. Sou obsessivo compulsivo com relação a filmes. A idéia que tenho do paraíso é a de um grande telão. Por mim emendava uma sessão na outra. Exageros à parte vejo muita coisa, seria o que chamam de cinéfilo. Tudo isso para falar de Sir Ridley Scott, um de meus cineastas favoritos.
Britânico como o lord que vos fala, nascido em 1937 em South Shields, estudante do Royall College of Art, é dono de uma filmografia de encher os olhos. Bastava Blade Runner, sempre o primeiro de minha lista, mas fez muito mais: Thelma e Louise; Black Rain; Legend; Alien; Hannibal e Gladiator, só para falar de alguns. Naturalmente sou exigente quando se tratata do nobre diretor, tenho grande e constante expectativa com relação ao que faz.
Saí um pouco desapontado de A Good Year. Seria injusto se dissesse que o filme é ruim. Longe disso. Só que esperava mais. O roteiro me pareceu um pouco confuso, menos bem amarrado do que deveria. As tomadas lembram demais os planos dos comerciais de televisão. Certo que falamos de alguém que veio do meio publicitário, mas as referências ficam explícitas demais. E clichês, alguns chavões são óbvios.
Talvez o problema que mais tenha me chamado a atenção foi com relação à emoção. Há todo um universo que poderia ser explorado pelo qual se passa ao largo. As reminiscências do adulto, lembranças da infância, me pareceram frias, simples relatos. Não consegui ver o amor do sobrinho pelo tio. Muito contido, very British.

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Merry Christmas!

Feliz Natal! Perdoem-me a pressa. Tenho medo de esquecer de enviar meus votos. Dezembro começou trazendo o desatino de fim de ano. Correria muita. Trânsito pesado, comércio ensandecido, um frenesi que não se explica. Todos querendo encontrar o melhor presente mais barato, exercício prático popular da relação custo-benefício. Graças aos malefícios que infrigimos à mãe natureza temos, pelo menos esse ano, uma folguinha no calor. O clima tem estado ameno, chovendo como nunca choveu nessa época, o meio ambiente completamente descontrolado. Que bom!
Acho que já deu para perceber que não sou muito fã de Papai Noel. Tenho um sentimento ambíguo com relação às festas natalinas. Se estou fora do país, longe da família, consigo até emocionar-me. Principalmente se me encontro em lugar frio. O ar sombrio do inverno, emoldurado pelas luzes coloridas dos enfeites tradicionais, tem para mim charme especial. Gosto de caminhar pelas calçadas sentindo o vento gelado no rosto, bem agasalhado, observando a maneira toda particular e diferente da nossa com que o europeu, por exemplo, se comporta nessa época. Tornam-se crianças, fantasiam-se de bons velhinhos ingenuamente excitados, alegres, incorparando coletivamente o espirito da paz. Aqui e ali se agrupam em pequenos corais e cantam bem ensaiados. As músicas, por sinal, nos lembrando que é tempo de fraternidade.
Por aqui é diferente. O povo quer mais é trocar presentes e se empanturrar. Nada mais desagradável que a noite do dia vinte e quatro. Vestiremos roupas novas e partiremos para o sacrifício. Ano após ano participamos desse jogo com regras tão bem estabelecidas. Na casa do parente da vez chegaremos carregados de presentes. As crianças estarão muito mais barulhentas que o razoável, de olho nos embrulhos sob a árvore. O ar estará carregado de odores fortes, salgados e doces, já que uma profusão enorme de pratos estará sendo preparada. E então, sorrisos tatuados no rosto, conversaremos. Quando estivermos cansados de conversar, com fome, loucos para comer as delícias que a fartura de cheiros anuncia, conversaremos mais um pouco, aguardando os retardatários. Haverá sempre aquele que precisou passar na casa de alguém antes. A fome, com certeza, ficará cozinhando. Quando estivermos prestes a atacar o pé da mesa, chegará a hora mais esperada: amigo secreto. Horas ouvindo explicações estúpidas sobre como nos vêem. Ganharemos o que não queremos e daremos o que gostaríamos que quisessem. Chegará enfim o momento da ceia, e o que mais sentiremos é sono e vontade de ir embora. Será que faltou alguma coisa? Acho que não. Então, mais uma vez: Feliz Natal!