sábado, agosto 22, 2009

Taxi

Acabo de ler o delicioso Taxitramas, diário de um taxista, livro do Mauro Castro, conhecido e competente bloggeiro. Talvez por ser invejoso, querer escrever com a mesma fluência, arrisco também um pequeno relato.
Outro dia peguei um taxi. Corrida curta que o tráfego complicado transformou em oportunidade de prolongado bate-papo. O motorista era jovem e falava pelos cotovelos. A mesma reclamação de todos. O entusiasmo com que o município vem multando as infrações de trânsito em São Paulo tem sido tão grande, que as queixas aparecem em cada esquina. Contou-me sobre um médico conhecido dele. A figura comprou um carro e registrou como sendo da sogra, velhinha entrevada e desabilitada, para tentar fugir do acúmulo de pontos que acabaria por suspender-lhe a licença para conduzir o veículo. Achei a idéia boa, ainda não tinha pensado nela. No trajeto passamos por alguns radares. Agora em cada esquina existe um, com diversas funções: punir excesso de velocidade; verificar se o indivíduo está burlando o dia do rodízio; se ultrapassou o farol vermelho. É claro que como tudo em nosso grande país desimportante, o intuito não é educar, ensinar o povo a andar dentro de normas civilizadas. O negócio é faturar, encher os cofres da administração, autuar o cidadão. E então o Jurandir, nessa altura já sabia o nome do rapaz, fez-me uma confissão, em tom um pouco mais baixo. Contou-me que à noite, na madrugada fria paulistana, reune uns camaradas e sai detonando os delatores eletrônicos. Quebram o maior número possível, em um valente olho por olho, dente por dente. Fiquei calado ouvindo. Meu primeiro impulso foi condenar a atitude. Afinal são equipamentos caros, comprados com o dinheiro de nossos impostos. Mas já estávamos chegando ao meu destino. Paguei a corrida, nos despedimos. Desejou que eu fosse com Deus. Sempre acho engraçado quando falam assim. Dentro do elevador, senti vontade de quebrar a câmara que me vigiava.

sábado, agosto 08, 2009

Síndrome de Down

Já contei aqui outras vezes, quem me lê sabe que tenho um hábito bem paulista: freqüento padarias (ainda vou usar o trema por um tempinho). Além de ser fanático por pão, gosto de provar os mais variados, tenho enorme curiosidade em observar as pessoas. Sou mais ou menos assíduo em uma chamada La Plaza, que fica na avenida Sumaré. Tem um astral muito agradável, o atendimento é simpatissíssimo, as meninas que servem beijam a gente, tudo muito informal. Há também a vantagem de que as mesinhas ficam ao ar livre, de frente para uma praça. Normalmente tomo cafá da manhã lá, às vezes almoço. Hoje, estava saboreando o honesto filé à parmeggiana que fazem, quando uma cena me paralizou. Um casal jovem sentou-se à minha frente. Chegaram de mãos dadas, acomodaram-se, pediram refrigerantes. Os dois tinham síndrome de Down e usavam aliança na mão esquerda, mostravam-se bem carinhosos entre si, casados. Só mesmo em Sampa. Alguém já tentou calcular a probabilidade deste casório acontecer? Seria legal pedir para a minha antiga professora Albanezi, craque na matemática, temida no Dante Alighieri, calcular. Lembrei-me também de minhas aulas de biologia no colégio, com o professor Cezar: trissomia do cromossoma vinte e um. Mas quem disse que amor precisa de ciência?

quarta-feira, agosto 05, 2009

Break On Through

Tenho saudade da minha juventude. A gente transgredia, quebrava regras, não compactuava, morria se fosse preciso. E era gostoso poder desaparecer, contestar, arriscar o pescoço até o limite da razão. Muitos de nós partiram para melhor coerentemente íntegros, plenos de idéias. Tínhamos o que dizer. Dava orgulho poder argumentar, discutir, ter fé nas palavras, crer no futuro impossível. Desafiávamos. Hoje os meninos são bonzinhos, verdadeiros santos. Fazem caridade e trabalham em ONGs.