O passado veio me visitar. Como sempre faz chegou sem aviso, aproximando-se meio tímido, impondo-se. Os fatos apareceram do nada, ganharam cor na memória, materializando-se de tal maneira que, de repente, fiquei triste.
O meu vale não era verde. As noites, porém, divertidas. No bar de todo dia conversávamos. Bebíamos mais do que falávamos, sem esquecer de dizer, é claro, tudo o que havia para ser dito. Depois de assistirmos os últimos lançamentos, nos cinemas da redondeza, fazíamos nossa crítica. Todos, alcoolizadamente entendidos, elevávamos as vozes defendendo criativos pontos de vista. "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman, surpreendeu a galera. Unanimidade. Mesmo os que não gostaram, provavelmente por não terem entendido, se calaram. Já com Pasolini, a coisa foi diferente. Esculhambei Porcile. Chico Baffa, interrompendo o tricô, apoiando as agulhas nos joelhos, procurou o cigarro no cinzeiro. Aspirou profundamente a fumaça e disse, sorrindo:
- Larga mão de ser preconceituoso!
O português, dono do estabelecimento, não se conformava. Difícil aceitar marmanjo fazendo casaquinhos no meio dos amigos. Tinha medo que afugentasse a freguesia. Gostávamos de chocar as pessoas. Num dia muito frio, protegido por um cachecol de lã que ele mesmo fizera, mostrou sua coleção de long plays da Billie Holiday. Para mim um alumbramento. Meus horizontes musicais ampliaram-se drasticamente. Lembro-me até hoje de uma frase que li atribuída a ela: "I'm always making a comeback but nobody ever tells me where I've been".
Era como me sentia na época.
Chico Baffa, sempre bem humorado, diverso, nos ensinou muito. Viveu pouco e deixou muita saudade.
O meu vale não era verde. As noites, porém, divertidas. No bar de todo dia conversávamos. Bebíamos mais do que falávamos, sem esquecer de dizer, é claro, tudo o que havia para ser dito. Depois de assistirmos os últimos lançamentos, nos cinemas da redondeza, fazíamos nossa crítica. Todos, alcoolizadamente entendidos, elevávamos as vozes defendendo criativos pontos de vista. "Gritos e Sussurros", de Ingmar Bergman, surpreendeu a galera. Unanimidade. Mesmo os que não gostaram, provavelmente por não terem entendido, se calaram. Já com Pasolini, a coisa foi diferente. Esculhambei Porcile. Chico Baffa, interrompendo o tricô, apoiando as agulhas nos joelhos, procurou o cigarro no cinzeiro. Aspirou profundamente a fumaça e disse, sorrindo:
- Larga mão de ser preconceituoso!
O português, dono do estabelecimento, não se conformava. Difícil aceitar marmanjo fazendo casaquinhos no meio dos amigos. Tinha medo que afugentasse a freguesia. Gostávamos de chocar as pessoas. Num dia muito frio, protegido por um cachecol de lã que ele mesmo fizera, mostrou sua coleção de long plays da Billie Holiday. Para mim um alumbramento. Meus horizontes musicais ampliaram-se drasticamente. Lembro-me até hoje de uma frase que li atribuída a ela: "I'm always making a comeback but nobody ever tells me where I've been".
Era como me sentia na época.
Chico Baffa, sempre bem humorado, diverso, nos ensinou muito. Viveu pouco e deixou muita saudade.
10 comentários:
É ... suave amadurecimento, com um copo na mão e boas conversas.
Peri,
Dando uma cafoneada e lembrando RC: O que foi felicidade, me mata agora de saudade, belos tempos, belos dias.
Abraço
Lord, em tempos de nostalgia completa.
Sempre sobra muita coisa boa,para as nossas recordações.
Lord, deixei uma tarefinha lá prá você. Queroque sinta-se à vontade para fazê-lo, ou não.
Um beijo
Lord, mexendo no baú sempre se encontra algo além de ossos.
Abraço grande
o que seria de nós sem essas figuras?
abçs não pasolinescos
Lord, nosso futuro espiritual , é esse passado, guardado no fundo da alma, e no departamento das boas recordações.Não se perde. Não se esquece. Mas nunca mais será o mesmo.
benza deus! boa Páscoa, e para a querida família toda.
Meio dârrrds, mas o Chico abafou!
E num é bom ter um passado bom pra contar? Apertinho no coração, mas dos bons, beijo.
Ah, o "dârrrds" é por conta do meu comentário e claaaro q nada a ver c/ o Chico seu amigão, q, aliás, parece q foi mto do legal! Beijo de novo.
Aninha,
Vou lá ver. Seu pedido é uma ordem.
Beijão
Valter,
Baú de Ossos, grande pedida!
Abração
Guga,
A palavra é bem essa, que figuraça foi o Chico.
Abração
Eduardo,
Fica a lembrança dos que foram cedo, aqueles que tiveram uma vida mais densa.
Abraço
Eliana,
Você, depois desse seu irmão, é a única aqui que conheceu o Chico. Boa Páscoa procê também.
Beijo
Sibila,
Me amarro em passado. Concordo com o James Joyce: o passado não passou.
Beijão
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