quarta-feira, janeiro 07, 2009

Quero-quero

Domingo acordei um pouco triste. Meu pai, caso existisse além de minhas lembranças, completaria oitenta anos. Meio sem saber a razão fui ao cemitério, costume que foi se espaçando, rareando, até tornar-se um ritual distante e meio sem sentido. Senti vontade de ir e obedeci ao impulso. Lá chegando gostei de ver a lápide bem cuidada, as placas de cobre dele e de minha avó brilhando, a grama bem aparada ao redor da pedra. Desconfiado, achava que podia estar jogando dinheiro fora ao pagar o serviço de manutenção. Como não freqüento o túmulo, acabo não fiscalizando os trabalhos. Fiz mau juízo da empresa responsável, ou será que eles capricharam por causa da data?
Um casal de quero-queros e seus dois filhotes bem bonitinhos, me recebeu com estardalhaço. Não gostaram de ver um intruso invadir sua privacidade silenciosa. É o que dá enterrar nossos entes queridos em campos relvados, habitat natural desses pássaros. Cada vez que tentava me aproximar, levar o vaso de flores ao seu destino, avançavam com as asas abertas, protetores. Agora, relembrando a cena, não consigo deixar de rir. Imagino que meu velho, se perguntando porque eu não havia trazido uma garrafa de uísque ao invés de flores, presente estranho para se dar a um alagoano, também deva ter se divertido. Na hora fiquei meio desarvorado, sem saber o que fazer. Minha sorte, porém, foi que um dos nenéns afastou-se dali e a família, sempre muito unida, foi atrás.
Pude então me emocionar um pouco, menos do que nas outras vezes, e conversar sobre literatura com o Ricardão. É como eu rezo, falo com ele sobre livros.

34 comentários:

Aninha Pontes disse...

Caco querido:
Apesar de seu post emocionante, também não consegui deixar de rir com a história da troca das flores pelo uísque.
Os quero-queros são danandos de protetores.
Aqui temos uma infinidade deles, e eles atacam mesmo para proteger seus filhotes, atacam e gritam.
Então você e seu pai fazem aniversário na mesma época?
Bom, parabéns à você, que tenha muita saúde, alegria e grandes realizações.
E seu pai, que descanse em paz onde estiver. (eu acredito nisso, nessa paz).
As vezes seguir impulsos nos faz bem, dá alegria a nosso coração.
Um beijo grande.

Lord Broken Pottery disse...

Aninha,
Fazemos no mesmo dia. Antigamente era uma data festiva, comemorávamos juntos. Agora ficou um pouco triste.
Beijo grande

valter ferraz disse...

Caco,
e vc nem bebe, não é mesmo? Do contrário bebia um à saúde do velho(ops!) e ficava tudo bem.
Sei bem o que sente. Seo Leon aniversaria no dia 31 de agosto. Todos os anos penso: hj ele faria tantos anos. Um travo amargo vem à boca e me passa um filminho besta na cabeça. Às vezes quase que ouço o vozeirão do calabrês: "porcamiséria!"
Beijo, mano

ps:ainda que atrasado, feliz aniversário.

Anônimo disse...

Meu querido Lord Rei dos Cacos,

se ainda fosse necessário, eu te falaria da beleza de seu texto e da emocção que ele me causou.
Sei onde seu pai repousa, eu estava presente quando ele foi levado pra lá, mas mesmo que não soubesse,"enxergaria" o espaço, a grama aparada, os quero-queros, os filhotes, o vaso de flores trazido pelo filho saudoso. Você é um escritor e tanto, menino.

Quando você falou no uísque, concordei, como não? Uma das paixões de seu pai, que tinha muitas. Pensei: se o Caco levasse um uísque, eu levaria um livro de contos. Não precisamos ficar repetindo nada, mas você conheceu - ou conhece - alguém tão apaixonado por contos como seu pai?
Eu me lembrei muito de vocês dois no dia quatro, mas não tinha como me comunicar com você. Um abraço fraterno, que não considero atrasado, porque tais bobagens não povoam as amizades verdadeiras.

Posso mandar um recado à Aninha? Quero dizer-lhe que, entre algumas boas lembranças que têm me acompanhado vida afora, uma, especialmente uma, me é muito cara. Ela me leva a um apartamento da rua da Consolação onde,entre parentes e amigos, um pai emocionado comemorava cinquenta anos, enquanto o filho estimado estreava os vinte e cinco. Festa bonita, almoço alegre, uísque -claro! -, contos, contos, contos.

Saudade não mata, Caco.

Beijo antigo

Vivina.

Lord Broken Pottery disse...

Valter,
Eu fui com muita sede ao poe, já bebi minha cota nesta vida. Fica pra próxima. Obrigado pelo carinho, viu?
Grande abraço, mano

Vivina, querida,
Suas palavras é que me emocionam. Ouvir de você que escrevo bem é um elogio que faz mal à minha vaidade.
Lembro bem da festa dos 50 do velho e 25 meus. Era uma data especial. Eu comemorava a idade que ele tinha quando nasci. o apartamento da rua da Consolação estava em festa, todos os amigos mais importantes lá. Se eu lembro do amor do Ricardão pelos contos?Cresci ouvindo ele ler os contos que escrevia em voz alta, falar sobre os melhores contistas, organizar antologias, poucos dedicaram tanto tempo ao gênero. Foi um dos maiores especialistas que conheci, você não acha?
Obrigado por ter lembrado da data.
Beijo carinhoso

Anônimo disse...

Lord,

seu texto despertou a hora da saudade e lembranças dos que se foram. Fim de ano e aniversários são datas que trazem essa nostalgia à tona. Apesar de triste faz bem á alma. Alguém algum dia em algum lugar sentirá por nós!

Forte abraço e bom reler seus textos!

Anônimo disse...

Lord,

li seu comentário no 100cabeças, e dele copiei:

Conciso
Com siso
Prolixo
Pro lixo

José Paulo Paes

Gostei tanto que vou levar para o meu O ULTIMO BLOG.

Abçs

Claudio Costa disse...

Lord, lembrei-me de um poema do Bandeira que dizia mais ou menos isso: "Amanhã, que é dia dos mortos/ vai ao cemitério, vai/ e em frente à sepultura/ ajoelhe e reze uma oração/ não pelo pai, mas pelo filho/ o filho tem mais precisão/" Pois é, os vivos - nós - é que necessitamos de flores, quero-quero e diversão. Viva la vida!

Anônimo disse...

É .... deu vontade pegar um litro de uisque e ir tomar uns drinks com nossos velhos, estejam seus espíritos onde estiverem.
abraço

Anônimo disse...

um afetuoso abraço, caro lord. é só o que consigo escrever (e oferecer) neste momento.

anna disse...

lord, sem querer desmerecer seu investimento na manutenção, mas acho que vc acertou na mosca! os caras devem mesmo prestar atenção nas datas!

e que linda maneira de relacionar-se com ele. sugiro que na próxima leve o uiscão dele e sua bebida predileta.
quem sabe num sai desse encontro um próximo livro?

Silvares disse...

Amen, Lord... amen mesmo...

Maria Helena disse...

Lord,
Explicitar um amor profundo, que vem da alma,emociona e sensibiliza quem lê. Seu pai, onde quer que esteja, deve estar orgulhoso e agradecido.
Parabéns e muitas felicidades pelo seu aniversário.
Bjs

Blog do Beagle disse...

Lord, faz tempo que eu não peregrino pela campa dos meus pais. Depois do seu post fiquei pensativa e não tenho mais nada para lhe dizer a não ser: da próxima vez, leve o uisque e brinde a vida com ele. Elza

Lord Broken Pottery disse...

Eduardo,
A vida é assim, o mundo gira, a fila anda. Você tem razão, algum dia sentirão nossa falta. Só não tenho pressa, preferiro demarar mais um pouco.
O Zé Paulo era um grande poeta, muito amigo de meu pai, estava sempre em casa, deixou saudade.
Abraço

Claudio,
Bandeira é talvez meu poeta preferido. O poema que você citou é um dos vários dele que sei de cor. Uma beleza essa coisa de que o filho tem mais precisão.
Grande abraço

Peri,
Se algum dia eu voltar a beber, será com ele, em outra encarnação. O velho era fã de um bom uísque.
Grande abraço

Marcio,
Casualmente nossos últimos posts citam nossos pais. alvez seja este espírito meio meloso de fim de ano. Vai passar.
Grande abraço

Anna,
Com o velho era assim. As conversas que tínhamos rendiam contos, histórias, às vezes livros. A literatura sempre
presente.
Beijo grande

Maria Helena,
Se o velho estiver em algum lugar, espero que tenha uísque, livros e quiabo. O velho não comia sem quiabo.
Beijo

Silvares,
Assim seja!
Grande abraço

Elza,
Brindar à vida é sempre um grande brinde. Nada merece ser mais festejado.
Beijo grande

Claudia Lyra disse...

Saudades, saudades... tem hora que ela chega até a sufocar, não é?

Quanto aos quero-queros, já levei muito rasante desse bichinho, porque onde costumo caminhar tem vários ninhos desse pássaro. Mas é tão engraçado como eles são zelosos, não é mesmo?

Anônimo disse...

Lord, um feliz ano novo pra você.

Você com o vaso e os pássaros bicando e ao mesmo tempo ouvindo do seu pai a pergunta, para ele óbvia, do uísque, e você todo atrapalhado... é engraçado mesmo e bonito também. É bom quando a gente tem coisas boas pra lembrar-imaginar.

Parabéns pelo seu aniversário!

Beijos.

ana v. disse...

Querido Ricardo, como te entendo! Às vezes também tenho saudades e apetece-me falar com o meu pai, que já morreu há muitos anos. E falo, sim, falo com ele de tudo o que me preocupa, comove ou alegra. É bom fazer isso de vez em quando, para continuar a senti-lo vivo em mim. Só não vou ao cemitério, um lugar que detesto. E, francamente, acho que o meu pai não está lá e nunca esteve... pelo menos a parte dele que me interessa preservar - a alma, o espírito.

Muitos parabéns pelo seu aniversário, embora com atraso. Bom ler-te, mas isso não é novidade...

Beijo grande

Anunciação disse...

Um beijo afetuoso e um abraço,só isso.

Lord Broken Pottery disse...

Ery,
Concordo, precisamos comemorar a vida. Até mesmo porque, como disse o Poetinha: "Duas mesmo que é bom, ninguém vai me dizer que tem, sem provar muito bem provado, com certidâo passada em cartório do céu".
Grande abraço

Claudia,
Dou muita risada com esses bichinhos, acho eles um barato. É muito comum vê-los em jogos de futebol, bravos com a bola, quando ela se aproxima demais de seus ninhos.
Beijo grande

Sibila,
Poder lembrar e imaginar é a outros animais. Já foi dito: "A minha arma é o que a memória guarda". Obrigado pelos votos.
Beijo carinhoso

Ana,
O cemitério é realmente um lugar estranho, também não gosto de lá, tenho um certo medo. Para mim, materialista que sou, é a morada dos últimos átomos de meu pai. É onde posso estar mais próximo do que sobrou dele: os ossos deteriorados debaixo da terra. É onde esta conversa que tenho com ele, e que você também tem com seu pai, me parece mais provável, simbolicamente, de ser ouvida.
Beijo grande

Anunciação,
O que você me oferece é muito. Agradeço comovido.
Beijo também com afeto

Anônimo disse...

Ricardo,
Parabéns, a tempo, espero. Texto emocionante e verdadeiro. Seguir um impulso é coisa que me é muito familiar. Identifiquei-me demais com tal atitude tua. E , se não vais lá mais vezes, é porque ele está aí mesmo, com você, em você. Tão perto que só quem vive, sabe.
um grande abraço, garoto

Nelsinho disse...

Linda e emocionante, sua crônica!
Muito obrigado pela visita e os votos para o novo ano. Retribuo com um grande abraço.

Claudio Boczon disse...

Lordíssimo,

a mim também soou muito familiar o texto, essa coisa de fazer eventualmente uma "visita" aos que ainda amamos, apesar da distância temporal, dimensional e o escambau.

tem um conto do Trevisan que é, para mim, uma pedra de toque:

"- Cansei de viver com um grande manso. Pegue os teus trapos. Vá até o cemitério...
- Não fale assim, amor.
- ...e procure um túmulo para chorar. Já morri para você."

forte amplexo

Anônimo disse...

Eu não gosto de cemitérios. Há quem goste? Mas vamos sim,- vou sempre que posso ou sinto uma necessidade. É que ela gostava de ser cultuada e temia ficar só para sempre sem visitas ao túmulo. Manifestou em vida esta vontade.

Os meus pais já estão enterrados e sim! Nós filhos é que precisamos de orações porque nosso vazio não se preenche jamais.
Agora Alice vem alegrar meus dias, mas não consigo deixar de pensar na expressão de meu pai e de minha mãe se a vissem, se a beijassem, se estivessem os dias todos com ela a fazer-lhe dengo, a rir com bobagens e a lhe ensinar as coisas lindas todas que me ensinaram.

Há dias em que a gente precisa mesmo beber ou derramar este uísque deles, esta água mineral ou o picolé de coco sorvido com deleite.

São rituais que nos confortam a alma enquanto vagamos órfãos pela vida - felizes muitas vezes, mas órfãos de pai e/ou de mãe com este vazio incomensurável.

Um beijo, Lord, pelo seu aniversário. Feliz vida nova!!!

Alena

Lord Broken Pottery disse...

Denise,
É assim mesmo, você tem razão, o velho às vezes aparece, vive aqui pertinho.
Beijo grande

Nelsinho,
É sempre com muita alegria que vejo você por aqui.
Grande abraço

Claudio,
Legal você citar o Trevisan. Era um autor pelo qual o velho tinha o maior respeito.
Grande abraço

Alena,
Bonitas palavras, todas elas. Seu texto também carrega muita emoção. Acho legal ver você aqui falando da Alice. Dá um sentido especial ao seu voto: Feliz Vida Nova!
Beijo grande

MariaV disse...

Hoje não consigo entrar aqui sem me comover. Como sempre, como nunca, cá vem você desta maneira, doce, falar do seu Pai. O meu também já não está cá, mas está comigo e protege-me, eu sinto.

Um beijo e parabéns atrasados (o seu Pai também merece parabéns por si, lá onde está)

Anônimo disse...

Lord,

Eu QUERO-QUERO que vc participe da TERTULIA VIRTUAL! É FOGO!

Lord Broken Pottery disse...

Maria,
Sempre fico contente quando percebo que consigo emocionar. Escrever é, em última análise, trabalhar sentimentos.
Beijo grande

Eduardo,
Só agora vi, não deu tempo. Pena... Gosto de partcipar.
Abração

GUGA ALAYON disse...

um abraços de parabéns pra vcs, pai e filho!

Lord Broken Pottery disse...

Guga, meu velho,
Obrigado!
Grande abraço

Carol Timm disse...

Lord,

Embora seja um lugar em que não visito entes queridos, o seu texto me provocou todo tipo de saudades.

Gostei do texto e com certeza seu pai também está orgulhoso de sua escrita.

Abs,
Carol

Lord Broken Pottery disse...

Carol,
Bom te ver. Outro dia estava ouvindo o Gonzagão. Quando a saudade não amarga que nem jiló, até que ela é boa.
Beijo grande

Anônimo disse...

Lord, estou chegando aqui um pouco atrasado, mas ainda vale. Foi um dos post mais emocionantes que vi por essas paragens. Falar que vocês escrevem divinamente, incluindo a Vivina, é redundância.
Sobre pais: dizem que JK teria dito: "Deus poupou-me do sentimento do medo". Deve ser daquelas frases que "fabricam" para os grandes estadistas, celebridades de um modo geral.
Eu diria: "Deus poupou-me do sofrimento de perder o pai". Ele, que tinha o mesmo nome que o meu, faleceu apenas 14 dias depois de meu nascimento. A única lembrança que tenho dele são fotos, e o que chamam de "tradição oral".

Um grande abraço, Lord.

Lord Broken Pottery disse...

Adelino,
Ia cometendo uma gafe, falando sobre o quão feliz você era por não ter conhecido a dor de perder um pai. Será que foi mesmo felicidade?
Grande abraço