Em 1973 eu tinha dezenove anos. Após o fim de um longo namoro, estava livre para os agitos próprios daquela idade. Muita farra, muita loucura, nada de limites.
Vivíamos o auge da ditadura no país. Gente conhecida era presa, sumia, freqüentemente "se suicidava", incrível como as pessoas "se matavam" naquela época. Apesar disso era um mundo tranqüilo. Quando saía de casa meus pais não se preocupavam com violência. Diferentemente de hoje eram poucos os assaltos, raros os seqüestros, andávamos nas ruas até altas horas sem receio. Lembro que minha mãe passava o sermão de sempre. A recomendação básica era para que não falássemos sobre política nunca, e com ninguém. Depois disso retirava-se para dormir pois sabia que os filhos retornariam.
Sempre havia uma festa nos sábados. Cheguei na casa de meu amigo Massimo, aniversariante do dia, já com algumas cervejas na lata. Ele morava na Giovani Gronchi, perto do Morumbi, endereço considerado na época dos mais distantes. Já estavam todos lá: o Prandini, o Teto, a Mônica, a Eliana, o Douglas, meu irmão Rogério, a turma inteira. Muito som rolando, o Black Sabbath comendo solto.
Lembro-me que havia um lavabo na sala. Percebi que muitos do grupo entravam ao mesmo tempo nele. Já bastante bêbado fui ver o que era. Lá dentro um cigarro passava de mão em mão, um cheiro adocicado impregnando tudo em volta. Ainda não tinha experimentado mas fui em frente, dei algumas tragadas profundas. Saí dali para dançar mais, a música entrando por todos os poros.
Escondido, vi os soldados nazistas chegando. Os cachorros pastores alemães latiam e farejavam tudo ao redor. Afundei um pouco mais na lama, deixando apenas o nariz e os olhos de fora. Sabia que me procuravam. A tropa, comandada pelo delegado Fleury vestido de negro, suástica brilhando no braço, não me deixaria fugir daquela vez. Quieto, mal respirando para não chamar a atenção, só pensava em não ser aprisionado. Não tinha certeza de resistir ao interrogatório. Será que revelaria os nomes dos meus amigos sob tortura? Tinha dificuldade em entender o que falavam. As palavras gritadas como ordens no idioma germânico, lembravam-me o início do seriado Combate, ambientado na segunda guerra, sucesso da televisão. De repente achei que a casa cairia, um cão chegou muito perto, pude ver o linguão pendurado, quase sentir o seu hálito. Alguma coisa, porém, chamou-lhe a atenção, afastando-o. Afundei mais um pouco na lama, deixando apenas os olhos de fora. E então foram todos embora.
Parado em frente à porta da casa, após tocar a campainha, vi os meus amigos me olhando, rindo. O pai do Massimo pegou um esguicho e me lavou ali mesmo, no quintal. Estavam há horas me procurando, preocupados. A viagem, chamada na época de bad trip, levara-me para um terreno baldio próximo, ficara horas escondido dentro de um cano de esgoto.
27 comentários:
caro lord, término de namoro sério aos 19? só bebendo mesmo!
e explicado está a bad trip
Lord, pelo que vejo vc já começou. A gente tinha combinado que seriam os micos etílicos, mas vc resolveu começar por uma bad trip. Bom, que seja. De qualquer forma o start foi acionado.
Rapaz, mas foi barra essa, hein?
Bom, como disse a Anna com um término de namoro sério aos 19, até que uma trip ainda mais tendo como leit motiv a ditadura férrea que foi, está mais que justificada.
Tempos negros como a asa da graúna. Sabe que tem dias que respiro uma atmosfera parecida, não sei se o subconciente guardou alguma lembrança, sei lá o que acontece. Mas a impressão que a qualquer momento o rádio vai anunciar que as tropas estão aquarteladas. Que no Forte de Itanhaém as tropas se movimentam, em exercício de campanha.
E acrescento, nãqo bebi nada, não fumei e nem cheirei. Uma trip, com excessos de realidade eu diria.
Parabéns pela descrição perfeita.
Estás na dianteira na disputa. Me aguarde,
Abraço grande
Anna,
Pois é namorei muito mas casei tarde, aos vinte e oito, idade certa. Completo vinte e cinco anos de casado em julho, dia 10.
Beijão
Valter,
Pois é. Você pegou bem o espírito da coisa. Bebum, drogado, o que importa é que estejamos fora de órbita. Aguardo, com muito entusiasmo, o seu relato. O importante é competirmos. No fim, tenho certeza, o jogo empata.
Também tenho sentido um clima meio pesado. O Lula tem brincado com os militares, tirado deles o que mais prezam, a autoridade. A última revolta de sargentos que houve deu em 64.
Abração
Lord, que loucura, não vivi nada disso, mas entendo.
O que causou estranheza para a Anna, para nós é normal.
Naquela época namorávamos sério mesmo, e com essa idade.
Também vou aguardar estas histórias loucas que virão, só sinto não ter nenhuma para contar.
Um beijo
Caro Lord, aos 19 eu também estava em pleno namoro sério ( terminado só aos 20 ), mas sem bad trips.
num tô entendendo never... Cês tão sobrios?
abraço, garoto
Lord, a Denise não entendeu nada de nossa conversa. Nós bebemos alguma coisa? Não lembro de nada.
Aninha,
Pois é, a gente não ficava, o jeito era pegar na mão, sentar no sofá da sala, namorar sério. Para viajar com a moça demorava um tempão. Hoje, ainda bem, tudo é mais fácil e normal.
Beijão
Peri,
Essa bad trip foi única, primeira e última. Depois fiquei com medo.
Abração
Denise,
Sombrios? Combinei com o Valter que escreveríamos posts sobre porres que tomamos na juventude. A idéia era mostrar alguma coisa menos sombria, mais divertida. Não deu certo?
Beijo
Valter,
Bêbados? Não bebo mais. Entre meus posts etílicos constará um em que explicarei como se deu o processo de abandono do álcool.
Abração
Anna,
Não consigo achar seu blog, gostaria de retribuir as visitas.
Beijo
Lord
A Anna, antiga e excelente comentarista blogueira não se anima a ter um. Já fizemos todos os tipos de pressão e nada. Um desperdício.
Peri,
Pena... A Anna, a Sibila, o mundo dos blogs só tem a perder.
Abração
Mandei um comentário pro cê agora pouco, não chegou. Dizia Assim: Nossa, Lord q nóia! passei algo semelhante qdo da 1a. e última vez q experimentei um ácido. Tava em Caraíva (BA) era Reveillon e todo mundo parecia ter tomado o treco. Vi ondas e cabelos, ondulantes, esvoaçantes, semi-círculos, mta cor, psicidélico mesmo, Yellow Submarine. Depois de horas, bateu uma sensação de claustro-agorafobia, tudo junto. Ñ ficava nem dentro, nem fora do chalé, mas na varanda. Mais tarde, fui dar uma banda, convencida pelo meu namorado: "É melhor enfrentar o medo." Então tá. No meio de nossa caminhada, eu de mão dada c/ ele, de repente, arregalei os olhos e vi, tive certeza dele ser o louco, algo assim como o Coringa (do Batman, a figura das cartas). Um risinho de arrepiar. Pensei "Como é q vou me livrar desse louco?" Como? se a louca era eu. Qto à repressão militar, ouvia o mesmo q disse de meus pais. Que sacanagem, não é? Nem ácido tinham tomado! Tudo muito real. Era criança, ñ senti mto, mas tempos terríveis aqueles, não? Bjs.
Sibila,
Seu relato é muito bom. Reveillon em Caraíva, não tinha melhor maneira de começar o ano, não? Qual foram suas new year resolutions?
Beijão
Nunca mais ácido e me casar com o baita do namorado que tinha e que até hoje guenta essa que bate bem, bem fora do bumbo. Só que outras farras continuaram depois disso, mas ao menos sem ácido. Bj.
Sibila,
Então tá! Que o baita namorado não enrole muito e o casório saia em breve.
Beijão
Namoro depois de 10 anos morando junto ñ é casamento? Amancebada, amasiada, e casada, mesmo sem igreja e cartório - é a Lei!
por isso sou caretaaaaaa.....risos..
Lord, vc está me saindo um ótimo interrogador. Fêz com que a Sibila abrisse o coração. Faz uma pressãozinha aí prá ver se ela e a Anna fazem um blog. Para o post inicial já tem um bocado de material./
Sibila, desculpe a brincadeira, tá? Te gosto muito.
Um abraço graaande
Sibila,
Namoro, casamento, amasiamento, amancebamento, o que importa é ser feliz. Também sou casado, só com cartório, sem igreja que sou ateu.
Beijão
Vivien,
Você careta? Duvido.
Beijo
Valter,
Também custei para ter o meu blog. Precisei que um primo, o Branco Leone (já foi no blog dele?), fizesse para mim. A informática tem seus mistérios. Embora trabalhe com ela, e ganhe a vida há quase trinta anos com bits e bytes, não consigo me entender com microinformática. Sou, na terminologia cibernética usada, um verdadeiro dinossauro. Só gosto e entendo de mainframe.
Abração
ótima viagem. Não consigo lembrar as minhas. ahahaha
Lord, careeeeta militante.;0)
Sério.
uia, que cigarro era esse? angel dust????
Cara, sabe q sou pernósticamente perante deus, agnóstica? Ai, ai meu Deus o qu será de mim?
quero mais lembranças. exijo ! de quem sabe escrever. e a gente merece.
Guga,
Eu lembro de ouvir contar. Os amigos gostam de lembrar essas histórias. Grandes amigos, não?
Abração
Vivien,
Eu também sou careta. O tempo encaretece.
Beijão
Leila,
Sabe que eu não me lembro. Seja benvinda!
Beijão
Sibila,
Eu gostaria muito de acreditar em Deus, mas não acredito. Pena...
Beijão
Eliana,
Pra você fica mais legal, né? Você conhece todo mundo e, inclusive, essa minha fase negra.
Beijão
então fases brancas, taambém vale. e não acho que foi fase negra, não senhor. acho que é agora que vivemos fases negras, com mil dificuldades para se encontrar. aqui no Rio ando tendo insights dos anos 60/70. foi uma época linda. melhor juventude - turma idem - impossível.
Eliana,
Fase negra em termos de comportamento meu, já que bebia muito. mas o resto todo foi maravilhoso, valeu muito.
Beijão
Postar um comentário