quarta-feira, agosto 30, 2006

Remembering A Long Way Back

O passado veio me visitar. Como sempre faz chegou sem aviso, aproximando-se meio tímido, impondo-se. Os fatos apareceram do nada, ganharam cor na memória, materializando-se de tal maneira que, de repente, fiquei triste.
O meu vale não era verde. As noites, porém, divertidas. No bar de todo dia conversávamos. Bebíamos mais do que falávamos, sem esquecer de dizer, é claro, tudo o que havia para ser dito. Depois de assistirmos os últimos lançamentos, nos cinemas da redondeza, fazíamos nossa crítica. Todos, alcoolizadamente entendidos, elevávamos as vozes defendendo criativos pontos de vista. "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman, surpreendeu a galera. Unanimidade. Mesmo os que não gostaram, provavelmente por não terem entendido, se calaram. Já com Pasolini, a coisa foi diferente. Esculhambei Porcile. Chico Baffa, interrompendo o tricô, apoiando as agulhas nos joelhos, procurou o cigarro no cinzeiro. Aspirou profundamente a fumaça e disse, sorrindo:
- Larga mão de ser preconceituoso!
O português, dono do estabelecimento, não se conformava. Difícil aceitar marmanjo fazendo casaquinhos no meio dos amigos. Tinha medo que afugentasse a freguesia. Gostávamos de chocar as pessoas.
Num dia muito frio, protegido por um cachecol de lã que ele mesmo fizera, mostrou sua coleção de long plays da Billie Holiday. Para mim um alumbramento. Meus horizontes musicais ampliaram-se drasticamente. Lembro-me até hoje de uma frase que li, atribuída a ela: "I'm always making a comeback but nobody ever tells me where I've been".
Era como me sentia na época.
Chico Baffa, sempre bem humorado, diverso, nos ensinou muito. Viveu pouco e deixou muita saudade.

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