quinta-feira, setembro 06, 2007

Bleeding Ghost

Naquele tempo andava pela rua uma velha. A mãe não gostava quando os ouvia falar assim dela.
- Uma senhora - corrigia.
- Uma bruxa - insistia o mais novo.
- Vocês precisam aprender a respeitar os mais velhos. Por que essa implicância?
Sem querer discutir, o mais velho mudamente concordava com o menor. Ainda lembrava da noite anterior. Dera de cara, na calçada, com aquilo. Branca. Cabelos de palha. Olhos mortos arregalados, fora de órbita. Vagando. Só faltava a vassoura. Correra para dentro com o coração aos pulos.
- Uma senhora bruxa - brincou.
Um dia o menino maior estava na sala lendo. Pix, o cachorro deles, devia ter visto alguma coisa que não gostara. Latia sem parar e rosnava, intercalando as duas maneiras mais comuns de se expressar com um breve silêncio gargarejado. Acabara desligando. Não havia nada de extraordinário naquela barulheira toda. O cão era assim. Irritado mesmo. No momento seguinte, o caçula entrou correndo:
- O Pix mordeu a perna da velha! - comunicou assustado. - E agora? Está a maior sangueira.
Gastaram dinheiro e desculpas. A mãe levou a senhora ao pronto-socorro. Teve que mostrar os atestados de vacina do bichinho. No fim, tudo bem. Os vizinhos entenderam o desatino do animal, que passou um tempo na coleira, preso, de castigo.
O cachorro virou herói para os meninos. Agora já não tinham bruxas no bairro. Esqueceram o medo. Quando dentinhos afiados furaram malignas varizes, num passe de mágica a assombração virou gente. De carne e osso. Apenas uma senhora. Onde é que já se viu fantasma sangrando?

37 comentários:

O Meu Jeito de Ser disse...

Isso me parece uma combinação do Pix, com os meninos.
"Olha Pix, você vai lá, morde ela, se sangrar, vamos dar razão à mãe, do contrário, estamos certos, ela é mesmo um fantasma."
Quanta imaginação, e que bonita fase de nossa vida, em que a imaginação é companheira constante, e nos faz correr mundo. Ser ou não ser. Felizes ou tristes.
Bom quando não temos os pés no chão, e isso não implica em consequências desastrosas.
Muito bom.
Um beijo.

valter ferraz disse...

Mano,
infância rica mesmo, hein?
Todos temos nossos personagens que nos amedrontavam. Carregamos nossas "bruxas" ou o "homem do saco" por muito tempo. Até descobrirmos que eles são tão humanos como nós mesmos. Aí, perdem o encanto.
Tá aí, Pix. Cachorrinho dos bons.
Abraço forte

Lord Broken Pottery disse...

Aninha,
O Pix não precisava de nada pra se enfezar. O bicho já tinha nascido bravo. Era um toquinho, mas se achava enorme.
Beijão

Valter,
Perdem o encanto e a gente o medo. O Pix era realmente um barato.
Grande abraço

Anônimo disse...

Pô, o Valter me " furou" no " homem do saco ", a primeira coisa que me veio na cabeça quando comecei a ler o texto.
Esse sim era assustador.
E ainda bem moramos no Patropi, senão teríamos também a nos assombrar o " Abominável Homem das Neves ", que imagino selvagem e cruel.


Mas quando noto meu filho calçando o tênis mais detonado e escondendo o relógio na mochila antes de sair, penso que os homens do saco estão insuportavelmente reais hoje em dia.

Ricardo Rayol disse...

Interessante como quando somos pequenos fantasiamos monstros e casas mal assombradas ... herança de Tom Sawyer talvez.

Maria Helena disse...

Lord,
é por isso que todos os fantasmas infantís precisam ser
materializados (homem do saco, mulher loira dos banheiros,etc),
para poderem sangrar. No mundo infantil, nada melhor para ser um herói do que um cachorro.
Grande Pix.
Bjs

.. disse...

Lord
E quem de nós não tivemos nossas "bruxas",que nos acompanharam por quase toda a vida..
Mas,nem todos tivemos nosso Pix para nos vingar...rs
Adorei!lembrei-me dos meus tempos de menina em que fazíamos(os meninos faziam e nós assistíamos) uma cobra de mentira para assustar as senhoras à noite..rs
Grande beijo

Anônimo disse...

É bem por aí, Lord. O imaginário infantil não compreende fronteiras. Somos povoados por esses seres fantásticos e, às vezes, percebemos que eram de carne e osso e sangravam como qualquer mortal. Boa reminiscência.

marilia disse...

LORD, LÁ EM SÃO JOÃO DEL REY TINHA / TEM O HOMEM DO SINO DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO...
ATÉ HOJE, NA QUARESMA, ELE APARECE E TOCA O SINO ,MESMO SEM SER HORA OU DIA DO SINO BADALAR...
EU ACREDITO EM DUENDES ATÉ HOJE.
ADORO O MEDO IMAGINADO DO UNIVERSO INFANTIL...
ADORO SEUS TEXTOS...RSSS
QUANTO AO CÃOZINHO HEROI, MAIOR BUNITINHO...RSSS
BJOS

Lord Broken Pottery disse...

Peri,
Esse medo moderno, o de não por a melhor roupa, esconder o tênis novo, esse sim é a maior tragédia. Nossos meninos não tiveram direito ao medo fantasiado, a realidade deles é mais assustadora.
Grande abraço

Ricardo,
Tom Sawyer, um dos meus heróis favoritos, grande lembrança.
Abração

Maria Helena,
Grande Pix, um cachorrinho pequeno, meio pinsher, amarelo, sonso, sem a menor vergonha, nenhum caráter. Era uma grande figura.
Beijão

Anne,
Essas brincadeiras da infância são inesquecíveis. Quem não tem um monte delas para contar?
Beijão

Mário,
É bem por aí. Interessante quando nós, meninos, vemos que aquilo que fantasiávamos é capaz de sangrar.
Grande abraço

MArilia,
Nunca te disse, mas acho São João Del Rey uma cidade linda. Você é literalmente bem nascida. Também gosto desses medos imaginados do universo infantil. Fantasia pura.
Grande beijo

Anônimo disse...

Nossa, Lord, que texto gostoso, gracioso. Prosaica situação a fazer pensar que não só nos contos de fadas os monstros rondam. Aqui, no bairro, na rua, na frente do prédio, um. Mas tão familiar fica o outro, porque ali todos tão simples e frágeis, que simples o desfecho do horror, da feitiçaria. Crianças, a velha-senhora bruxa-não-bruxa, a mãe. Não há bruxaria.
Mãe boa a deles e a vida-mãe. Mão sempre boa a sua. Bjs.

Anônimo disse...

ai que triste

marilia disse...

Oi Lord!!!
bom saber que sou uma moça bem nascida...rsss
mas, vc vai mudar de ideia se der um pulinho lá no marmota hoje e ler um texto meu que aquele maluco publicou!!!!
bjos, e feliz dia da independ~encia...rsss
PS: A mali se lembrou do medo dela qdo criança(? rss): a cuca, do sitio...rsss

Claudia Lyra disse...

Poxa, Lord... você conta as coisas mais comuns de um jeito tão bom de ler. Não me lembro de quase nenhuma fantasia da minha infância... fiquei velha rápido demais? Preciso de um cão pra me fazer sangrar...

dade amorim disse...

Lord, não sei se você viu um comentário em resposta ao seu, lá em O Bem, o mal...
Olha o que ela diz:

ana vidal disse...
Cuidado, Lord, a velha Europa é hoje um mundo gasto e delabré, a braços com problemas gravíssimos de integração e ferozmente limitado por ancestrais preconceitos. Ou seja, esgotado. Tem o encanto da cultura e da história, admito, mas viver aqui também não é fácil.
Nós, europeus, muitas vezes temos o desejo inverso: partir para mundos novos, onde ainda haja coisa novas por fazer e que não tenham o peso insuportável das tradições.

4 de Setembro de 2007 13:01

Pode crer. Aqui ao menos ainda não se sabe bem o que vai acontecer - embora dê pra suspeitar e assustar. Mas não há dúvida de que nem tudo está consumado.
Beijo

anna disse...

é uma delícia quando se encontra a vacina daquilo ou daquele que nos dá medo.
viva o pix!

Anônimo disse...

Lord, adorei o nome PIX. Que ótimo nome para cachorro. Com não havia pensado nele antes?

Forte abraço,

Anônimo disse...

Ah, ah, desmitificaram a bruxa! A mente infantil é assim mesmo. A Princesinha já começou com a história de que qualquer barulho estrano é um bicho. Nós adultos é que inventamos os velhos do saco, as mulheres louras, e outros bichos. A criança reproduz de maneira fantástica.
abraço, garoto

Fabiana... disse...

caramba... eu tb tinha muito medo de bruxas... e tinha pesadelos e tanto por acusa delas...rs...
sorte de vcs que tinham o pix.
beijocassssssssssssssssssssssss.

Silvares disse...

Bonito.
O medo do "outro" é o que nos mata. E acabamos matando... gostei paca. (tentativa de falar português do Brasil :-)

Anônimo disse...

De agora em diante PIX será nome oficial de cachorros espertos e valentes.
Lindos dias,poeta
beijos

ana v. disse...

Milord, deixei de acreditar no Pai Natal quando um dia o vi discutir com o dono da loja onde estava, com alguns palavrões pelo meio, porque o outro não lhe pagava o que estava combinado. É assim, os nossos sonhos esfumam-se às vezes num instante...

ana v. disse...

e os medos também...

Fabiana... disse...

passando pra desejar uma semana feliz pra vc lord!
beijocasssssssssssssssssss.

Lord Broken Pottery disse...

Sibila, querida,
Gostei dos trocadilhos com mãe, mão, ficou legal.
Beijo

Eliana,
Será? Não achei tão triste assim.
Grande beijo

Marilia,
Ainda não conheço o blog do Marmota. A cuca eu conheço, e também tinha medo dela.
Beijão

Claudia,
Não conheço ninguém que não tenha ficado velho rápido demais. Todos nós ficamos, contra a nossa vontade.
Beijão

Adelaide,
Ainda prefiro o mundo gasto e preconceituoso da Europa à falta total de perspectivas em que vivemos. Tenho uma prima que mora em Portugal. Às vezes, quando as saudades apertam, ela fala em retornar para o Brasil. Pra que? Por que sair de uma vida tranqüila no primeiro mundo, ganhando bem, bem empregada, para viver, por exemplo, no Rio? Sei que ela adora a cidade, ente falta de muita coisa, mas particularmente não entendo.
Beijo

Anna,
Viva ele, sujeitinho endiabrado que deixou saudade.
Beijão

Eduardo,
É realmente um bom nome. Voltando ao passado e tentando lembrar a razão de meu irmão ter escolhido esse nome, não atino com nenhuma.
Abração

Denise,
Pra você ver. Até a Princesinha, uma coisinha tão novinha já tem medo. Às vezes tenho a impressão que erramos demais na educação de nossos filhos.
Beijão

Anônimo disse...

Lord, para um nome bom como PIX nem precisa razões!
Gostei de ver o Silvares "falando" gíria brasileira! Só vc para arrancar essas liberalidades dele!

Forte abraço.

Anônimo disse...

Mas são exatamente essas "bruxas" que tornam niossa infância mágica...

Beijos

Anunciação disse...

Delicia de história;voltei no tempo.Desculpe a pergunta,mas qual a sua idade,se me perdoa a falta de educação?

Adelino P. Silva disse...

Lord, eu só acredito vendo, e como nunca vi, no lo creo mucho...
Grande abraço
Adelino

Lord Broken Pottery disse...

Perdidinha,
Eu até que tinha simpatia por bruxas. No meu tempo elas eram legais: Meméia, Madame Mim. É que aquela era muito real demais.
Beijo grande

Silvares,
Gostei de ver um gajo com tu falando gíria brasileira. Gostei paca!
Abração

Márcia,
Estamos combinados. Será dado ao Pix o devido respeito à sua memória.
Grande beijo

Ana,
Sabe que nem me lembro quando deixei de acreditar em papai Noel? Só atino com duas razões: a) Ou faz tanto tempo que a memória já apagou; b) O choque foi tão grande que nem consigo lembrar.
De certa maneira respondo pra você também quando falei com a Adelaide.
Grande beijo

Perdidinha,
Boa semana procê também.
Beijo

Eduardo,
Também achei que o Silvares anda antenado com nossas gírias. Bacana!
Abraço

Sandra,
Não tenho dúvidas quanto a isso. Mágicas!
Beijo

Anunciação,
Não precisa pedir desculpas, não escondo a idade. Sou de 04 de janeiro de 1954. Tenho 53 anos, infelizmente.
Beijão

Adelino,
Hoje, com a idade que cito àcima, penso igual a você.
Grande abraço

Van disse...

Eu por mim acredito em bruxas. E mais: estou do lado delas. Tem uma que mora aqui dentro. Mas é mansa e é sábia. Fiz amizade com ela ainda na infância, quando descobri que ela morava debaixo da escadaria da minha sala roxa. Passava correndo pela escada com medo dela agarrar meu pé. Até que um dia enfrentei-a. Entrei debaixo da escada, sentei-me ali e conversei com ela. Descobri que era só. Não era má. Só queria ser vista. Vê. Eu também era invisível. Identifiquei-me. Fazer o quê? Sou pró-bruxas. No fim, todas elas são humanas mesmo. E bem-feito pro cachorro!
..................................
Lord, você continua genial!
Saudades.
Beijuca

Lord Broken Pottery disse...

Van, querida,
Ela é uma bruxa boa, tipo Meméia. Havia alguma vassoura debaixo da sala roxa? Como você descobriu a bruxinha?
Grande beijo

Van disse...

As vassouras lá em casa eram comuns. Ficavam atrás das portas pra afastar mau-olhado! Eu não a descobri, foi ela que agarrou meu pé num sonho. Ou foi culpa de algum primo terrorista que me contou sobre ela e eu fiquei com medo. Como quando minha prima me jurou que o ralo da piscina me sugaria quando eu chegasse perto, sabe? E eu fiquei com medo de ralos de piscina por longos anos..... A bruxa me veio não me lembro como. Vou tentar me lembrar agora.
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Acho que vou voar até você na vassoura dela. Pra sua segunda-feira ficar mais fácil. Talvez! Espera que tô chegando. Abra a janela! Fica assim não. Vem passear de vassoura comigo!
Beijuca

Van disse...

Pra você, querido:
http://musak-van.blogspot.com/2007/08/its-gonna-be-ok.html
It's gonna be ok! ;)
Tô na metade do caminho. Êta vassoura rápida!

Lord Broken Pottery disse...

Van,
Musak? Gostei, vou colocar um link aí do lado.
Beijo carinhoso

marilia disse...

viu como post de bruxa,menino e assombração é legal? rsssss
quem não gosta,é pq nunca brincou de esconde esconde...bjos

Lord Broken Pottery disse...

Marilia,
E quem é que nunca brincou de esconde-esconde?
Beijão