Em 19 de fevereiro de 1998, ainda no governo Fernando Henrique, entrou em vigor a lei número 9.610. No capítulo quinto, artigo 96, ficava alterado para setenta anos a duração dos direitos após morte do autor, contados a partir de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao passamento do artista. Um ganho de dez anos sobre a lei antiga. Após esse período os familiares deixam de receber direitos autorais e a obra passa para domínio público.
Se considerarmos que em 2004, segundo o IBGE, a vida média de um brasileiro era de 70 anos, e levando-se em conta que ao morrer o autor tenha um filho de 45 e um neto de 20, o pecúlio recebido ficará na família apenas até a segunda geração. Problema para gente que muitas vezes depende desse recurso para viver e que o perde, já no fim da vida, em país onde as aposentadorias são minguadas.
O domínio público é um problema sério para as obras. Fora do âmbito familiar, do interesse e carinho que os laços de sangue acabam preservando, nem sempre a liberdade de publicação, restringindo-se o exemplo à literatura, faz bem ao livro. São muitos os casos de escritores que sumiram do mapa depois que herdeiros deixaram de cuidar de seus interesses. Será que Machado de Assis, talvez nosso maior escritor, é editado corretamente?
Ontem, o Estado de São Paulo, fez uma justa homenagem a Monteiro Lobato. Nele a neta, Joyce Campos Kornbluh, conta sobre as dificuldades que tiveram com a editora Brasiliense, que sempre manteve os direitos do escritor. Problemas como: edições com o mesmo aspecto visual desde a década de 70; falta de publicação dos livros no formato coleção; ausência de estoque mínimo de cada título; falta de planilhas sobre tiragens, vendas e pagamentos de direitos; erros nos demonstrativos, fizeram com que entrassem na justiça contra a editora. Conseguiram rescisão provisória do contrato e preparam reedição da obra. Não fosse o interesse da família, que vai além do simples negócio, talvez Monteiro Lobato estivesse fadado a desaparecer. O pior é que em 2018, o pai da Emília faleceu em 1948, fatalmente a família perderá o direito de exercer essa salutar vigilância.
Embora a lei seja relativamente nova, setenta anos ainda é pouco. Com a expectativa de vida do brasileiro médio crescendo, e em vista dos benefícios que normalmente os herdeiros trazem às obras, extendendo os cuidados além do lucro, penso que poderíamos começar a conversa em termos de cem anos. Quem dá mais?
20 comentários:
Nunca entendi o direito autoral com prazo estabelecido. Domínio público significa em alguns casos, a deturpação da obra. Um exemplo, na área de mobiliário quando começaram a aparecer em lojas que nunca se caracterizaram pelo bom desenho de seus produtos,famosas poltronas e cadeiras de grandes designers europeus, mobiliário este que tinha fabricantes exclusivos por aqui. Caíram no tal " domínio público " , estão com preços menores, ok, pagava-se a também a exclusividade, mas .... mudaram os materiais de construção e acabamento originais e salvo engano de meu olho clínico, em algumas alteraram dimensões e proporções, alterando o projeto original.
lord, uma lei sem pé nem cabeça, pois se foi feita para proteger a obra do artista de seus herdeiros, serve mais aos direitos das grandes empresas.
sou eu, o tá tudo do avesso, de ponta cabeça e de trás prá diante?
Nunca tinha pensado sob essa ótica. Fico imaginando como se pode arruinar a obra de uma vida e deixar a família olhando isso. credo.
post bacana, bem escrito, que leva em consideração o principal problema: quem cuida da qualidade da obra, quem vigia para que a obra de monteiro lobato [por exemplo] seja publicada com a qualidade pq ele tanto primava.
Peri,
Também não entendo. É como se um terreno tivesse prazo para passar para domínio público. Muito estranho.
Abraço
Anna,
A lei perde o pé e a cabeça quando estipula um prazo para deixar de existir.
Grande beijo
Vivien,
É exatamente o que acontece. Bem observado.
Beijão
Oi Rê,
Bom te ver por aqui. É exatamente o que você observa. Ninguém cuida. Quando passa para o domínio público a obra obedece apenas a critérios econômicos. Ninguém mais luta por ela.
Beijão
Lord, tudo a que se refere a direito autoral é uma caixa preta. No tocante à música, por exemplo uma máfia estabeleceu-se dentro do Ecad e de lá não arreda pé, manipulam planilhas, não prestam contas do que foi arrecadado, enfim tudo muito estranho e suspeito. Tem autor recebendo cheques de R$12,00 mensais!
Na literatura não é diferente. Algo precisa mudar.
Um abraço
Valter,
Também acho, menos passar os direitos para domínio público. Aí esculhamba de vez.
Abração
Bom num país que dá uma banana pro povo, esperar o quê?
Respeito à população, é coisa que nossas leis não conhecem.
Um beijo
Acho que é uma discussão interessante e longa. Quanto tempo demora para uma obra virar pública? E para desaparecer? Não seria bom se houvesse algumas opções de renovação à família? Algo como uma prioridade de manifestação: se os sucessores não se manifestarem, ao longo, sei lá, de 150 anos, a obra torna-se de domínio público. Depois dos 150, passa a domínio público compulsoriamente. Invertendo o raciocínio, Milord, como pensar em sucessores de Cervantes (ok, já são lá 300 anos, mas...)? Ou mesmo de Castro Alves, Gonçalves Dias, o citado Machado? A discussão dá pano pra manga. Colocando nela a tremenda consideração do país por sua própria história e patrimônio cultural, vai ainda mais longe.
É sempre uma honra receber a visita de um Lord! Fique à vontade para voltar sempre, embora eu tenha escrevido cada fvez menos... preguiça, preguiça!
Já havia estado aqui antes e gostado muito. Parabéns pelo blog inteligente e bem escrito!
Abraços,
Rosa.
Milton, estou com você 100 anos no mínimo!
Lord, mil perdões, eu quis esvrever LORD, e esvrevi o nome do nosso amigo Milton de onde vinha! Acontece. Desculpe a falha, coisa da idade!!! Estou ficando gagá!
Aninha,
Principalmente quando falamos de cultura. Não é um assunto muito relevante nesse nosso país.
Beijão
Jayme,
No Brasil setenta anos após a obra do autor. Acho legal a idéia da manifestação dos sucessores após algum tempo. A minha dúvida é se a obra não começaria a morrer quando passa para domínio público, pelo menos no Brasil, país ainda inculto.
Abração
Rosa,
Muito obrigado pela visita. Não tenha preguiça, você escreve bem.
Beijo
Eduardo,
Também me confundo freqüentemente. Obrigado pelo apoio.
Abraço
Lord, és um Lord, mesmo!
Eduardo,
Tks!
Abraço
Lord, há o outro lado da questão - alguns herdeiros , tentando faturar alguns trocados a mais, embaçam qualquer tentativa de uso de imagem ou trecho de obra, tornando inviáveis documentários, filmes, reedições de discos. e aí, em vez de zelar pela preservação do patrimônio, eles acabam prejudicando.
Serbão,
Sei disso. O problema é que tem muita gente que quer usar a obra sem pagar, muita gente esperta... Recentemente me ligou um cara que queria por um livro do meu pai na Internet. Expliquei para ele que isso não nos interessava. Que minha mãe (os filhos doaram os direitos para ela) vivia dos direitos autorais. Aí o caro disse que era amigo do meu pai e que ele não concordaria com isso. Encerrei o assunto dizendo que eu era filho dele e o conhecia melhor. Concordo com você quanto ao fato de que em algumas famílias, principalmente quando há litígio, a obra pode ser prejudicada. Mas na média é melhor que o interesse vá além do puramente comercial.
Abração
A minha experiência com herdeiros é a pior possível. A minoria absoluta se preocupa em preservar uma obra. A total maioria só quer saber de dinheiro.
Muitas vezes o contrário do que você disse acontece. O fato de cair em DP faz a obra "renascer", uma vez que qualquer um pode usar.
Fico um pouco apreensiva com a comparação entre obras de arte e terrenos. A meu ver são tipos diferentes de patrimônio.
Anna V.,
Como escritor, filho de escritor, neto de escrito, sobrinho de escritor, amigo de muitos escritores, prefiro ver os direitos nas famílias. Acho que os escritores que estão em domínio público, Machado de Assis, por exemplo, nosso maior, são muito mal tratados. Nas famílias, é lógico que existem excessões, existe a chance do interesse ir além do dinheiro.
Grande beijo
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