Acabo de ler o delicioso Taxitramas, diário de um taxista, livro do Mauro Castro, conhecido e competente bloggeiro. Talvez por ser invejoso, querer escrever com a mesma fluência, arrisco também um pequeno relato.
Outro dia peguei um taxi. Corrida curta que o tráfego complicado transformou em oportunidade de prolongado bate-papo. O motorista era jovem e falava pelos cotovelos. A mesma reclamação de todos. O entusiasmo com que o município vem multando as infrações de trânsito em São Paulo tem sido tão grande, que as queixas aparecem em cada esquina. Contou-me sobre um médico conhecido dele. A figura comprou um carro e registrou como sendo da sogra, velhinha entrevada e desabilitada, para tentar fugir do acúmulo de pontos que acabaria por suspender-lhe a licença para conduzir o veículo. Achei a idéia boa, ainda não tinha pensado nela. No trajeto passamos por alguns radares. Agora em cada esquina existe um, com diversas funções: punir excesso de velocidade; verificar se o indivíduo está burlando o dia do rodízio; se ultrapassou o farol vermelho. É claro que como tudo em nosso grande país desimportante, o intuito não é educar, ensinar o povo a andar dentro de normas civilizadas. O negócio é faturar, encher os cofres da administração, autuar o cidadão. E então o Jurandir, nessa altura já sabia o nome do rapaz, fez-me uma confissão, em tom um pouco mais baixo. Contou-me que à noite, na madrugada fria paulistana, reune uns camaradas e sai detonando os delatores eletrônicos. Quebram o maior número possível, em um valente olho por olho, dente por dente. Fiquei calado ouvindo. Meu primeiro impulso foi condenar a atitude. Afinal são equipamentos caros, comprados com o dinheiro de nossos impostos. Mas já estávamos chegando ao meu destino. Paguei a corrida, nos despedimos. Desejou que eu fosse com Deus. Sempre acho engraçado quando falam assim. Dentro do elevador, senti vontade de quebrar a câmara que me vigiava.