sexta-feira, março 30, 2007

Henry Sobel

Sou romântico, desde criança acumulo heróis pela vida. A maioria é de ficção, conheci em livros que me apaixonaram. Outros, bem poucos, são reais.
Acho importante que tenhamos nossos exemplos, referências, pessoas que admiramos e que fizeram pelo próximo, com bravura, o que a maioria não fez. É através do olhar colocado neles que conseguimos valorizar o mundo em que vivemos. Sempre que minha fé pela humanidade diminui, o que é cada vez mais freqüente, lembro dessa gente com valor acima da média.
O que aconteceu com o rabino Henry Sobel me comoveu. Por tudo o que representou no período da ditadura, pela dignidade com que enfrentou o aparato militar denunciando, resistindo, arriscando-se em favor da justiça. Há muitos anos o vejo como um dos símbolos do que há de melhor em nossa sociedade. Sempre o vi falando, com seu imutável sotaque americano, coisas decentes. Como não sou judeu fico à vontade para afirmar: é um de meus heróis vivos.
Prefiro acreditar que esteja doente, com algum problema que lhe afete a percepção das coisas, a memória, a capacidade de discernir. Não me digam outra coisa.

quinta-feira, março 29, 2007

Competition

Pergunto a mim mesmo a razão de ultimamente preferir ficar em casa. Cada vez mais tendo a sentir-me deslocado em grupos. Festas e reuniões têm sido um martírio para mim. Só vou mesmo quando não posso recusar, por medo de magoar o dono do convite. É quando sinto mais vontade de viver distante, longe de quem me conheça. Não precisaria mentir, inventar desculpas ou motivos para que me deixassem estar como prefiro, só.
Vocês já repararam o estilo dos encontros de hoje em dia? Tentem lembrar de alguma conversa recente que seja aproveitável. Embates, disputas, inexiste troca de idéias. Se o assunto é política, cada um eleva a voz e opina sem ouvir o outro. Desinteresse total sobre o pensamento alheio. Sentimentos? Jamais. Discutir questões íntimas está fora de questão. Tudo muito superficial.
E fica aquele contato descosturado. Família, música, cinema, trabalho, viagens e aquisições. Pulamos de assunto em assunto, tilintando o gelo no copo, falsamente alegres. Ciscamos um pouquinho aqui e ali. Em cada grupinho somos melhores em alguma coisa, ou piores, ganhando, perdendo, gastando saliva. Cansativa e barulhenta contenda.
Não tenho mais paciência. Por quê sair de casa em busca de diversão e continuar competindo? Tem hora que só queremos paz. Todo guerreiro precisa de trégua.

quarta-feira, março 28, 2007

Shut Him Up!

Desde pequeno, ouvi primeiro pela boca de meu bisavô, o falecido Américo, escuto a frase: Falar é prata, calar é ouro! É claro que custei a perceber o significado das palavras. Problema de entendimento, já que como tantos brasileirinhos nasci analfabeto. Dizem que eu era muito chato. Contentava-me facilmente com o metal de menor valor, matraqueando sem cansar. Insistia nas perguntas, repetia a ladainha sem fim, até que alguém conseguisse me convencer dos muitos significados que as falas tinham. Era, enfim, um menino falastrão.
Com o tempo, que é o preço que pagamos para amadurecer, fui percebendo o valor da sintaxe. Estudando, lendo e, principalmente, levando algumas broncas e até tapas de meu pai, fui ficando mais íntimo de nosso idioma. Quando embatucava, e insistia no erro por muito tempo, acabava sendo convencido por métodos nem sempre muito ortodoxos. Foi o caso da palavra "trouxe". Eu dizia sempre "truxe", com "u". O velho corrigia: É trouxe, meu filho! Passava uns dias e a pequena mula repetia: Pai, eu "truxe" a caderneta! Ouvia um suspiro resignado, percebia um franzir de testa e um olhar triste: É trouxe, meu filho! Lá pela quarta ou quinta vez, apelando para a eficiente educação nordestina, Seu Ricardo sapecava-me um tapão na orelha e dava a derradeira explicação, a que ficava gravada para sempre na memória: É trouxe, meu filho!
Rapidamente entendi que eu nunca, jamais, em tempo algum, deveria sequer insinuar a máxima: Pra "mim" fazer. Nesse caso a paciência foi menor.
Talvez por isso tenha tanta dificuldade em ver gente falando errado. Concordância, regência dos verbos, uso adeqüado dos pronomes, são valores que me foram incutidos desde muito cedo, e que prezo.
Hoje pela manhã ouvi pelo rádio nosso presidente falando. É incrível como depois de tantos anos ainda me sinto envergonhado ao escutar os disparates. Não sei porque. Nele não votei, não sou de seu partido, nada temos em comum. Só que como presidente desse pequeno país ele me representa. Talvez seja por aí. Falava sobre as coisas que faria e aconteceria para acabar com o problema do apagão aéreo. Concluiu dizendo: Agora é prioridade zero! Por que não lhe calam a boca, teremos que aceitar até erro de lógica?

terça-feira, março 27, 2007

Haste Makes Waste

Dizem que vivo no passado. Certo. Gosto mesmo de lembrar, de buscar na memória coisas que aconteceram. Sentir saudade faz parte de minha personalidade. Tento o mais que posso não comparar as épocas. Seria injusto com o presente.
Há muitos anos, quando comecei na informática, o mundo impressionava-se com as velocidades obtidas.
O diretor chegou cedo. Nós, os operadores do turno, fôramos prevenidos, ele viria conhecer as novas impressoras adqüiridas pelo banco. As mais rápidas do mercado, capazes de imprimir uma enormidade de linhas por minuto.
Olhar sério, mãos para trás, caminhava ouvindo atentamente o matraquear ensurdecedor das máquinas. O papel, puxado com extrema velocidade, acumulava-se nos escaninhos. Às vezes o executivo parava, fixava o olhar, franzia o cenho. Depois continuava, sempre muito sério, sem falar com ninguém.
Então ouvi um palavrão. Um de meus colegas não se contivera. O papel, acumulando-se de maneira incorreta em um dos equipamentos, acabara rasgando. O tampo que fechado, tornava o processo um pouco mais silencioso, abrira-se automaticamente, denunciando a falha decorrente da ação extremamente rápida e contínua.
Então o homenzinho, do alto de seu poder, aproximou-se do acidente. Aparentemente ignorando o impropério analisou o ocorrido, curioso. Balançou a cabeça, coçou o queixo, suspirou e afastou-se, concluindo:
- A pressa é inimiga da perfeição!

segunda-feira, março 26, 2007

Shadows

Há algum tempo tenho televisão a cabo, sou assinante da Net. Embora crítico com relação à programação, questionando sempre o custo-benefício da mensalidade que pago, acho que pesando os prós e contras ainda está valendo a pena. É nas tardes de domingo que usufruo melhor a liberdade de prescindir dos canais abertos. Posso ficar longe do Faustão e de toda porcariada impingida à maioria dos brasileiros.
Ontem assisti a um programa popular no reino britânico, na BBC, canal 59. O tema era a guerra no Iraque. Presentes políticos, ex-governantes, secretários de estado, delegados da oposição, autoridades estrangeiras, representantes religiosos, estudantes, gente de todo o tipo e credo. Um mediador e o microfone circulando pelo auditório. Perguntas, respostas, debate.
Algumas coisas me chamam a atenção freqüentemente nesse programa. É semanal, há sempre um assunto a ser discutido e isso desperta a atenção, tem audiência. O interesse faz com que esteja na grade da emissora há séculos. O primeiro escalão do governo comparece obrigatoriamente junto com seus shadows. Aí está o que acho mais incrível. Após as eleições são formados os gabinetes com seus secretários (nível de ministro). Governo e oposição ocupam suas respectivas funções. Existe, por exemplo, um secretário da defesa e o correspondente secretário de defesa shadow, que é o encarregado de criticar os erros dessa pasta. É como se para cada ministro do Lula, houvesse um do Alckmin encarregado de fazer oposição. Dá para imaginar isso aqui?
Lá é assim. Os governantes são obrigados a dar entrevista, respondem à população, à imprensa, discutem em público suas atribuições. Tony Blair, semanalmente, é sabatinado no parlamento. Deverá, em setembro de 2007, ser substituído por Gordon Brown, já que o povo se cansou de suas mentiras.
As vezes eu tenho muita inveja do primeiro mundo.

sexta-feira, março 23, 2007

Prejudice

Recentemente envolvi-me em gostosa polêmica com a Aninha, de O meu jeito de ser, sobre educação e preconceito. Eu havia afirmado num comentário em seu blog, considerar o preconceito uma das demonstrações mais abjetas da falta de educação. De lá para cá pensei muito sobre assunto, revi um pouco meu conceito. A minha afirmação talvez seja preconceituosa. Parte do princípio que é condição necessária para quem tem preconceito não ter educação. Será?
Como sempre faço quando quero pensar fui ao dicionário. Precisamos primeiro definir o que é preconceito. Está lá no Houaiss:
preconceito

■ substantivo masculino
1 qualquer opinião ou sentimento, quer favorável quer desfavorável, concebido sem exame crítico
1.1 idéia, opinião ou sentimento desfavorável formado a priori, sem maior conhecimento, ponderação ou razão
2 atitude, sentimento ou parecer insensato, esp. de natureza hostil, assumido em conseqüência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio; intolerância
Pressupõe-se que o preconceito apareça sem exame crítico, maior conhecimento, ponderação ou razão. É assumido em conseqüência de generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio.
A pergunta é: alguém com boa educação pode ter preconceito? Me parece que sim. Indo mais a fundo todos nós, de alguma forma, temos os nossos. Em maior ou menor grau as dificuldades com o diverso, com tudo o que não pertence ao nosso mundo e ao nosso entendimento, ao nos assustar nos faz menores. Temos que humildemente aceitar esse fato e tomar cuidado, estar constantemente vigilantes, para não sermos pequenos demais.

terça-feira, março 20, 2007

Leave Them Kids Alone

We don't need no education.
We don't need no thought control.
No dark sarcasm in the classroom.
Teachers leave them kids alone.
Hey! Teachers! Leave them kids alone!
All in all it's just another brick in the wall.
All in all you're just another brick in the wall.

Eu sou do tempo do Pink Floyd, antes mesmo deles terem feito a canção acima, magistralmente tocada, no baixo, pelo Roger Waters. Letra de revolta contra o ensino inglês, com resquícios da era Vitoriana, ainda muito do que lemos em Charles Dickens. Espécie de hino de liberdade dos alunos. Pediam aos professores para deixarem as crianças sozinhas.
Por aqui vai tudo bem. Nem precisamos pedir. Não há educação, controle de pensamento, sarcasmo nas salas de aula, os meninos passam os dias sozinhos. Somos literalmente tijolos nas paredes, imóveis, esperando pacientemente nossa bala perdida. Um povo maravilhoso. E se a violência nos deixa aleijados, paraplégicos, o departamento de fisioterapia do Corínthians se oferece para tentar nos recuperar. Lindo!
Ontem, num bairro de periferia, ouvi uma estudante reclamar. Dizia que o ensino já era ruim e piorou. A escola está em reformas e adotaram, para acomodar os estudantes melhor no meio da poeira, rodízio de aulas. Agora é dia sim, dia não.
A gente não precisa de educação. Ou, como já disse outra banda, agora nacional, "a gente somos inúteis".

segunda-feira, março 19, 2007

Sugar Cane

Todos que estudaram um pouquinho na escola passaram pelo ciclo da cana de açúcar. Quando o ensino era tradicional, como no meu caso, o infeliz do estudante precisava decorar as etapas. As primeiras mudas da planta vieram, ao que parece, na expedição de Martim Afonso de Souza. Até o começo do século XVII, a produção açucareira no Brasil não parou de crescer, atingindo o apogeu nas primeiras décadas desse século. Foi a primeira atividade economicamente organizada de nossa terra, sendo substituída, quando começa o século XVIII, pelo ciclo do ouro.
Recentemente recebemos a visita do Bushinho. Juntamente com nosso douto presidente, que certamente não precisou aprender coisas chatas no colégio, discutiram os desígneos do etanol, combustível que empolga o mundo atual como opção. Gostaria apenas de levantar uma lebre: seria um bom caminho para nós?
Considero que viver um novo ciclo da cana de açúcar seria no mínimo um retrocesso. Enumero os problemas: voltarmos a ser monocultura; jogarmos nossas fichas mais no campo do que na industrialização; apostarmos em um combustível que, fatalmente, em pouco tempo, será substituído pelo hidrogênio; adotarmos uma solução que agride o meio ambiente em sua produção.
Somos, realmente, um país com pouco planejamento.

quinta-feira, março 15, 2007

Mobile

O meu celular é da firma. Sou obrigado a atendê-lo 7 X 24 X 365. Significa dizer que posso ser incomodado em qualquer dia da semana, horário, o ano inteiro. Sem nada receber por isso. As empresas modernas inventaram um "pega trouxa" que nos obriga a aceitar de bom grado esse carma: o cargo de confiança. Não deveria estar aqui reclamando, nem todos os funcionários recebem a deferência desse tratamento, e um celular novinho, último tipo, de graça. Posso sentir a inveja de meus colegas não confiáveis quando atendo uma ligação.
Não haveria problema se não fosse um pequeno detalhe: o aparelhinho é inconveniente. Resolveu me enloquecer, tirar uma comigo, está de brincadeira. Vocês já ouviram falar de telefones comunitários? Pois é, ligam de lá o tempo todo, principalmente de madrugada. Procuram o Severino, a Luzia, o Ditão, gente que não conheço, nunca vi mais gorda. Já fiz de tudo para a operadora dar um jeito. Em vão. Num dia de fúria tentei descobrir o endereço de onde saíam as ligações. Queria ir até lá destruir o aparelho.
Meu chefe... Chama-me sempre que vou ao cinema. O vibrador me obriga a levantar e ir atendê-lo no saguão. Ainda bem que é um cara educado. Pede desculpas pelo horário, pergunta se está atrapalhando, tudo antes de inventar alguma coisa capaz de estragar a noite.
O que tem me tirado do sério ultimamente são as ligações na hora do almoço. Tocam sempre que estou no restaurante à quilo, com a bandeja na mão, me servindo. Você já experimentaram atender nessas condições?
O pior é que o diabinho passou a me assustar. Já diagnostiquei até a razão já que atualmente só existem dois tipos de problemas: estresse e virose. É claro que ando estressado, muito. Cada vez que o tom se eleva do meu Samsung quase engulo o coração, tremo todo, tenho medo de morrer.
Será que celular mata?

quarta-feira, março 14, 2007

Besouros

Ontem. Quarta-feira às cinco horas da manhã, faz vinte anos hoje, eu falei a você sobre os campos de morangos. Diga-me o que você vê. Está ficando melhor o tempo todo. Eu vou seguir o sol. Toda pequena coisa. Adorável Rita. Ontem. Aniversário. Torta de mel. Eu quero ser seu homem. Chora querida, chora. Estou tão cansado. Pássaro negro cantando. Por que não fazemos na estrada? Metade do que digo não tem sentido. Eu quero ser seu homem, sexo sadio, eu vou. Adorável Rita. Não uma segunda vez. Socorro! A noite depois. Preciso de você. É somente amor. Nenhuma resposta. Pergunte-me por quê. Através do universo. Dois de nós. Campos de morango para sempre. Aqui está o sol. Vamos juntos. Rei sol. Você nunca me deu seu dinheiro. Ela veio através da janela do quarto. Voando. Sua mãe deveria saber. Tudo que você precisa é amor. Diga-me o que você vê. Guie meu carro. O louco na montanha. A longa e sinuosa estrada. Por que não fazemos na estrada? Quer saber um segredo? Eu sou um perdedor. Ontem. Adorável Rita. O filho da Mãe Natureza. Oh! Querida. Eu quero você. O martelo prateado de Maxwell. Vamos juntos. Eu e o senhor Mostarda. Aniversário. Torta de mel. Tudo que você precisa é amor. Sua mãe deveria saber. Eu costumava ser louco na minha escola. Os professores que me ensinavam não eram legais. Pinte você mesma num bote sobre um rio com árvores de tangerina e céus de marmelada. Quando eu ficar velho perdendo meus cabelos. Eu li as notícias hoje. Uma pequena ajuda pros meus amigos. Realmente não importa se eu estou errado. Estou certo. Adorável Rita. Ontem. Poderia fechar a porta? A noite depois. Toda pequena coisa. Eu não quero estragar a festa. Você vai perder essa menina. Julia. Adorável Rita. Martha minha querida. Eleonor. Prudence. Anna. Michelle meu bem. Aniversário. Torta de mel. Diga-me o que você vê. Eu somente vi um rosto. Outra menina. Eu deveria ter sabido melhor. Por favor, senhor carteiro. Existe um lugar. Sexo sadio. Por que não fazemos na estrada? Tudo que você precisa é amor. Sua mãe deveria saber. Quer saber um segredo? Você não pode me comprar, amor. Eu vou chorar ao invés. Eu deveria ter sabido melhor. Você nunca me deu seu dinheiro. O que acontece? Corra para sua vida. Guie meu carro. A palavra. Você não me verá. Eu estou olhando através de você. Empreste-me seus ouvidos e eu cantarei pra você um som. Como eu me sentirei no fim do dia? Quando eu ficar velho perdendo os cabelos. Os professores que me ensinavam não eram legais. Adorável Rita. Por que não fazemos na estrada? Tudo que você precisa é amor. Sua mãe deveria saber. Menina. Eu preciso de você. Eu estou fazendo o melhor que posso. Está ficando melhor o tempo todo. Lucy no céu com diamantes. A menina com olhos de caleidoscópio. Enquanto minha guitarra gentilmente chora. Alguém. Oito dias numa semana. Metade do que digo não tem sentido. Por que não fazemos na estrada? Ninguém estará nos olhando. Você disse que queria uma revolução. Todos queremos mudar o mundo. Chora querida, chora. Você não sabe o quanto você é sortudo, cara. Você viu os porquinhos se arrastando na sujeira? Metade do que eu digo não tem sentido, mas digo somente pra alcançar você. Assim eu canto uma canção de amor. Enquanto minha guitarra gentilmente chora. Torta de mel. Adorável Rita. Selvagem torta de mel. Eu não quero estragar a festa. Aqui, ali e em qualquer lugar. Existe um lugar. Amanhã nunca sabemos. Por que não fazemos na estrada? Ninguém estará nos olhando. Tudo que você precisa é amor. Sua mãe deveria saber. Deixa estar.
Eu não sei por que você disse adeus, se eu disse alô. Menina. Corra pra sua vida. E o seu pássaro pode cantar.
P.S. Eu amo você.

terça-feira, março 13, 2007

Father

Quando meu pai morreu em março, lágrimas rolaram de minha cabeça. Compacto rio trazendo as águas que fechavam o verão. Não me sabia capaz de tamanho pranto. Senti meu interior liqüefeito escapando por olhos, boca e nariz. Virado pelo avesso. A ausência garantida como promessa. Nunca mais o tato. É com saudade, ainda agora, depois de tanto tempo, que me lembro do calor e da textura de sua pele. A mesma de vovó, muito de minha própria, nossas orelhas de lóbulos flácidos iguais. Semelhante destino subterrâneo.
O cemitério é um campo gramado. Ruas, quadras e jazigos. Edificações ausentes, apenas lápides rentes ao verde abundante. Quadrados de pedra paralelos com ou sem placa de bronze gravada. Rígido padrão. Nome, data de nascimento e morte. Árvores ocasionais na triste paisagem de flores transportadas. Aclives e declives espraiados. Acesso motorizado até quase o túmulo. Quadra 31, jazigo 27. Ponto final de meu pai.
Ateu, o mais provável seria me afastar da atitude que inaugurei e se fez costume. Visitas em datas especiais: finados ou aniversários diversos. Ritual visto de longe carola. Ato de resistência, porém, rebeldia contra o inexorável. Matéria atraindo matéria. Enquanto souber que mínima parte, muito minha, está ali, sob aquele punhado de terra, seguirei comparecendo. Até o último átomo. Vitorioso na razão direta do que perdura: o pó, farelo de osso, infinito.
Fico por assim dizer vagando. Minha mulher, discreta, mantém-se por perto, cuidando-me protetora.
Às vezes paro comovido quando a música que ouço, não sei de onde, fala mais alto. Outro dia surpreendeu-me o velho do cordão azul e encarnado:
Boa noite senhoras moças.
Boa noite rapaziada.
Boa noite senhoras velhas.
Das bochecha inchada.
Num domingo frio e úmido, quando a tristeza era muita, a voz grave de Paul Robeson cantou. Falava de um rio Mississipi quase tão importante quanto o São Francisco.
E mudando de paisagem, passo primeiro pela Guanabara, onde o barquinho vai e vem, antes de ver plantas queimadas e retorcidas. Mandacarus. Origem de tudo. Nordeste.
Ao retirar-me penso em todas aquelas vidas secas. É como consigo imaginar a morte. Meu pai mais vivo do que nunca, crescido dentro de mim. Íntegro.
Entro no carro. Cordélia, ao lado, liga o rádio. Elomar geme por Zefinha. Impossível conter-me. Mecanicamente aciono o limpador de pára-brisa.

segunda-feira, março 12, 2007

Vó Lozinha

Já cansei de cumprimentar pessoas com atraso, não é sempre que lembro as datas importantes. Até que sou um cara organizado, anoto tudo direitinho em uma agenda, justamente para não cometer gafes (seria a palavra muito antiga?). Só que depois esqueço de conferir na memória auxiliar. Um desastre!
Tinha decidido, no dia 8 de março, escrever sobre minha avó. Depois...
É difícil falar sobre D. Heloísa. Sei que vou me aproximar o tempo todo de coisas que ela detestava: pieguices, lugares comuns e frases feitas. Paciência. Como não acredito em almas de outro mundo arrisco-me.
Atrás de todo grande homem existe uma grande mulher (comecei bem?). Vovô não seria metade do que foi sem ela. Vó Lozinha, como os netos a chamavam, ensinou-me o que era amor incondicional. Hoje, cinqüentão, sei que muito do equilíbrio emocional que possuo foi conseqüência do meu relacionamento na infância com ela, e que nunca se interrompeu. Meu ego deve muito ao carinho que me transmitiu. Faço aqui mais uma pausa pedindo desculpas. Para uma senhora comunista convicta, que me embalava contando histórias sobre o herói maior Fidel Castro, ver o neto usar terminologia ligada em psicologismos deve ser no mínimo constrangedor.
Aos domingos, por volta de seis da tarde, ligava-me de Maceió. Nunca vi ninguém falar tanto. Sempre tive curiosidade em saber o valor de sua conta telefônica. Política, fofocas familiares, reminiscências do tempo em que era mocinha, emendava um assunto no outro sem tomar fôlego. Às vezes, sentindo-lhe a respiração difícil, fruto do esforço parlatório (onde foi que achei essa palavra?) tentava, preocupado, interromper. Quem disse que ela queria respirar? Despedia-se sempre carinhosa, declarando seu amor, abrandando a voz num quase murmúrio que afagava minha cabeça. Minhas tardes de domingo eram especiais. Eu ia dormir como um cachorrinho novo, feliz da vida.
Vó Lozinha gostava de repetir uma história. Falava sempre de uma pergunta que lhe fiz quando era menino:
- Vó, por que os passarinhos não caem do telhado das árvores?
Ria da pergunta que considerava poética. Hoje, teria outra pergunta para ela, sem a menor poesia, com muita raiva:
- Vó, por que as pessoas precisam morrer?

sexta-feira, março 09, 2007

On The Tube

Tenho um amigo que é excelente contador de histórias. Tem tamanha capacidade em captar nuances do cotidiano ao redor de si que poderia, caso se empenhasse seriamente nessa bobagem, tornar-se escritor. Vai além da simples descrição. Interpreta, imita, é verdadeiro artista. Nos mais de vinte anos que convivo com ele, já que trabalhamos juntos, na avenida Paulista, venho me divertindo freqüentemente com seus relatos. Os melhores, os mais divertidos, detalham momentos vividos no interior do metrô e do trem, diariamente, indo e voltando do bairro de Quitaúna, em Osasco, onde reside.
Outro dia chegou rindo, sem se conformar. Encontrara um canadense no trem. Ele seguia branquinho, apertado, suando, quase desmanchando, dava para ver que era gringo. Como estavam próximos começaram a conversar. Falava com sotaque carregado. Trabalhava em uma empresa multinacional e estava alocado aqui no Brasil. Cumpria aquele trajeto, naquela condução, diariamente, por achar mais barato. Não esqueço o comentário:
- Cara mais pão-duro e sem sorte, sair de Montreal pra trabalhar em Osasco!
Teve a vez que chegou desconfiado, no maior mau humor. Insisti para saber o que houve e ele não resistiu. Contou-me que entrou no vagão e parou de pé em frente a um filezinho, uma delícia. Toda bronzeada, cabelão na cintura, barriga de fora, não conseguia tirar o olho dela, o maior avião. Talvez atraída pelo seu olhar ela parou de ler a Caras e encarou-o. Ficaram um tempo se estudando, na paquera. E então ela levantou-se e ofereceu:
- Quer sentar, tio?
Ontem chegou amassado e imaginei logo as dificuldades, dia de Bush aqui no país, a cidade agitada. Então ele começou dizendo que jamais vivera experiência igual. Na estação Consolação entrou um cara vestido todo de preto, sobretudo abotoado de cima até quase os sapatos, apesar de todo o calor. Sentou-se ao seu lado com um livro parecendo uma bíblia. Curioso, tentou ver o que estava escrito e encontrou aquelas letrinhas árabes estranhas, assustadoras, seria o Alcorão? Disse que nunca sentira tanto medo na vida. Desceu na próxima parada, quase correndo, em pânico.
- E se o cara resolvesse explodir aquela bagaça?

quarta-feira, março 07, 2007

Hastings

Acordei com saudades de Hastings. Abri os olhos ainda mal acomodado na poltrona world travel da British Airways. A noite arrastara-se entre impaciências e dores nas costas. Difícil acomodar alguém que mede mais do que um metro e meio naquelas cadeiras. Nem mesmo o entretenimento valera, já vira Russell Crowe em melhores filmes do que Master and Commander: The Far Side of the World. Após o britânico desejum, ainda com o travo gorduroso de salsichas, ovos e tomates amargando a boca, preparei-me para aterrissar em Heathrow.
No saguão do aeroporto, aguardando a conferência do passaporte, aconcheguei as orelhas no cachecol. A mesma excitação e felicidade de sempre. Emprenhando os ouvidos com o idioma estranho reprogramei-me para entender e responder on the spot.
A caminho da tube station, arrastando a bagagem de rodinhas, pude deliciar-me com o frio. Após semanas de uma São Paulo descaracterizada por calor estranho e ameaçador, nada como um clima normal. Desci na Victoria Station para pegar o trem, mais duas horas de viagem me aguardavam. Embalado pelo sacolejar do vagão, o ar quente amornando os sentidos, lutei para manter-me acordado. O velho medo de perder a cidade, dormir e seguir além do destino. East Sussex e suas plagas litorâneas enchendo a janela de mistério, desfilando o verde de UK, como não vi mais bonito, abrigando ovelhas úmidas e borradas de terra.
E então cheguei. A pequenina Hastings, lá desde 1066, recebeu-me gentilmente, old lady, very British. A modesta estaçãozinha, pendurada no alto da cidade, revelou-me as ruas tranqüilas friorentas. O comércio de sábado funcionando. Lá em baixo, quase no horizonte, o mar cinzento, mau humorado e belo, emocionou meu olhar jogando em meu rosto um vento gelado. Respirei fundo enchendo os pulmões de ares e cheiros.
Lentamente desci em direção à Warrior Street. No coração a imagem de Cordélia, minha mulher, batia apressada, aguardando-me no Clevedon Hotel. Nada como reencontrá-la.

terça-feira, março 06, 2007

Speaking

Tenho um amigo que é filho de ucranianos. Foi criado no Brasil, em São Caetano, onde existe uma parte da colônia que para cá se dirigiu. Em casa falava a língua com os pais. Tem mais ou menos a minha idade. Contou-me que conheceu recentemente uma prima que veio visitar a família brasileira. Ela ria quando os ouvia falar. Aquele vocabulário, a maneira como pronunciavam as palavras, há muito ficara no passado. Isolado em terras tupiniquins o idioma se congelara, estagnara-se, ninguém mais na Ucrânia o utilizava daquela maneira.
Acompanho com interesse a evolução de nosso linguajar. Sei, até pela experiência mencionada no primeiro parágrafo, que novas formas incorporam-se dinamicamente ao dialeto que usamos nas ruas, e é até natural. Recentemente acompanhamos o mau humor generalizado com a forma herdada das centrais telefônicas de atendimento, a grita geral contra a utilização excessiva do gerúndio ainda persiste.
Embora procure ser compreensivo tenho pouca paciência com os abusos que ouço. Não sou conservador. Gosto de novidades desde que não estejam erradas.
As mulheres, muitas delas, deixaram de agradecer com o correto obrigada. Usam agora o jeito masculino: obrigado. Haveria alguma intenção feminista oculta? Ninguém mais refere-se adeqüadamente aos óculos, no plural, preferem procurar "o óculos", além de voltarem de férias "do Estados Unidos". Os mineiros aboliram a forma reflexiva de seu vocabulário, não se sentem mal com alguma coisa, preferem sentir mal com alguma coisa. Hoje ouvi, pela segunda vez, a próxima invenção, o novo sucesso em voga. O instrutor, na academia, disse-me:
- Você não deve esforçar esse músculo.
Haja esforço!

segunda-feira, março 05, 2007

Rio de Janeiro

Sou carioca falsificado. Embora tenha nascido no Rio muito cedo vim para São Paulo. Não tenho sotaque pois foi aqui que aprendi a falar. Estranho quando ouço dizerem "douze", com u no meio. Meus esses são pronunciados sem chiado, bato com a ponta da língua no palato quando digo os erres. Enfim, falo como falam os paulistas, desde bem menino.
Minha memória é atávica. Guardo lembrança de uma praça no Leblon. Ou será aquela fotografia em branco e preto que achei numa caixa que mamãe guardava? Camiseta listrada, calção e boné. A charrete era puxada por um carneiro e pelo meu riso infantil a experiência foi maravilhosa. Na rua Dias Ferreira, meu primeiro endereço, morava também minha avó. Fazia calor, a brisa vinha do mar, e um dia eu ganhei de presente uma roupa do Bat Masterson.
Tenho um cedê dos Cariocas. A música Samba do Avião, do Tom Jobim, define bem o que sinto. Sempre que ouço a canção imagino-me chegando na cidade, morrendo de uma saudade que não sei explicar, esse Rio que foi feito para mim. Abro meus braços sobre a Guanabara, água brilhando, vejo a pista do Galeão que se aproxima e aterrizo, de coração.
Sempre que leio as notícias que machucam meu berço, ferindo de morte o lugar onde cá cheguei, entristeço. Sonho com um renascimento que não sei se é possível. Rio, eu gosto de você.

sexta-feira, março 02, 2007

I Don't Have An Inkling!

Escrevi outro dia sobre o assunto mas não me aprofundei. Tendo vivido em um meio onde a literatura esteve cotidianamente presente, e convivido desde cedo com escritores, estranho o fato de só muito recentemente ter ouvido falar em Tolkien.
Meu pai, sempre ágil em indicar-nos as primeiras leituras, aparentemente ignorava o criador de The Lord of the Rings. A questão é se propositalmente.
Vivemos anos ditatoriais no país. Houve época em que a esquerda era muito mais sectária do que hoje. O ressentimento por tudo o que acontecia revelava-se em um julgamento muitas vezes precário, onde a posição política do autor interferia na visão que tínhamos sobre sua obra. Escritores maravilhosos como Jorge Luis Borges e João Guimarães Rosa, considerados de direita, foram, pelo menos em minha casa, observados com certa má vontade.
John Ronald Reuel Tolkien viveu de 1892 a 1973 e era tido como o pai da moderna literatura fantástica. Muito amigo de C.S. Lewis, criador das Crônicas de Nárnia, fundou com ele o grupo literário The Inklings, em Oxford. Desse movimento anti-modernista, e com fortes características míticas, faziam parte outros escritores como: Charles Williams, Owen Barfield e John Wein.
E então, o que teria feito Tolkien ser ignorado por tanto tempo, questões políticas, estéticas, preconceito religioso? Nasci em 1954. No final da segunda guerra a obra do escritor britânico já estava pronta. Qual a razão de não ter tido o prazer, em minha juventude, de travar conhecimento com os hobbits? Adoraria se alguém me ajudasse a desvendar esse mistério.

quinta-feira, março 01, 2007

O Chão de Graciliano

Estarei hoje, às 18:30 hs, na Livraria da Vila. O escritor e jornalista Audálio Dantas e o fotógrafo Tiago Santana estarão lançando o belíssimo livro O Chão de Graciliano.
Tudo começou em 2003 quando, com projeto e curadoria do alagoano Audálio, foi montado no Sesc Pompéia, em São Paulo, a maior exposição já realizada sobre a vida e a obra de Graciliano. Reunia documentos e imagens dos acervos do IEB - Instituto De Estudos Brasileiros da USP e do Museu Casa de Graciliano Ramos, de Palmeira dos Índios, acervos que pertenceram à viúva do autor Heloísa Ramos.
O título da exposição, e agora do livro em lançamento, sintetiza o espaço e o tempo do velho Graça em sua terra. Obra para ocupar lugar especial na estante.