quinta-feira, outubro 11, 2007

First Kiss

Férias em Teresópolis. Os sete primos reunidos: Rafael, Rodrigo, Marcelo, Ianê, Lúcia, Camila e Fabiana. O Teresúvio cuspindo fumaça. A fogueirinha sobre o morro virava o Vesúvio de Teresópolis. Terror de Rodrigo que acreditava. Diversão dos meninos cheios de imaginação.
Camila era puro teatro. Um acidente dera-lhe a oportunidade de ficar um bom tempo sobre o palco.
Certa tarde o frio apertou. O inverno, mês de julho, parecia que tinha chegado de vez. Resolveram acender a lareira. Procuraram madeira seca, jornal e álcool. A chama começou preguiçosa mas logo o fogo pegou forte. Labaredas estalando alegres. Foi quando começaram a ouvir pios de passarinho. Aflitos.
*
Para encurtar a história, tinham feito o ninho na chaminé. O calor destruiu a casinha deles. Dois filhotinhos caíram no meio do braseiro. Morreram. A tristeza foi geral. Difícil não chorar aquela catástrofe.
Camila viu o palco armado. Começou culpando Rafael e Ianê, os donos da idéia do aquecimento. Feito louca gritava pelo quintal, mãos na cabeça, aos soluços:
- Assassinos! Assassinos de avezinhas!
Preparou enterro com missa e tudo. Debaixo da jaboticabeira, perto da piscina. Os dois bichinhos, ou o que se presumia ter sobrado deles, em duas caixinhas de fósforos. Marcelo, de olho na prima, querendo agradá-la, fazendo as vezes do padre.
Camila era de tal maneira afetada na interpretação, que todos acabaram rindo. Pena. Os pequenos defuntos não mereciam tão má atriz.
Foi por essa época o primeiro beijo de Rafael. Lamentável, embora merecesse registro. Ganhou a figurinha difícil, completou o álbum e ficou danado com a prima, brinde da disputa. Quem? Camila, claro. Deveriam ter combinado a duração do sacrifício. Quando, como um raio, pensou ter-se livrado daquela palhaçada, viu negado o Gilmar, goleiro do Santos, figurinha que não tinha. Só demorando mais. Para evitar discussão, bobo, aceitou. A menina agarrou-o então com unhas, enganchando-se nos seus dentes, babando descontrolada em sua boca. Assustado, Rafael saiu correndo. Detestava que o cuspissem.
O segundo foi bom. O menino andava de asa arrastada por Ianê. As férias tinham aproximado os dois primos mais velhos. Acertaram um cineminha no centro. Uma fita, naquele tempo dizia-se fita, do Tarzan. Original. Com o Johnny Weissmuller e tudo. Nem é preciso dizer que Rafael esqueceu da garota ao lado. Lá pelo quinto cutucão, desviou contrafeito a atenção da tela. Que olhos! Colaram então os lábios. Prevenido, agora experiente, Rafael fechou bem a boca.
*
Com o terceiro beijo veio a técnica. Margarida, a professora, empregada nova da avó, quase provocou uma revolução na família. Ensinou-o pelo método da insistência. Sedutora, convenceu rapidamente o menino a esquecer, às vezes, de jogar bola . Viviam atracando-se. Beijos molhados. Mordidinhas gostosas. Línguas nervosas.
Rapidamente o filho mais velho de Marina perdeu a conta. Deve ter completado o milésimo beijo na mesma época em que Pelé fez o milésimo gol em Andrada, goleiro do Vasco.
A matemática oscular é meio atrapalhada. Sempre que se fala em primeiro beijo, Rafael lembra dos três primeiros. Para ele formam uma unidade. Os lábios de Camila, Ianê e Margarida somam-se. Tornam-se um só. Surge então, o primeiro beijo. Com toda emoção que a gente não esquece.

42 comentários:

jayme disse...

Que delícia de narrativa, Milord, compondo personagens consistentes em pouco espaço. Muito bom. Abração,

valter ferraz disse...

Lord, deixo meu silêncio voluntário de hoje por uma causa justa. Deixar meus cumprimentos pelo belo texto.
Um dia ainda vou escrever assim.
Grande abraço

Lord Broken Pottery disse...

Jayme,
Agora escrevi um pouco mais. Estava perdendo o hábito e o jeito de me alongar um pouco mais.
Grande abraço

Valter,
Você já escreve.
Abraço

Van disse...

Lord.....

Pode até ter perdido a conta dos beijos, mas com toda certeza não perdeu a ponta dos contos!

Você continua impecável! Uma delícia de ler!

Bom feriado.
Beijuca

Maria Helena disse...

Lord,
Ingredientes deliciosos para prender os leitores. Férias, brincadeiras, primos, montanhas, frio,lareira, sedução. Beleza... adorei!!!
Bjs

Lord Broken Pottery disse...

Van,
Gostei! Não se pode, realmente, perder a conta dos contos.
Beijão

Maria Helena,
Foram mesmo férias inesquecíveis para eles.
Grande beijo

Anônimo disse...

Lord ,

boa memória.
Bom texto.
Boa história.
Bom feriado.

Abçs

Anônimo disse...

E o primeiro beijo a gente nunca esquece mesmo. Mas que memória,hem Lord.

Abração e um otimo feriado à vc.

Fabiana... disse...

rs... lembrei do meu primeiro beijo aqui!
beijocasssssssssssssssss e bom feriado!

marilia disse...

Lord, sou fã, e então falo com ardor...
Amo seus textos ...
recordações que me fazem ter as minhas...
meu primo Tinho, meu primeiro beijo...
são joão del rey, atrás do cemiterio da igreja do bomfim...
TFM era assim...tudo em familia...
bjos e otimo fim de semana!

Anunciação disse...

Você é muito bom em "descobrir"a vida dos outros.Quem será o herói que irá contar suas peripécias?

Alice disse...

Que sabor de adlesc~encia gostoso!
Gostoso como foi meu primiro beijo,com 12 anos,bem ''inocente''.
Vc TEM QUE PUBLICAR esses contos gostosos!
Beijos!!

anna disse...

interessante como sempre tem uma mulher mais velha ensinando o básico aos meninos neófitos na arte do amor (?). fato bem incomum entre as meninas.
ou será que estou por fora?

ana v. disse...

Lord, que bom que é sempre ler os seus textos!
Este levou-me, como não podia deixar de ser, ao meu primeiro beijo. De dentes bem cerrados, claro! Just in case...

Um beijo, e continue a deliciar-nos sempre
ana

Anônimo disse...

Ah, Ricardo, que bom estes textos nostálgicos. A gente, automáticamente torna à infância. E, é claro, que me lembrei de meu primeiro beijo, rápido, medroso, apenas um leve toque, mas intenso, emocionante. Chegando em casa, a surpresa e o susto: meu pai havia presenciado tudo. Imagine a bronca que levei...
Adorei o post do menino quanto à observação de um só pai, hehe.
abraço, garoto

O Meu Jeito de Ser disse...

Lord, pelo visto, a sua função maior aqui, não é a de escrever, mas de remexer nas memórias de todos.
Quanta gente aí, já havia se esquecido do primeiro beijo, mas que lendo seu texto, fez uma grande viagem no tempo.
Parabéns mais uma vez pelo seu lindo texto, pela leveza com que nos leva com você.
Um beijo à vocês e bom domingo.

Ricardo Rayol disse...

Essas lembranças... devo estar muito velho... apesar de ter visto a copa de 70 e comemorar não lembro do meu primeiro beijo.

Anônimo disse...

No texto longo, a mesma argúcia instigante do texto breve.

Perfeito, Lord, minhas reverências.

Lord Broken Pottery disse...

Eduardo,
De volta pro batente. O feriado foi bom mas passou rápido demais.
Grande abraço

Do,
A memória é mesmo boa. Só que a ela misturam-se dados de ficção que nunca sei se são de fato ou criados.
Grande abraço

Perdidinha,
É sempre bom lembrar de coisas boas, não é mesmo?
Beijo

Marilia,
Gosto de ver você falando de São João del Rey, cidade para mim mágica, linda. É sempre com carinho, ardor, deve ter sido uma infância deliciosa.
Grande beijo

Alice,
Eu até que tento publicar. Consigo que as editoras se interessem por algumas coisas. Não é fácil em nosso país.
Grande beijo

Anna,
Acho que você tem razão. Talvez a mulher, por ter a prole mais próxima, tenha essa coisa de ensinar como uma espécie de instinto.
Beijo

Ana,
Acho essa coisa de cerrar os dentes, que temos nos primeiros beijos, uma delícia. Marca profunda da ingenuidade que possuímos.
Beijo

Denise,
O primeiro beijo, com o pai vendo e a bronca conseqüente, deve tê-lo tornado, pelo sabor proibido, de transgreção, mais gostoso e inesquecível.
Beijo grande

Aninha,
Você tem razão. Gosto de trazer os leitores comigo, nessa volta ao passado, caminho por um tempo delicioso que tivemos, de ingenuidade.
Beijo pra vocês também

Ricardo,
Você é poeta. Pode inventar um primeiro beijo, torná-lo tão verídico, acreditando tão profundamente na emoção fabricada que, pelo encantamento que o texto produz, de repente, sem sentir, a lembrança volta e a ficção, recriada, torna-se realidade.
Grande abraço

Magaly,
Obrigado, querida. Acho que estava um pouco mais inspirado, embora a inspiração não exista.
Beijo carinhoso

Claudia Lyra disse...

Que jeito lindo de descrever as primeiras aventuras amorosas. Lindo mesmo.

Anônimo disse...

Caro Lord, vir aqui e ler você é "tudo de bom"!
Lindo conto...

Uma semana iluminada, beijo carinhoso, Cris

Lord Broken Pottery disse...

Claudia,
Foi gostoso escrevr.
Beijo

Cris,
Adoro esse "tudo de bom" que vem sendo usado com alguma freqüência. Maneira bacana de se expressar aprovação.
Beijo grande

Anônimo disse...

A matemática oscular, e outras do setor sensual, não são uma ciência exata, estão sujeitas aos mais esquisitos referenciais.
Como sempre, excelente texto.

Vivien Morgato : disse...

adorei os personagens e o tema.;0)

Lord Broken Pottery disse...

Peri,
Concordo. Matematicazinha difícil de se entender.
Abração

Vivien,
Obrigado!
Beijo

dade amorim disse...

Muito bom, Lord. É mesmo assim, difícil manter a contabilidade muito clara... ;) Beijos e boa semana.

marilia disse...

Bom dia, boa semana...
bjão!

Clélia Riquino disse...

Caro Lord,

Seu texto remeteu-me à canção:

Ai, que saudade d'ocê
Vital Farias


Não se admire se um dia um beija-flor invadir
A porta da tua casa, te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo que é pra matar meu desejo
Faz tempo que eu não te vejo, ai que saudade d'ocê

Se um dia você lembrar escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio com frases dizendo assim:
"Faz tempo que eu não te vejo, quero matar meu desejo
Te mando um monte de beijos, ai que saudade sem fim."

E se quiser recordar daquele nosso namoro
Quando eu ia viajar você caía no choro
Eu chorando pela estrada, mas o que eu posso fazer
Trabalhar é minha sina eu gosto mesmo é d'ocê

Dê um pulinho no Achados, qdo puder.

bjão,
Clélia

Lord Broken Pottery disse...

Adelaide,
Contas que acabam nos confundindo.
Grande beijo

Marilia,
Bom dia e boa semana "procê" também.
Beijo

Clélia,
Linda letra. Não conheço a canção, o que é meio raro. Conheço bastante coisa em matéria de música.
Estou indo visitar o Achados.
Beijo

Clélia Riquino disse...

Lord,

Tentei encontrar a gravação, qu'eu acho é do Céu da Boca, mas não encontrei. Parece que o Fagner também gravou. Tentarei baixar na Internet. Te envio, qdo conseguir.

bjo

Lord Broken Pottery disse...

Clélia,
Legal!
Beijo

Clélia Riquino disse...

Me enganei, Lord. Na verdade, quem gravou esta música foi o Grupo Beijo (CORALUSP). Tenho o CD deles e converti pra você ouvir. Ela é um baião.

Geraldo Azevedo, que gosto à beça, também a gravou, mas só tenho a versão ao vivo. Segue, então, também.

Espero que goste.

Bjo,
Clélia

Anônimo disse...

Lord, gosto dessas reminiscências que citam aontecimentos de epoca, com detalhes curiosos como o 1.ooo de Pelé no Andrada, da figurinha do Gilmar, de canções.
Ótimo. Li com muito prazer o First Kiss.
Abraço do
Adelino

Lord Broken Pottery disse...

Adelino,
Quando eu estava escrevendo, e lembrei do milésimo do rei, pensei no amigo vascaíno. Na época o Andrada ficou bravo, socou o chão do gol. Hoje acho que foi uma honra para ele. Era um ótimo goleiro e será lembrado para sempre.
Grande abraço

Anunciação disse...

Disse alguma errada?

carolina disse...

Lord, você é foda, esse teu jeito de falar das coisas de criança, poxa vida, é demais. A gente se revê direitinho nos teus contos, sente as emoções, uma coisa. Ô trem bão.

Anônimo disse...

Lord,
Beijos: alguns aos dentes, entre dentes, outros al dente, ardentes.
Quanto estilo, meu deus! Muito bom!
Beijo.

Anônimo disse...

Lord, seu texto me levou ao drama do primeiro beijo...rs. Não o beijo em si que, por ser o primeiro, não foi grande coisa, mas da ansiedade que levou a ele. Incrível a pressa que temos em sermos adultos quando ainda somos apenas garotos...rs. Como disse a Aninha, você tem esse dom de "remexer na memória de todos". Bom fim de semana.

Lord Broken Pottery disse...

Anunciação,
Você é muito querida e nunca me disse nada errado. Quem errou fui eu. Deixei passar sua pergunta, em meio às outras, sem resposta. Quem contará minhas peripécias? Eu mesmo. A maioria das coisas que escrevo são memórias.
Grande beijo e desculpe-me

Carolina,
Puxa! Assim você me emociona. Obrigado!
Beijo

Sibila,
Bom que você gostou. Obrigado!
Beijo

Mário,
A intenção é essa mesmo, buscar identidade de memórias, relembrar juntos.
Abração

Clélia Riquino disse...

Lord,

Lembrei-me, e coloquei, lá no Achados, trecho de um livro da Zélia Gattai, no qual ela relata como foi seu 1° beijo com Jorge Amado. Vá lá ler...

bjo,
Clélia

Anônimo disse...

Lord,
Otimo texto: os personagens e o cenario estao prontos para um livro infanto-juvenil.
E as lembrancas sao tao nitidas, que ate parece que tambem me lembro delas, he he
Jana, aquela que NAO participou do primeiro beijo

Lord Broken Pottery disse...

Jana,
Esse livro já existe, está pronto, chama-se "Outrora Agora", é a continuação do Computador Sentimental. Um dia, quem sabe, consigo publicar.
Acho que você se lembra delas, sim. Está certo que estava fazendo vestibular, era um pouquinho mais velha do que nós todos (he, he, he!), mas acho que ainda dá pra lembrar.
Beijão, prima