Manobra o carro no estacionamento do supermercado lotado. Antes de descer observa-se no espelho retrovisor, aprova o que vê. Estica o braço e pega a bolsa no banco de trás. Enfrenta o burburinho com calma, poderosa, ignorando as filas.
Empurrando o carrinho pára aqui e ali. Cuidadosa, observa atenta as datas de validade antes de escolher os produtos. Abastece sem pressa. Atende o celular, conversa animadamente, coquete. Que idade teria? Difícil adivinhar. Veste-se jovialmente, jeans e blusa curta, barriga quase à mostra. Jóias, perfume francês. Cabelos aloirados tingidos de forma profissional, maquiagem discreta na pele esticada por bisturi competente. O andar elegante equilibra-se sobre saltos de plataforma. Que idade teria?
Na seção dos dietéticos gasta mais tempo. Pão, adoçante, gelatina e barrinhas de cereais. Os olhos pintados passeiam confiantes e interessados, de rapina. Sorriem para o rapaz que corta os frios. Creme para o corpo todo e bronzeador fator de proteção 30. Ela continua. O anel prateado faísca no dedo polegar, dedos finos e esmaltados, vermelhos. Enquanto aguarda a carne no açougue atende outra ligação. Pequena borboleta no peito do pé direito, tatuada. Latinhas de cerveja para completar.
Terminando, dirige-se ao tumulto abafado dos que querem pagar. As filas espicharam mais um pouco. Apenas uma tem tamanho razoável, a dos idosos. Ergue a cabeça abrangendo todo o cenário. Um brilho estranho passeia por seu olhar, segundos de indecisão. Que idade teria? Suspira profundamente. Escolhe o caminho mais fácil.
24 comentários:
O mundo se abre, todos se transformam em personagens. Até a bonita perua de idade indefinível.
Estou vendo o mundo assim, fica bem divertido.;0)
Vivien,
É também como tem se comportado o meu olhar. As personagens andando pelas ruas acabam chamando demais nossa atenção.
Grande beijo
Formidável, Lord. Belíssima descrição do exterior invadindo o âmado do ser. Maravilhoso texto. Que lindo ver que o amigo tem este dom de mergulhar nos esconderijos da alma humana. Parabéns!
o caminho mais fácil para essa mulher não seria a fila dos idosos.nem pensar.
Mário,
Você me envaidece. Obrigado.
Abração
Anna,
Ela escolheu o mais difícil, o caminho mais fácil. Eu vi.
Beijão
Lord, Pão de Açucar da Morato Coelho com a Teodoro Sampaio?
Bom, do alto da beleza estética sempre se pode observar melhor o mundo, a patuléia e decidir-se por um privilégio, por quê não?
Não, não aprovo a conduta. Mas entendo que assim acontece.
Poderosa. Indecifrável quase.
No final das contas um tipo cada vez mais comum.
Um abraço forte
Caco Lord,
visualizei a cena inteirinha. Se fossem filmá-la, estaria pronta. Isso é ou não é marca de um texto bem escrito?
Beijo da
Vivina.
Que delícia de história real.
Belo texto.
Quem se habilita a um estudo antropo-sociológico à respeito de tais filas especiais para idosos, grávidos , acidentados, desvalidos,tatibitates,esquartejados, transtornados, constipados, e outras categorias menores que julga-se mereçam uma misericordiosa atenção?
Lord, cheguei tarde e quase tudo já foi dito e escrito. Lindo texto. Por coincidência o Valter narrou outra cena da mesma senhora na crônica de hoje. Ela esta visada!
Na verdade ouvimos e dizemos tanto isso quando crianças, você é criança para tal coisa, você está grande demais para isso, que gravamos. E aí, numa situação dessas, usa-se o que mais convier.
Diante de jovens que lhe interessam, torna-se mais jovem, atraente, pronta prá busca. Na hora de beneficiar-se com a fila de idosos, envelhece.
Como um camaleão, muda de cor, de acordo com seus interesses de preservação.
Um beijo
Eduardo, não é amesma senhora não. São vizinhas de bairro, só isso.
Acho que o perfil delas é que é idêntico.
Para ser honesto, só escreví o meu post depois que passei por aqui.
Nesses tempos de plágio, preferí plagiar só a idéia. Thanks, Lord.
Ai, meu Deus! Quer dizer que não posso ir pra fila com a Princesinha no colo??? KKKKKKKKKKKKKK O mundo das conveniências!Cada um com as suas. Já vi o contrário: idosos empertigados que se recusam a ir para a fila dos idosos ou aceitar um lugar no Metrô. Ah, eu aceito! Ando muito cansada, sabe.Adorei isso aqui, me diverti um bocado. Texto delicioso, Lord!
abraço, garoto
Perfeito. Timing perfeito, digno de uma fila especial mesmo. abraço
Passando pra dizer q maravilhada com o texto tão observador do de entro e do de fora; acho q puxou mesmo o avô, apesar de estilos diferentes. Beijo.
Oi Lord...
Perspicaz,observador, nos mínimos detalhes...muito interessante! Intrigante até...rs
Texto magistral...Parabéns!
Obrigada pelas visitas...
Um beijo e um bom fim de semana, Crissssssss....
Valter,
Você acertou direitinho o lugar. Só se eu tivesse contado. Não me lembro de tê-lo feito, você deve ser mágico. Foi exatamente nesse estabelecimento, o da Mourato com a Teodoro, que a cena foi vista. Estou perplexo!
Grande abraço
Vivina,
Acontece às vezes comigo. Vejo o texto como um filme. Reproduzo apenas o que estou vendo. Muito bem observado. Obrigado pelo carinho.
Beijão
Jayme,
Gosto muito dessas histórias reais. É só ir lá e registrar.
Grande abraço
Peri,
O estudo provavelmente revelaria o que já sabemos: adoramos fila.
Grande abraço
Eduardo,
Devem freqüentar o mesmo cabelereiro, ou manicure. Ainda não li o texto do Valter. Estou indo lá.
Abração
Aninha,
Gostei da comparação. A conveniência, muitas vezes, nos faz ser camaleões.
Beijão
Valter,
É sempre bom compartilhar idéias, desenvolver temas de formas diferentes. Bacana que você tenha ficado motivado a escrever também.
Estou indo ler.
Abraço
Denise,
Acho que você deve ter os provilégios que quiser. Peça ajuda à princesinha sempre. Obrigado pelo elogio.
Beijo
Guga,
Obrigado pelo carinho de sempre. Sua opinião é muito importante para mim.
Grande abraço
Sibila,
Bem diferentes...
Beijão
Cris,
Bom findi procê também.
Beijão
Caro Lord, nada de excepcional.Localizei tua personagem no tempo e espaço(coisa que costumo fazer sempre), em seguida num breve exercício de memória liguei uma coisa à outra. Simples assim.
Devo confessar que conheço bem o lugar. Prestei serviço muito tempo para a Fundação Cinemateca Brasileira. A Casa de Máquinas fica alí no prédio do Pão de Açucar.
E devo ter esbarrado na madame algumas vezes, ela linda em seus saltos altos, anéis brilhantes nos dedos finos e eu no meu macacão cheio de graxa, contingências da vida.
Outro abraço apertado
Ah, nunca consegui escolher o caminho mais fácil..
Lord, vim conhecer seu blog e gostei muito. Quero também agradecer a solidariedade que você ofereceu naquele comentário lá no Papo de Botequim. Você já deve saber que se tratava da Li Stoducto, querida amiga nossa que foi embora no sábado 8 de abril. Acho que até hoje ninguém teve coragem de postar de novo lá no Papo. Um abraço grande.
Valter,
Já estava achando que você era uma espécie de Valter Potter, o mago das praias. Agora entendi. Foi um pouco de coincidência, elas existem.
Abração
Mani,
Você faz muito bem. Melhor não dar bandeira. Tem sempre alguém olhando, metido, que resolve escrever a cena.
Beijo
Adelaide,
Percebi o que havia ocorrido, imaginei mais ou menos, fiquei triste também.
Grande beijo
Uma beleza tropical como essa não anda pelos supermercados destas bandas. Ou, se anda, eu não vi. Também não sou tão distraído assim!
Parece guião de anúncio televisivo.
:-)
Lord, narrativa perfeita e como já foi dito, um verdadeiro "roteiro pronto". Quanto à atitude final, é digna mesmo de um belo estudo. Chama-me também, mais a atenção, os casos de "beneficiários aptos" que preferem o lugar comum, abdicando do preferencial. É interessante. Paradoxal. Coisas intuição? Coisas da vaidade?
Silvares,
Você é gentil com nossas mulheres. Tenho certeza que há aí, em plagas lusitanas, belezas ibéricas equivalentes.
Grande abraço
Eri,
Deve ser vaidade. Afinal vivemos em um mundo cada vez mais movido pela vaidade.
Abração
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