Camilo abriu o bar cedo como de costume. A cidade dormia quando seguiu rumo ao trabalho. Passou pela praia meio sonâmbulo, andar robotizado pela rotina. O ar fresco do mar veio saudá-lo. Viu o vermelho no horizonte prenunciando calor. Natureza e gente. Não muita. Fora de temporada, as areias recebiam menos colorido. Um ou outro biquíni, raros guarda-sóis. Nada que tingisse para valer a fartura disponível de claros. Pena.
Atendeu o primeiro pedido sem perceber. Recebeu o dinheiro e devolveu o troco segurando um bocejo. Observou o freguês partir pensativo. As idéias ainda lentas. Tudo em volta um pouco parado. Acordando aos pedacinhos. Esfregou um pano umedecido no mármore do balcão. O cheiro animou-o. Amarrou o avental na cintura considerando que o odor sempre associado à limpeza era apenas álcool, não o resultado garantido de ausência de sujeira. Riu sozinho, quanta bobagem!
Sintonizou o rádio já ligado antes. Noticiário esportivo. Dirceu, o farmacêutico, vinha para um cafezinho assim que terminava de abrir sua loja. Ficava um tempo proseando com o amigo.
- E aí, cabeça muito inchada?
- Tu gostas de vir me irritar logo cedo.
- Camilo, meu velho, você precisa aprender a perder.
- Tu és muito desaforado. O que se pode esperar de quem ganha o sustento aplicando injeção?
O português torcia pelo Santos. Quem ia ao bar divertia-se com a escolha. E Camilo argumentava agastado:
- Clube é coisa de coração. Vasco e Portuguesa não me dizem nada. Quando cá cheguei, nos idos de cinqüenta e oito, um time cativou-me: o alvinegro da Vila Belmiro.
- Você gosta é do Pelé – provocavam.
- Pois. O senhor Édson Arantes do Nascimento foi o melhor jogador que já vi em campo. Mas passou. Ficou o prazer de ver o time que é cá da praia.
Camilo era bom de papo. Ia-se ao bar Maria da Fonte por três motivos: cerveja gelada, a conversa e os salgadinhos que servia.
Padre Tenório também passava por lá. Perto do horário do almoço chegava para uma boquinha. Gostava de água com gás. Discutia diariamente com o português, que o tinha por conservador.
- Padre para mim tem que estar do lado dos pobres – provocava Camilo.
- Concordo. A caridade é uma de nossas incumbências.
- Que caridade, homem? Não é com esmola que se resolvem os problemas sociais.
- E o que você sugere?
- Que pare com essa coisa de aeróbica na igreja. Deixe isso para as academias.
- Você é contra? Olha que o povo gosta, a casa do Senhor tem estado cheia como nunca e muito alegre.
- Falta de respeito. Aquilo lá, pelo que me contam, virou uma gafieira.
- Quanta besteira! Eu é que sou conservador? Por que não aparece para ver o que está acontecendo?
- Não é possível, agradeço ao convite. Sabes que trabalho de domingo a domingo. Lá tenho tempo de ir em show?
Solteiro, o lusitano morava só. Teve algumas paixões violentas. Duraram pouco. Passava um tempo ouvindo Amália Rodrigues estendido no sofá da sala. Seguia os peixinhos no aquário com olhar romântico. Achava relaxante observá-los. Sonhava, então, com a mulata do dia. Depois sarava, largava o fado.
Ângela Maria, a última, deixara suas marcas. A moça interrompera o romance.
- Você não tem tempo para mim – reclamou chorosa.
Trocar um amor antigo por um novo. No fundo, era a proposta ouvida.
Gostava de estar atrás do balcão. Camilo olhou para um canto sombreado. Ali, no chão de cimento gelado, em cima de um grande saco de batatas, o bichano dormia largado, onde sempre costumava descansar quando aparecia. Enxugou as mãos no avental, infeliz. Um suspiro de saudade estremeceu o peito cabeludo.
À noite, radinho ligado sobre a mesa de cabeceira, luz apagada, ouviu o jogo. Deitado. O vento passando pelas janelas abertas e balançando as cortinas. A aflição da partida difícil em silêncio. Só. Assim gostava de ver futebol. Pelo rádio. Imaginando os lances. As jogadas desenvolvendo-se perfeitas sobre o travesseiro. Dribles que a televisão não mostrava. Estendido na cama, barriga proeminente para cima, os olhos fechados, acompanhou a disputa pelo gramado com riqueza de detalhes.
A bola escapou deslizando solta. Ângela Maria de rabo-de-cavalo levantou a bandeira, apontando o impedimento. Padre Tenório, vestido de preto, correu para o centro do gramado apitando. Dirceu, torcendo contra, riu sem parar, a cada lance perdido. A pelota, como um rato branco gordo, fugiu do gato em disparada, passando entre as pernas do goleiro.
- Gooooooooool!
O grito do locutor tirou-o do sono leve, cheio de sonhos. Não vibrou com a alegria de inaugurar o placar. Ângela Maria. Esticou o braço desligando o futebol. Levantou-se. Na sala, só de cuecas, colocou o cedê de sempre, sentando-se na poltrona mais confortável:
- Perdi minha gorduchinha.
Alguém lá fora gritou gol. Pimba!
Atendeu o primeiro pedido sem perceber. Recebeu o dinheiro e devolveu o troco segurando um bocejo. Observou o freguês partir pensativo. As idéias ainda lentas. Tudo em volta um pouco parado. Acordando aos pedacinhos. Esfregou um pano umedecido no mármore do balcão. O cheiro animou-o. Amarrou o avental na cintura considerando que o odor sempre associado à limpeza era apenas álcool, não o resultado garantido de ausência de sujeira. Riu sozinho, quanta bobagem!
Sintonizou o rádio já ligado antes. Noticiário esportivo. Dirceu, o farmacêutico, vinha para um cafezinho assim que terminava de abrir sua loja. Ficava um tempo proseando com o amigo.
- E aí, cabeça muito inchada?
- Tu gostas de vir me irritar logo cedo.
- Camilo, meu velho, você precisa aprender a perder.
- Tu és muito desaforado. O que se pode esperar de quem ganha o sustento aplicando injeção?
O português torcia pelo Santos. Quem ia ao bar divertia-se com a escolha. E Camilo argumentava agastado:
- Clube é coisa de coração. Vasco e Portuguesa não me dizem nada. Quando cá cheguei, nos idos de cinqüenta e oito, um time cativou-me: o alvinegro da Vila Belmiro.
- Você gosta é do Pelé – provocavam.
- Pois. O senhor Édson Arantes do Nascimento foi o melhor jogador que já vi em campo. Mas passou. Ficou o prazer de ver o time que é cá da praia.
Camilo era bom de papo. Ia-se ao bar Maria da Fonte por três motivos: cerveja gelada, a conversa e os salgadinhos que servia.
Padre Tenório também passava por lá. Perto do horário do almoço chegava para uma boquinha. Gostava de água com gás. Discutia diariamente com o português, que o tinha por conservador.
- Padre para mim tem que estar do lado dos pobres – provocava Camilo.
- Concordo. A caridade é uma de nossas incumbências.
- Que caridade, homem? Não é com esmola que se resolvem os problemas sociais.
- E o que você sugere?
- Que pare com essa coisa de aeróbica na igreja. Deixe isso para as academias.
- Você é contra? Olha que o povo gosta, a casa do Senhor tem estado cheia como nunca e muito alegre.
- Falta de respeito. Aquilo lá, pelo que me contam, virou uma gafieira.
- Quanta besteira! Eu é que sou conservador? Por que não aparece para ver o que está acontecendo?
- Não é possível, agradeço ao convite. Sabes que trabalho de domingo a domingo. Lá tenho tempo de ir em show?
Solteiro, o lusitano morava só. Teve algumas paixões violentas. Duraram pouco. Passava um tempo ouvindo Amália Rodrigues estendido no sofá da sala. Seguia os peixinhos no aquário com olhar romântico. Achava relaxante observá-los. Sonhava, então, com a mulata do dia. Depois sarava, largava o fado.
Ângela Maria, a última, deixara suas marcas. A moça interrompera o romance.
- Você não tem tempo para mim – reclamou chorosa.
Trocar um amor antigo por um novo. No fundo, era a proposta ouvida.
Gostava de estar atrás do balcão. Camilo olhou para um canto sombreado. Ali, no chão de cimento gelado, em cima de um grande saco de batatas, o bichano dormia largado, onde sempre costumava descansar quando aparecia. Enxugou as mãos no avental, infeliz. Um suspiro de saudade estremeceu o peito cabeludo.
À noite, radinho ligado sobre a mesa de cabeceira, luz apagada, ouviu o jogo. Deitado. O vento passando pelas janelas abertas e balançando as cortinas. A aflição da partida difícil em silêncio. Só. Assim gostava de ver futebol. Pelo rádio. Imaginando os lances. As jogadas desenvolvendo-se perfeitas sobre o travesseiro. Dribles que a televisão não mostrava. Estendido na cama, barriga proeminente para cima, os olhos fechados, acompanhou a disputa pelo gramado com riqueza de detalhes.
A bola escapou deslizando solta. Ângela Maria de rabo-de-cavalo levantou a bandeira, apontando o impedimento. Padre Tenório, vestido de preto, correu para o centro do gramado apitando. Dirceu, torcendo contra, riu sem parar, a cada lance perdido. A pelota, como um rato branco gordo, fugiu do gato em disparada, passando entre as pernas do goleiro.
- Gooooooooool!
O grito do locutor tirou-o do sono leve, cheio de sonhos. Não vibrou com a alegria de inaugurar o placar. Ângela Maria. Esticou o braço desligando o futebol. Levantou-se. Na sala, só de cuecas, colocou o cedê de sempre, sentando-se na poltrona mais confortável:
- Perdi minha gorduchinha.
Alguém lá fora gritou gol. Pimba!
40 comentários:
Gol de letras.
Ótimo.
Esse Camilo é português mesmo. Eu conheço-o bem. Vejo-o todos os dias nos mais variados lugares. Anda por aí e é muita gente.
:-)
Peri,
Obrigado, gostei, gol de letras.
Abração
Silvares,
É gente e muita gente.
Abração
Lord, gostei do tema futebol tratado com leveza e humor.
Gol de placa!
Abraço forte
Esse conto é o início de um romance? Tem personagem que é maior do que o conto, se espalha, exige mais tempo. Acho que é o caso e eu gostaria de ler.;0)
Valter,
Obrigado. Você deve estar acostumado com o tipo de cenário que envolve a história.
Abração
Vivien,
Você matou na mosca. É, sim, o início de uma novela juvenil que escrevi. Quando for publicada eu aviso, tá?
Beijão
Lord Caco,
tá ótimo.
No penúltimo parágrafo, quando as personagens "adentram o gramado", como gostam de dizer nossos "locutores", o conto cresce tanto, que a gente fica imaginando - e desejando - uma seqüência. A Vivien, vivíssima,
sacou logo, não é?
Esperamos o aviso.
Beijo da
Vivina.
eu cheguei a pensar que ele ia morrer no final, mas a vida continua, vazia, triste...
Vivina,
Manedei para um concurso na UBE, vamos ver. Ando meio desanimado com essa questão de publicar as coisas. Não sou vendedor, não sei vender o que escrevo, não tenho jeito, fico pouco à vontade.
Beijão
Serbão,
Morreu nada. Se morresse dava o seu enderço aí. Continua lá no Maria da Fonte, vendendo salgadinhos e batendo papo. É um grande sujeito.
Abração
A Vivien tá certa, ficou com gosto de quero mais.
Avisa o Serbão, que ele está mesmo vivíssimo, o Valter tem ido lá também para o cafézinho, e ajudar na provocação ao padre. Sobre a aeróbica.
Um beijo
estou iguala o Camilo.... dormindo um tanto quanto desanimada pela casa.
Lord Caco,
Quando é o concurso da UBE?
Você conhece a Maria Viana, lá da Scipione? E você sabe que o Henrique saiu da Atual e tá desenvolvendo uns projetos juvenis, com o Leonardo Chianca?
Beijo da
Vivina.
Aninha,
Bom que você gostou. Quem sabe um dia eu consigo publicar.
Beijo
Alena,
Aqui em Sampa está muito frio, dá mesmo a maior preguiça, mas em Salvador...
Grande beijo
Vivina,
O concurso da UBE foi adiado, ficou para o começo do ano que vem. Estou concorrendo com dois livros. Do juvenil (O Gato de Chuteiras) tirei esse texto. O outro é um roteiro que fiz sobre Os Caminhantes de Santa Luzia.
A Maria Viana recebeu o livro juvenil e não me deu retorno.
Com o Henrique falei ainda ontem. Engraçado, não é mesmo? Falamos sobre um monte de coisas. Não me falou sobre os projetos com o Leonardo. Mas não liga não, acho que estou um pouco amargo hoje.
Beijão
Lord, não gosto de futebol, mas gosto de textos. Então, gol pra você!
abraço, garoto
Lord, nada mais, seu texto e o GOL de letra do Peri, matou!Abçs e bom fim de semana!Com frio!
Denise,
Obrigado pelo carinho costumeiro.
Beijo
Eduardo,
Também achei muito criativo o comentário dele.
Abraço
Lord, desculpe, completamente OFF TOPIC
Se puder, se tiver paciência para tal, ligue no canal 43
è HEROES, acho que vai gostar.
Meg
São 15:06h
;-)
Meg
Meg,
Vou tentar ver uma hora dessas, quando não tiver que trabalhar. Preciso escrever.
Beijão
Claro, claro, Milord.
Até me doeu o coração.
Mas voltando a este:
>Nada que tingisse para valer a fartura disponível de claros. Pena.
Um achado. Iconográfico. Que belo.
Deixou-me triste. Tristeza de se sentir próxima do personagem.
Um beijo
M.
Meg,
Obrigado pela atenção que você dispensa ao meu texto. Tudo o que mais precisamos é de sermos lidos.
Beijo
Fazia um tempão que não visitava este blog. Entrei no começo, depois esqueci. Está ÓTIMO, interessante, e principalmente SUPER BEM ESCRITO! Vou voltar sempre, Lord, é muito bom ler textos assim. Parabéns!
Bom dia Lord!!!
Dias frios e gostosos...
Lindo post ...lindo texto que deixou ovntade de ler mais...rs
Muito bom memso!
Uma semana maravilhosa Lord,
Beijo, Cris
Jana, querida,
Bom ver você por aqui. Obrigado!
Beijão
Cris,
Um frio ótimo para ficar em casa, sob as cobertas. Eu tive que apagar incêndio aqui no banco, trabalhar.
Beijão
lord, tenho pavor dessa nostalgia do portuga. é acomodada. parece coisa prá sempre.
fadadas gorduchinhas. Vão e vem.
Lindo texto, Lord.
abç
Mais um dos seus textos que se transformam em verdadeira goleada. Muito bom, Lorde. Boa semana para você.
Excelente!
Milton Ribeiro.
Anna,
Você tem razão. Ele é acomodado mesmo. Da casa para o trabalho e vice-versa. Muito parecido com a gente.
Beijão
Guga,
Pimba nelas!
Abração
Mário,
É sempre bom ouvir elogio de colega.
Abraço
Milton,
Fico feliz com sua visita. Obrigado!
Abraço
Anna,
Você tem razão. Ele é acomodado mesmo. Da casa para o trabalho e vice-versa. Muito parecido com a gente.
Beijão
Guga,
Pimba nelas!
Abração
Mário,
É sempre bom ouvir elogio de colega.
Abraço
Milton,
Fico feliz com sua visita. Obrigado!
Abraço
Olá Lord! Que conto mais lindo!!!
Também quero mais como as meninas... rsrs
Vi seu blog na página do Mário...e aqui estou!!
Gostei do seu blog, espero poder voltar sempre^^
quando tiver um tempo, me faça uma visita... sou nova na blogsfera, mas já estou viciada!! hahaha
Um abraço!
Um conto ou uma crônica? Só achei genial a forma de envover-nos na narrativa. Um dia aprendo esta arte.
Lord Broken
Ötimo blog. Textos interessantíssimos. Virei com calma, diariamente, descobrir-te um pouco mais e mais. Posso? ;)
Beijuca
Polly,
Obrigado pela visita. Já estive lá no Vivendo e gostei do queli.
Beijo
Ricardo,
Você já sabe. É só escrever.
Abraço
Van,
Pode e deve. É para isso que escrevemos, para sermos descobertos (embora esteja muito frio, rs, rs...).
Beijão
Ei Lord... adorei sua visita!! Que bom vc vai voltar mais vezes, pois é muito bem vindo, e obrigada por me linkar em sua página, pra mim é uma honra!!^^
Um grande abraço e bom dia!
Polly,
Eu é que agradeço.
Beijo
Lord, Você veio!!!!!!!!!!!!!
Que delícia! Brigadinha! ;)
Espero que tenha gostado.
Venha mais. Venha sempre!
Realmente, esse frio embota as palavras. Mas você pelo visto supera tudo isso literalmente "de letra".
Beijuca
PS:Obrigada pelo link. Vou linkar você tb (com todo o respeito, claro)! hehehe
Lord, cuidado! O longo tempo entre um texto e outro aumenta nossas expectativas...
Um abraço,
Fabiano
Van,
Obrigado pelo carinho.
Beijo
Fabiano,
O tempo tem me escapado pelos dedos. Escrevi apenas um pensamento. Pra gente discutir.
Abração
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