Ainda não tinha tentado pegar o metrô naquele horário. Quando cheguei na plataforma assustei-me com a quantidade de pessoas. Um certo sentimento claustrofóbico, que me invade nessas ocasiões, me fez relutar. Diminuí a velocidade dos passos, imagininando-me num daqueles vagões, transportado feito carga, apertado, abafado, suando. Antevi, infeliz, o mergulhar na escuridão dos túneis. Diabo!
Resolvi criar coragem. Pouco tempo disponível, acabaria me atrasando. Respirei fundo e entrei na fila. Aproximou-se uma senhora gorda, quadris enormes, tateando com uma bengala, completamente cega. Como acontece sempre, imediatamente, encontrou ajuda. Uma outra mulher, mais jovem, ofereceu-lhe o braço. Passaporte para o céu, pensei. Ficaram paradas, espremidas atrás de mim. Quando chegou o trem, em poucos segundos, fomos arrastados para dentro do carro mais próximo, sem nenhum esforço, submetidos à vontade da turba atrás de nós. E assim partimos.
- Qual o número da porta? - perguntou a deficiente visual.
- Como assim? - murmurou a santa.
- A porta, qual o número dela? - gritou a gordona.
Incrível como falava alto. Ante o inusitado da pergunta, fez-se um silêncio constrangedor. A acompanhante tentou outra vez, educada:
- Não entendi, não existe nenhum número.
Brandindo a bengala, irritada, olhos vazios parados, repetiu:
- Como você é capaz de não saber o número da porta? Não contou?
A outra, no mesmo tom, franzindo o cenho, respondeu:
- Para quê? Existem muitos vagões, muitas portas...
- Hora, para saber onde está, para enxergar onde ir, você parece boba!
Cada vez mais irritada, e menos santa, a mulher se transformou:
- Não sou boba, nem cega, não preciso contar as portas para saber onde descer.
Resolvi criar coragem. Pouco tempo disponível, acabaria me atrasando. Respirei fundo e entrei na fila. Aproximou-se uma senhora gorda, quadris enormes, tateando com uma bengala, completamente cega. Como acontece sempre, imediatamente, encontrou ajuda. Uma outra mulher, mais jovem, ofereceu-lhe o braço. Passaporte para o céu, pensei. Ficaram paradas, espremidas atrás de mim. Quando chegou o trem, em poucos segundos, fomos arrastados para dentro do carro mais próximo, sem nenhum esforço, submetidos à vontade da turba atrás de nós. E assim partimos.
- Qual o número da porta? - perguntou a deficiente visual.
- Como assim? - murmurou a santa.
- A porta, qual o número dela? - gritou a gordona.
Incrível como falava alto. Ante o inusitado da pergunta, fez-se um silêncio constrangedor. A acompanhante tentou outra vez, educada:
- Não entendi, não existe nenhum número.
Brandindo a bengala, irritada, olhos vazios parados, repetiu:
- Como você é capaz de não saber o número da porta? Não contou?
A outra, no mesmo tom, franzindo o cenho, respondeu:
- Para quê? Existem muitos vagões, muitas portas...
- Hora, para saber onde está, para enxergar onde ir, você parece boba!
Cada vez mais irritada, e menos santa, a mulher se transformou:
- Não sou boba, nem cega, não preciso contar as portas para saber onde descer.
Não se ouvia um pio no vagão.
- Não é cega, mas parece! - cuspiu a senhora, chacoalhando a bengala.
A outra, que era do bem, tentou se afastar, retirando o braço, não havia, porém, espaço. Seguiram juntas na estação final, no meio da multidão.
- Não é cega, mas parece! - cuspiu a senhora, chacoalhando a bengala.
A outra, que era do bem, tentou se afastar, retirando o braço, não havia, porém, espaço. Seguiram juntas na estação final, no meio da multidão.
23 comentários:
Caro Lord, corações empedrados pela rudeza da vida.
O metrô é um laboratório sensacional para quem cultiva tipos humanos. Tenho um projeto de livro parado(tenho vários na mesma situação) que retrata situações vividas em estações do metrô. Quem sabe um dia virem um livro. Micro-contos cujo pano de fundo são as estações do metrô da lina norte/sul a linha azul. Tem situações hilárias,outras nem tanto. Fui bilheteiro do metrô, sabia?
Bom, divago e saio do assunto com uma facilidade extrema.
Agora,os teus personagens da vida real poderiam contar com o serviço de ajuda dos atendentes do metrô, são muito pacientes e atenciosos e existe todo um manual de procedimentos a ser rigidamente seguido para esses casos. Aliás a Cia do Metropolitano é uma das poucas coisas a se orgulhar de nossa Sampa, entre muitas que poderiam figurar na lista de coisas legais da cidade.
Tua crônica está muito bem escrita. Já pensou num livro? hehe peguei a mania, certo?
Abraço, companheiro!
Lord, considere o comentário aí de cima como meu. Compartilhar o computador é como usar o mesmo banheiro, só dá m*
Abraço grande
Lord, não entendi a comparação que o Valter fez de computador, metro e banheiro! Mas deixa para lá, o que tenho a dizer é que a moça é SANTA duas vezes.Abçs
Milord, a situação é hilária, com todo o tempero trágico que a acompanha.
Lord, pessoas são estranhas, muito estranhas. Às vezes dá vontade de desistir de todas as pessoas.;0)
valter mila, o que vc não foi, hein, amigo?
Lord, cego é aquele que não tenta ver.
abç
Gugala, não tire conclusões apressadas. Nem tudo que parece é e nem tudo é o que parece ser.//
Lord, peço a interferência em meu favor, apenas uma palavra amiga. O Eduardo e o Gugala estão me sacaneando.
Abraços
Mila,
Realmente daria um livro. Você não calcula o número de projetos de livro que tenho. Ainda ontem, conversando com minha mulher, falei mais uma vez de meu sonho. Alugar uma sala aqui na Paulista (em casa acho mais difícil escrever pois considero trabalho), informatizar adeqüadamente o local, dar todo o conforto a ele, e passar meus dias escrevendo. Garanto que seria mais feliz assim.
Beijão
Valter,
Será que foi isso mesmo que você quis escrever?
Abraço divertido, ainda rindo.
Eduardo,
A maior santidade é enfrentar falta de agradecimento. Foi o que mais me chocou na situação.
Abração
Jayme,
É isso mesmo. Gosto desse riso nervoso que certaqs situações provocam.
Abraço
Vivien,
São mesmo. As pessoas são muito estranhas. Mas é nessa estranheza que residem as melhores histórias, não é mesmo?
Beijão
Guga,
Não tenta, não quer...
Abração
Guga e Eduardo,
Please, não sacaneiem o Valter, por favor!
PS: Tá bom assim?
Abraços
No metrô
todos cegos
como umas toupeiras.
Enlatada e cega, quantas vezes assim? Ai q claustrofobia!
Lord, cheguei aqui e estou me deliciando com teus textos... estou te linkando tbem!!!!
Peri,
Que não seja aquela grande, do buraco de Pinheiros.
Abração
Sibila,
Claustrofobia: um dia falarei à respeito.
Beijão
Serbão,
Obrigado pelo link. Fico muito feliz em te receber.
Grande abraço
caro Lord,primeiro percebi que temos outra mila...Bom nao sou tao boa nas palavras como ela,mas vamos la.
A principio pensei,ele esta falando da estaçao Barra funda, depois pensei nao, e da estaçao Luz,e quando li que havia uma senhora que contava os numeros das porta entao pensei,so pode ser Osasco,achei que so tinha gente assim aqui,bom mais vi que nao era nem uma dessas,e cheguei a conlusao que metro cheio,pessoas com boa vontade para ajudar e criticar e nunca estar satisfeita com o que os outros fazem,tem em todas as estaçóes,em todas as cidades e paises do mundo;e como dis o meu bom e velho(bem mais velho que muitos podem imaginar rs)pai,assim caminha a humanidade.bjus
desculpe por ter escrito diz com "s"nao foi a intençao...se meu velho ver isso.
como diria o adão, cartunista da folha, prá que grita com cega, 15 anos de análise.
tb tenhocerta claustrofobia. em avião, sento só no corredor, auditórios, na ponta e perto da porta, e no metrô não me sinto bem.
grávida,não me lembro o pq tive que me transportar várias vezes de metrô. suava na mão ao chegar à estação, faltava o ar nas escadas e no vagão me imaginava presa e soterrada. affe!
Mila,
Um dia escreverei sobre os problemas que temos com a grafia. Por ter convivido com escritores, sei de alguns que se atrapalhavam um pouco na hora de escrever. Não se preocupe. Se todos escrevessem sem alguns erros os revisores, aqueles que ganham a vida corrigindo o que escrevemos, morreriam de fome.
Beijão
Mila,
Em tempo, a estação era Barra Funda.
Beijão
Anna,
Nunca tinha tido problema com claustrofobia. Um dia, em Roma, na igreja de São Pedro, tentando chegar até a cúpula, me senti muito mal. É uma escada estreita (meus ombros quase que encostavam nas paredes lado a lado), íngreme, sinuosa a ponto de você não ver o caminho à sua frente. Me senti enterrado. Não consegui ir até lá em cima. Tive que voltar.
Beijão
Lord, pronto. Está tudo arranjado. A Mila já entrou e desfez toda a confusão. Agora o Gugala e o Eduardo vão saber que realmente não fui eu quem escreveu. Depois também era fácil perceber. Meu estilo é bem diferente do que a Mila usa, por esexmplo eu nunca erro, no máximo me engano(e ela sabe disso).
De qualquer maneira, obrigado pela interferência ameu favor. Amigo é assim, até nas pequenas situações./
Mila, anda saidinha, hein minha filha?
Valter,
Você não precisa agradecer. Defender os amigos é obrigação.
Abraço
ô, Coroné Ferraz, dexá a minina sambá em pá. ahahaha
abraço
Gugala, tira os zóio da mina, ela é casada e tem pai brabo.
Fica natua, jacaré!
Abraço
Guga e Valter,
Não vou meter a mão nessa cumbuca, tá?
Abraço
Ricardo,
Touché!
Abraço
Postar um comentário