quarta-feira, junho 27, 2007

My Old Flame

Sentada em um canto escuro do bar, mesinha redonda, cadeira confortável, Luana sorveu um grande gole. O uísque desceu arranhando um pouco, trazendo um imediato anestesiar dos sentidos. Gostava de bebidas fortes, embora raramente tivesse contato com elas. No fim acabara sozinha. Prestou atenção na letra da música estranhando um pouco, não tinha hábito de ouvir jazz.

My old flame
I can't even think of his name
But it's funny now and then
How my thoughts go flashing back again
To my old flame

Saudade. Sentiu-se nostálgica, acendeu um cigarro e aspirou profundamente soltando a fumaça em rodelinhas, quase brincando, aproveitando para suspirar. Um leve formigar tomou-lhe o corpo. Por onde ele andaria?

My old flame
My new lovers all seem so tame
For I haven't met a gent
So innocent or elegant
As my old flame

Pensar nele sempre a deixava daquele jeito. Mole. Ou seria o álcool? As narinas dilataram-se imediatamente trazendo aquele cheiro másculo, agora só memória. Por onde andaria desde que fugira? Olhando distraída o anular direito, percebeu que a marca da aliança sumira. Apenas o amor ficara tatuado, escondido no coração.

I've met so many men
With fascinating ways
A fascinating gaze in their eyes
Som who sent me up to the skies
But their attempts at love
Were only imitations of
My old flame

Ouviu as últimas desculpas declaradas entre lágrimas, antes do levantar da cama, do virar de costas. Manhã terrível de inverno. A palavra compromisso ficou ressoando, misturando-se aos acordes cantados por Billie Holiday. O medo de assumir declarado, o fim do noivado exigido, a juventude como desculpa. Muito cedo, ainda.

I can't even think of his name
But I'll never be the same
Untill I discover what became
Of my old flame

Talagada. Lembrou-se dos olhos cinza onde viajava, mordeu um pedaço de gelo. Nunca mais foi a mesma. A imagem de Juliano apareceu-lhe. Jogou os cabelos para o lado como que afastando a idéia.

My old flame

sábado, junho 23, 2007

E-Books

Muita gente já me disse que é quando trabalho para crianças que meu texto é melhor. Não tenho opinião à respeito. Embora me considere autor infantil em primeiro lugar gosto, cada vez mais, de passear por outros gêneros.
Há algum tempo vinha me cobrando colocar no blog links para os livrinhos eletrônicos que escrevi para o Site Brincando na Rede. Finalmente lembrei-me de fazê-lo. A idéia do site, patrocinada pelo Banco ABN Real, é muito bacana. Muitos escritores importantes infantis escreveram para ele. A experiência é extraordinária na medida em que proporciona contato direto com as crianças. Os capítulos são publicados quinzenalmente. Durante os intervalos recebemos sugestões de meninos e meninas que acompanham as histórias com o maior entusiasmo. É comum alterarmos os rumos planejados em função dos palpites dados. É sempre divertido, rico, freqüentemente emocionante. Ter escrito essas três historinhas foi experiência maravilhosa para mim.

quinta-feira, junho 21, 2007

Taxi!

Ela é rica, muito rica. Tem personalidade forte, emite opiniões e as defende com ardor. Nasceu para discutir. Há algum tempo desistiu de andar de carro. Vendeu a Mitsubishi:
- Basta uma pirua lá em casa!
Passou a andar de taxi. Como tudo o que faz considera bem feito, por princípio, não houve arrependimento. Descobriu que podia ser livre. Sai na hora desejada sem preocupar-se com o estacionamento, pode tomar seus pilequinhos pois não vai dirigir:
- Minha vida ficou mais simples!
Quando precisa chama um carro pelo celular ou, como faz geralmente durante o dia, acena para o primeiro que vai passando. E pode exaltar-se à vontade:
- Brigar com taxista virou um de meus prazeres.
Outro dia tomou um na Oscar Freire. Sentou-se, acomodando as compras, e pediu que a levasse na 9 de julho. O motorista pediu que lhe ensinasse o caminho:
- Como? Pare que eu vou descer. Se você não conhece rua tão famosa é amador, não serve para mim.
Diz que não precisa mais de analista. Resolve seus problemas armando barraco indo da loja para o cabelereiro, da academia para casa, do cinema para a festa. Se o infeliz que dirige o taxi fuma, pede para apagar o cigarro, se corre, manda ir de vagar, se não tem ar-condicionado, reclama que está calor, e se tem, pede para desligar. E assim desopila o fígado. Quando o assunto é política, espera o coitado falar primeiro para poder ser contra depois.
E é distraída. Por não se preocupar com o mundo está sempre longe, pensando no que lhe interessa, sonhando com as maravilhas que pode ter, sem dar atenção ao que acontece em volta. Outro dia, saindo da Daslu carregada de sacolas, caminhando em direção ao taxi que deixara esperando, foi abordada por um mendigo. Com ar miserável o pobre homem falou que estava há quatro dias sem comer. Ela olhou para ele com ar incrédulo e exclamou:
- Meu Deus, como eu gostaria de ter sua força de vontade!

segunda-feira, junho 18, 2007

Phrases

Algumas frases me provocam inveja. Gostaria de tê-las dito. Percebe-se direitinho a genialidade de quem as proferiu. Têm sabedoria e humor misturados em dose certa.
Costumo, sempre que vejo alguém esbravejando, espalhando grosseria por todos os lados, lembrar do que disse certa vez o Barão de Itararé: "O tambor faz muito barulho mas é vazio por dentro". Quando me entusiasmo com o que escrevo, celebrando internamente meus pequenos achados, dou razão a Oscar Wilder: "Os grandes acontecimentos do mundo têm lugar no cérebro". E se vou ao cinema, uma de minhas paixões, lembro Fellini: "O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus". E não e podia faltar Millor Fernandes. Ninguém sintetiza como ele: "O dedo do destino não deixa impressão digital".
Meu pai, o escritor Ricardo Ramos, também disse algumas coisas inteligentes. Conversando outro dia com amigos comuns, em uma reunião da UBE, da qual ele foi presidente, relembramos algumas de suas pérolas.
Ao governador Paulo Egídeo, quando visitando a recém inaugurada biblioteca do presídio Carandiru, instado a revelar a impressão que a iniciativa lhe causava, não deixou por menos: "É bom que tenhamos leitores cativos".
Percebendo preconceito com relação a alguns membros da organização que presidia, considerados escritores de pior qualidade, disse: "UBE é união brasileira de escritores, não união brasileira de bons escritores".
Um dia não se conteve. Um escritor havia cometido a proeza de escrever um livro sem a letra " a". Mais tarde, superando-se, escreveu um outro sem a letra "u". Aborrecido ante o silêncio da UBE, escreveu uma carta desaforada, cobrando um posicionamento. Recebeu a resposta: "Vai tomar no có!".

quarta-feira, junho 13, 2007

Playing With Words

Cara do pato.
Pata se cala.
Canela.

Pata do pato.
Pata se pela.
Panela.

Filha do pato.
Pata da vila.
Fivela.

Mata do pato.
Pata na sola.
Mazela.

Time do pato.
Pata da mula.
Tijela.

terça-feira, junho 12, 2007

Blog Com Tomates

O meu caro amigo Mário, do Apoio Fraterno , foi gentil comigo. Brindou-me com o prêmio Blog Com Tomates, que passo a ostentar aí no canto direito, pura vaidade. A brincadeira exige que eu escolha outros cinco blogs. Vou adotar, dessa vez, o critério do texto. Os cinco que indico aqui têm prosa fluente, escrevem bem, dizem coisas importantes, gosto de visitá-los para ler o que escrevem. São:
- Pras Cabeças - Cláudio Costa
- Sturm Und Drang - Denise Rangel
- Coisa Rara - Tatiana
O selo e as regras podem ser encontrados no Blog Com Tomates. Parabéns a todos!

quarta-feira, junho 06, 2007

A Day In The Life

Pronto, já estabeleci minha nova rotina! Quando saio em férias, as perspectivas do ócio e dos minutos correndo soltos, sem planejamento, têm o dom de me desestabilizar. Preciso de disciplina para viver.
Acordo muito cedo. O tempo tem me tornado inimigo da cama, no bom sentido. Durmo pouco, cada vez menos. Café da manhã na padaria e academia, não passo sem exercício físico. Às dez horas já estou de volta. Sento em frente ao computador e trabalho no livro que tem data marcada para ser entregue, final de junho. Gosto muito dos serviços com prazos estabelecidos, não permitem que a inércia nos domine. Pouco antes do meio dia vou almoçar. Encontro o restaurante Bello Bello, na Teodoro Sampaio, em frente à praça Benedito Calixto, ainda vazio. Escolho com calma verduras, legumes, carnes magras, todo o insosso necessário para manter a forma, não engordar. O rapaz que pesa o alimento pergunta se quero suco de melancia. Inteligente e observador, em pouco tempo aprendeu minha preferência.
Enquanto como, observo as fotos nas paredes. Cenas do cinema antigo. Merlene Dietrish, lidíssima, durona, um pouco masculinizada, faz pose em um carro conversível. Bette Davis, com Hunphrey Bogart por trás, em segundo plano, tem fisionomia triste, quase desesperada. Nunca consegui decidir sobre a beleza da atriz. Audrey Hepburn, de perfil, ostenta um estranho chapeuzinho. É e sempre será uma graça! Sentada em um batente de pedra, pernas descobertas, Marilyn Monroe ri um riso aberto demais. O sofisticado e o vulgar ali vizinhos.
Um casal de idosos aproxima-se e escolhe mesa próxima à minha. Ele ajuda a companheira a sentar-se. Afasta-se, deduzo, para fazer o prato dela. Analiso, curioso, a figura solitária. Olhar fosco, desinteressado do entorno, apoia a mão esquerda de forma peculiar sobre a toalha. Parece querer equilibrar-se, como se tudo ao redor pudesse mover-se a qualquer instante. Praticamente agarra-se ao tampo de madeira, em um gesto tenso e pouco confortável. O homem, cabelos brancos bem aparados, retorna. Coloca, encurvado, o alimento em frente à senhorinha. Novamente retira-se, para servir a si próprio. Volta logo. Então ela pega com a mão direita, sem discuidar-se da outra, sempre rigidamente apoiada, um bonito pastel. Exatamente aquele que eu tinha evitado. Come vagarosamente, sem demonstrar prazer. Quando termina fica imóvel, esperando. O velho interrompe a própria refeição, corta o bife em pedaços pequenos, abastece o garfo e leva até a boca da mulher.
Fico, discretamente, observando aquele penoso ritual. Há carinho entre os dois. Em dado momento percebo um quase sorriso acendendo os olhos opacos. Perco o apetite. Levanto-me, pago a conta e afasto-me dali apavorado. Um medo não totalmente egoísta me toma. É por mim, e é por Cordélia.

segunda-feira, junho 04, 2007

Out Of Question

Adoro debates. As reuniões com a presença de minha família são divertidas. Todos possuem valores fortes e apressam-se em expô-los. Só que por uma dessas razões que não se explica, vamos cada um para um lado, jamais concordando. Em pouco tempo começa a gritaria. Quem não nos conhece assusta-se, imaginando que sairemos dalí rompidos, estapeados, brigados de nunca mais nos falarmos. Bobagem. Gostamos de discutir. Assim como se vai à academia exercitar os músculos, vamos à casa de minha mãe treinar o cérebro, argumentando. Duvido que exista lugar mais barulhento.
Crescendo nesse ambiente virei um chato. Não falem de política perto de mim, defenderei partido e candidatos, ideologia, vou querer ficar com a palavra final. Literatura, cinema, futebol, tenho opinião, além de enorme dificuldade em aceitar ponderações divergentes. E como deixo a emoção falar bem alto, afasto-me do razoável, abandono a lógica, perco as palavras, esgoto minha capacidade analítica. Não sou bom debatedor. Tudo é importante demais para que eu seja.
A vida corporativa, felizmente, deu-me útil lição, embora não tenha aprendido grande coisa trabalhando. Quando analiso os quase trinta anos dedicados ao sacrifício de ganhar o pão de cada dia, fica um travo amargo na boca, sensação dolorosa de perda. Por mais que me esforce em imaginar ao menos um empate, colocando os amigos feitos e o patrimônio conseguido na conta, a conclusão permanece inalterada: vida disperdiçada! Mas, abandonando o devaneio, e voltando ao assunto inicial, explicando o pouco que aprendi, retomo o tema dos debates. Ensinaram-me a não discutir por escrito. Cansei de assistir brigas via e-mail de empresa, com um monte de gente copiada, feito platéia. Nunca deu certo. Navegando por blogs bem próximos, muitas vezes, vejo a cena repetir-se. Considero que as idéias, preferencialmente, devam ser expostas olho no olho. Cada um dizendo o que pensa, excedendo-se, ou não. Depois a memória apaga, o vento leva, nada fica registrado. Como testemunha, apenas uma vaga lembrança.

sexta-feira, junho 01, 2007

Mocking Us

A semana fora de muitos comentários na escola. Os colegas que não fariam parte do programa morriam de inveja. Rafael, cheio de ansiedade, aguardava a noite de sábado. Tinha sido difícil arranjar desculpas. Quase todos namoravam meninas da classe vizinha. Não sairiam com elas naquele dia.
Marcos, o cabeça da turma rival, é que apareceu com a novidade. Festa do cabide. Seu tio rico emprestaria o apartamento de luxo, Adolpho Lindemberg, na alameda Franca. As moças que viriam do Rio eram da pesada. Topavam tudo. Aeromoças, a maioria. Todos deixariam as roupas na entrada. Muita bebida e sexo iam rolar.
Rafael e os de seu grupo foram convidados. Ficaram desconfiados. Por que, apesar das diferenças que existiam, aquela lembrança? Rafaelli não gostou:
- Aí tem - resmungou no recreio.
Bobagem. As explicações procediam. Precisavam completar o número, já que seriam dez cariocas. Para fazer bonito, tinham que ser grandes, fortes, homens feitos. Ninguém, deixando a modéstia de lado, melhor que eles. Além disso, não arriscariam. Sabiam que iam apanhar muito se estivessem aprontando.
- Eles não teriam tanta imaginação - garantiu Rafael.

*

O próprio Marcos cuidou dos preparativos. Houve necessidade de uma vaquinha. Os comes e bebes precisavam ser comprados. Pensaram até em champanhe. O traje, social. Todos de terno e gravata. O prédio, de alto padrão, pedia um vestir mais adequado. Combinaram inclusive uma senha, previamente acertada com o porteiro do edifício: Nós chegamos! A frase autorizaria o acesso ao nono andar e à farra, sem necessidade de maiores explicações. Tudo muito simples.

*

Resolveram preparar-se na casa do Teixeira. Há tempos não ficavam tão alegres. A excitação crescendo com a aproximação do grande momento. Todos de roupa nova. Rafaelli, de cueca de seda, foi o mais gozado.
Chegaram ao endereço combinado dez minutos antes, de táxi. Na esquina com a rua Ministro Rocha Azevedo fizeram hora, contando os minutos.
A portaria não tinha mais tamanho, enorme. Rafael aproximou-se de um homem forte, antipático da cabeça aos pés. Sonado. Cara de quem acabou de acordar. Com o melhor de seus sorrisos, adiantou-se:
- Nós chegamos! - disse cúmplice, num segredo meio gritado.
Um olhar frio e imóvel ergueu-se para os cinco garotos. Tardelli insistiu:
- Nós chegamos!
- E daí - respondeu o aprendiz de zelador.
- Estamos dizendo a senha - explicou Rafaelli - ,para subir ao nono andar.
- Não sei disso, não - cortou, levantando-se.
- A festa do nono andar - suplicou Rafael.
- Está vazio. Ninguém mora lá - dirigindo-se ao portão de ferro.
- Eu disse que aí tinha - rosnou Rafaelli.
- Façam o favor de sair, ou chamo a polícia - concluiu, grosseiro, o funcionário do prédio.

*

Lá fora os meninos pararam desconcertados.
- Quem sabe erramos o endereço? - perguntou Rafael.
Em frente a um poste buscaram claridade relendo o convite. Nenhum engano. O edifício era aquele mesmo.
Um carro aproximou-se na maior velocidade. Freou na frente do grupo aparvalhado. Uma pedra foi atirada e amarrada a ela um papel. Afastou-se cantando os pneus. As gargalhadas vindas de seu interior invadindo a noite. Rafaelli pegou a mensagem. Leu para os amigos:
O colégio conhecerá os trouxinhas. Agradecemos o dinheiro. Foi muito legal beber o dia inteiro por conta de tão bons colegas.