segunda-feira, março 12, 2007

Vó Lozinha

Já cansei de cumprimentar pessoas com atraso, não é sempre que lembro as datas importantes. Até que sou um cara organizado, anoto tudo direitinho em uma agenda, justamente para não cometer gafes (seria a palavra muito antiga?). Só que depois esqueço de conferir na memória auxiliar. Um desastre!
Tinha decidido, no dia 8 de março, escrever sobre minha avó. Depois...
É difícil falar sobre D. Heloísa. Sei que vou me aproximar o tempo todo de coisas que ela detestava: pieguices, lugares comuns e frases feitas. Paciência. Como não acredito em almas de outro mundo arrisco-me.
Atrás de todo grande homem existe uma grande mulher (comecei bem?). Vovô não seria metade do que foi sem ela. Vó Lozinha, como os netos a chamavam, ensinou-me o que era amor incondicional. Hoje, cinqüentão, sei que muito do equilíbrio emocional que possuo foi conseqüência do meu relacionamento na infância com ela, e que nunca se interrompeu. Meu ego deve muito ao carinho que me transmitiu. Faço aqui mais uma pausa pedindo desculpas. Para uma senhora comunista convicta, que me embalava contando histórias sobre o herói maior Fidel Castro, ver o neto usar terminologia ligada em psicologismos deve ser no mínimo constrangedor.
Aos domingos, por volta de seis da tarde, ligava-me de Maceió. Nunca vi ninguém falar tanto. Sempre tive curiosidade em saber o valor de sua conta telefônica. Política, fofocas familiares, reminiscências do tempo em que era mocinha, emendava um assunto no outro sem tomar fôlego. Às vezes, sentindo-lhe a respiração difícil, fruto do esforço parlatório (onde foi que achei essa palavra?) tentava, preocupado, interromper. Quem disse que ela queria respirar? Despedia-se sempre carinhosa, declarando seu amor, abrandando a voz num quase murmúrio que afagava minha cabeça. Minhas tardes de domingo eram especiais. Eu ia dormir como um cachorrinho novo, feliz da vida.
Vó Lozinha gostava de repetir uma história. Falava sempre de uma pergunta que lhe fiz quando era menino:
- Vó, por que os passarinhos não caem do telhado das árvores?
Ria da pergunta que considerava poética. Hoje, teria outra pergunta para ela, sem a menor poesia, com muita raiva:
- Vó, por que as pessoas precisam morrer?

9 comentários:

GUGA ALAYON disse...

Bela homenagem no dia da Mulheres àquelas que são mulheres ao quadrado, as avós. Valeu.

Lord Broken Pottery disse...

Guga,
Obrigado! Vovó mereceu homanagens em dobro, ou ao quadrado, como você bem disse.
Abração

valter ferraz disse...

Milord, bela homenagem à sua vó. Hoje que sou avô compreendo bem o quê significa essa palavra. Na infância e adolescência ficava admirado da relação de cumplicidade que existia entre alguns amigos e seus avós. Não conhecí nenhum dos meus avós pois fui criado por uma família adotiva. Sêo León Madrigani(meu pai adotivo)era bem mais velho quando me adotou e foi quase um pai/avô. Hoje não os tenho por perto e acho que faço diariamente a mesma pergunta que você: Por quê as pessoas morrem?
Um abraço especial hoje pelas boas lembranças que me trouxe.

Anônimo disse...

Lord, quem chega depois tem que rebolar para dizer alguma coisa ainda não dita. Minha mãe também se chama Heloisa. É viva com mais de 86 anos. Só pensa em morrer!E nós filhos lutamos bravamente para que isso não venha acontecer tão cedo. Ela diz: cedo para vocês!
Obrigado pelo link!

Anônimo disse...

Lord, os avós, nosso passado, olhando o futuro, nós.

Lord Broken Pottery disse...

Valter,
As lembranças realmente são muitas e boas. Seu pai adotivo tinha origem italiana? Um dia escreverei um post sobre como a cultura italiana, por vias tortas, entrou em minha educação.
Abração

Eduardo,
Uma das coisas mais difíceis para mim é perceber o envelhecimento de minha mãe. Tem 77 anos. Ainda é muito saudável, dirige seu carro, movimenta-se com liberdade. É evidente porém, para minha tristeza, que o tempo lhe cobra cada vez mais.
Grande abraço

Peri,
Bonito, muito bonito o que você disse.
Abraço

Anônimo disse...

mas a famosíssima e tão falada vó Heloísa (com acento?) já não tinha 160 anos? não sabia da alcunha "Lozinha". como se falou uma época que um irmão meu começou a escrever, e deu certo, a recomendação foi para que contasse todas as histórias familiares. bom caminho este. dá certo até hoje. tudo que escreve é autobiográfico. ou quase.

Lord Broken Pottery disse...

Querida Eliana,
Tudo o que escrevo também vem da realidade ao redor. O problema é que invento muito. Quase nunca sei o que é real e o que é ficção, acabo me atrapalhando. Não entendi a dúvida sobre os 160 anos. D. Heloísa (com acento) nasceu em em 11 de janeiro de 1911.
Beijão

Anônimo disse...

início do século passado. acho, lembro ... ela era sempre tão ativa que parecia vicer várias, inúmeras vidas.
por outro lado ficção é ficção e informação é informação - tem aí uma fronteira dura de roer - o que no trabalho de ediçãio do Zé (teu irmão) deve ser uma, digamos, realidade o tempo todo. mas acho que ele tira "de letra".